Alexandrina Pereira sobre Sebastião da Gama: “Tudo nos deu com alegria e tudo nos deixou sem um sentimento da revolta”

Não é o facto de termos uma longa vida que nos pode proporcionar um caminhar feliz pelos dias que Deus nos permite viver; é a forma com que encaramos a vida, aceitando com naturalidade todos os momentos, que nos proporciona essa possibilidade. Quem sentir interesse em “viajar” pela vida e obra de Sebastião da Gama irá descobrir esse modo de aceitar os bons e os maus momentos com a coragem de um simples sorriso. Sei que todos gostaríamos de possuir esta capacidade de aceitação perante qualquer adversidade da vida, mas todos sabemos também que “saber viver e saber morrer” com a mais pura dignidade, não está ao alcance de qualquer um, mas apenas a um ser humano que tenha nascido com dons especiais, e Sebastião da Gama tinha com ele essa capacidade de valorizar os momentos felizes e segurar a felicidade nos momentos dolorosos que Deus lhe tinha destinado. A sua estatura moral suplantou tudo o que podemos imaginar para qualquer ser humano. Perante o conhecimento que tenho da sua nobreza perante o evoluir da doença, atrevo-me até a imaginar que chegou a pedir desculpa à própria morte. Esteve no mundo e partiu, vivendo apenas vinte e sete anos e nesse tão curto espaço de tempo deixou-nos tantos ensinamentos que inevitavelmente penso no muito que todos nós teríamos ganho se ele tivesse ficado entre nós até hoje.

Foi através da leitura da poesia de Sebastião da Gama que “descobri” como se pode VIVER cada momento da nossa vida. Como poeta diz-nos que um olhar mais profundo, mais atento às pequenas coisas, nos aproxima da beleza que existe na mais ínfima pedra, na flor escondida entre a mata da majestosa e fascinante Arrábida; essa Serra a quem chamou de MÃE, que amou verdadeiramente como um filho que procura e sente nela o colo igual ao que sua mãe lhe deu. Mas, mais que os poemas de amor à Serra que conhecia, amava e defendia, encontramos uma poesia construída com a magia de um coração generoso, paciente, apaixonado e acima de tudo, feliz. É essa capacidade de ser feliz, mesmo quando a vida lhe fugia, que admiro e me comove. Tudo nos deu com alegria e tudo nos deixou sem um sentimento da revolta. Deu-nos os seus poemas, um desfile de doces e ternas palavras, de sorrisos, esperança e fé, a mesma que o acompanhou até à despedida desta vida terrena. Mas, Sebastião da Gama não nos enriqueceu apenas com os seus poemas. Basta lermos o seu livro “Diário”, no qual podemos encontrar os apontamentos das suas vivências como professor, para encontrarmos as qualidades humanas que fizeram com que até hoje e para sempre seja recordado por aqueles que tiveram a ventura de terem sido seus alunos. Apesar das suas qualidades como professor serem consideradas o ponto mais significativo da sua vida, infelizmente tão curta, Sebastião da Gama deixou também profundas recordações em todas as pessoas que com ele se cruzaram nesta efémera passagem terrena. São disso exemplo as cartas trocadas com várias personalidades literárias, (David Mourão Ferreira, Matilde Rosa Araújo…) cujos testemunhos não se cansaram de enaltecer as suas qualidades humanas.

A serenidade com que aceitou o dramático destino que Deus lhe reservou, foi o reflexo da paixão e do amor com que a vida o tinha presenteado: a sua Joana Luísa! Companheira, de uma curta mas intensa vida. Foi este eterno amor puro que a levou a viver com a missão de partilhar o muito que Sebastião da Gama não teve tempo de fazer, permitindo assim termos hoje um mais profundo conhecimento do Poeta e do Homem.

Como nota final, deixo aqui expresso o meu próprio enriquecimento cultural e humano nos seis anos em que exerci o cargo de Presidente da Associação Cultural Sebastião da Gama. Jamais esquecerei a emoção com que toquei os objectos que lhe pertenceram, os manuscritos onde registou frases, recados, pensamentos e poemas que ia registando em qualquer momento dos seus dias (e noites) e que ao longo dos anos foram religiosamente guardados por Dona Joana Luísa. Foi e será sempre muito gratificante o tempo em que tentei aprender, como Sebastião nos ensina a sorrir à Vida e à (inevitável) Morte.

Alexandrina Pereira
Poetisa e ex-presidente da Associação Cultural Sebastião da Gama
*Por minha opção, este texto não respeita o novo acordo ortográfico.