Festas das Vindimas: Hoje, como ontem!

Quem, em Palmela, sente o aproximar do mês de Setembro sabe que, muito em breve, pelas ruas, andarão carros a transportar gente para o trabalho das vinhas e uva para os lagares. E sabe também que, com a mesma brevidade, chegarão as Festas das Vindimas, já inscritas na vida da comunidade.

Hoje,o vinho é um dos valores mais importantes da região e um dos sectores económicos mais pujantes da economia nacional. Ano após ano, antigas e novas adegas produzem mais e melhor, avaliando a expressão dos prémios nacionais e internacionais que vão conquistando.

Hoje as Festas das Vindimas são uma montra para o que de melhor a região de Palmela tem para vender, o vinho. Em 1963 também!

Desde os finais da década de 50 que em Palmela se fala na necessidade de criar uma festa que celebre a cultura da vinha e do vinho. A imprensa local insiste na urgência de valorizar a região. Argumenta que as festas chamam os “forasteiros” que, provando o vinho, passam a consumir as “marcas”. O “turista”, nas palavras de António Ferro, director do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), é, afinal, “um esfomeado de pitoresco” e Portugal um “cofre de velhas e coloridas coisas”. Em Palmela também as havia.

Na senda  da exaltação nacional dos valores da portugalidade, em 1963 as ruas enchem-se de sons. Os gaiteiros dão, pela primeira vez, a volta à  vila. Desde o primeiro ano a festas é marcada  por três momentos tão importantes quanto distintos: a Pisa e a Benção do Primeiro Mosto, o Cortejo Alegórico e a Eleição da Rainha.

Em 1963, pese embora o colorido das vestes das raparigas e a celebração desta “velha” riqueza, a economia do vinho nacional e local há muito tempo que dá sinais de enfermidade. A promoção das regiões e o fomento da qualidade integram o conjunto de propostas para solucionar o problema.

Em Palmela, neste período, as vinhas, que no século XIX trazem riqueza ao concelho, foram já substituídas por montado.

Nas décadas de 40 e 50 mais de 40% da terra é ocupada por floresta, pouco exigente em mão de obra. O solo que resta mostra um rendilhado de pequenas courelas, habitadas por gente que cultiva uvas, como complemento aos magros salários, mas cuja produção será vendida, ano após ano, praticamente sem lucro. A estabilização dos preços agrícolas imposta pelo Estado cristaliza uma realidade onde apenas escassos produtores têm acesso aos principais canais de escoamento, ou usufruem dos apoios públicos.

Nem a Adega Cooperativa, inaugurada em 1958 com o propósito de apoiar os pequenos produtores, trará a salvação. Estes, sem capacidade de transportar as uvas para os lagares, nem tão pouco de esperar largos meses pelo pagamento, porque as vinhas exigem cuidados dispendiosos e assíduos, precisam vender com pressa, pelo que, mais uma vez, sem lucro.

Vinificar atenuaria o problema, mas quantos conseguem amealhar o suficiente que lhes permita investir na construção de uma adega? Uma minoria.

As grandes herdades desinvestem na vinha, tão exigente em mão de obra, pelo que os pequenos produtores têm de somar à escassez de lucro, a inexistência de salário.

A cultura da vinha não garante o sustento de tantos que se encontram dependentes da terra, condenando-os à, tão antiga, precaridade. Mas hámais opções? Não. Proibidos de emigrar, e sem outras oportunidades de trabalho, encontram-se presos a este solo e às condições impostas pelos grandes proprietários.

Mas a década de 60, que assiste ao nascimento da Festa das Vindimas, inaugura também um período de abandono da terra e de desinvestimento nacional na agricultura. Em Palmela, muitos,antes entregues às tarefas das cavas, podas e enxertias, seguem agora o caminho da indústria que se instala nos concelhos vizinhos como Setúbal, Almada e Seixal.

A paisagem vitivinícola regional muda. As décadas de 70 e 80 trazem alterações ao modelo económico e os produtores, pequenos e grandes, adequam-se. Cenário onde muitos abandonam a agricultura e poucos prosperam.

Nos anos 90, a viticultura regional enceta um caminho de regresso à terra, onde novos e antigos produtores ampliam a extensão das vinhas, bem como a produção de vinho e os destinos de venda.

Durante este tempo as Festas das Vindimas permanecem, falando-nos de toda esta gente, de todo este percurso.

No dia 3 de Setembro de 2014, como em 1963, os gaiteiros vão percorrer as ruas da vila, agora iluminadas com um exuberante arraial. As janelas e as varandas, serão abertas de par em par e vestidas com aquelas colchas que, apenas nestes dias, são libertas dos armários.

 

Sim, é a Palmela colorida e pitoresca que mais uma vez se exibe, mas é mais… muito mais.

É, sobretudo, séculos de gente, muita gente que sonha, realiza, falha, persiste e prospera. Muita gente conhecida, mas tanta, tanta gente anónima que, estação após estação, ano após ano, planta para agradecer e celebrar, cada uma das colheitas, casa uma das vindimas.

Hoje, como ontem, celebremos as Festas das Vindimas!

 

Cristina Prata, Investigadora (ICS)