Ricardo Crista, escultor do memorial de homenagem a José Afonso: “Sinto um sentimento de gratidão”

A peça de arte pública, da autoria do escultor setubalense Ricardo Crista, inserida no projeto municipal “Venham Mais Vinte e Cincos” que comemora os 50 Anos do 25 de Abril no concelho sadino, evoca a memória de José Afonso, cantor de intervenção, foi inaugurada a 6 de janeiro, na zona ribeirinha, junto à praia da Saúde. Com cinco metros e meio de altura, quatro de largura e um e meio de profundidade, a peça em aço corten, pode ser observada do rio Sado para a cidsde e vice-versa e tem um efeito transparente quando vista de determinados ângulos, enquanto a partir de outros mostra o retrato de José Afonso. Ricardo Crista confessa que sempre idealizou a escultura para a zona ribeirinha da cidade, com a ideia de criar um movimento, sem ser uma barreira para o rio. O artista confessa que gostou do trabalho. “Sinto um sentimento de gratidão”, disse Ricardo Cristas.

Florindo Cardoso

Setúbal Mais – Como surgiu a ideia da conceção desta escultura?

Ricardo Crista – Esta escultura resulta de uma proposta feita pela Câmara Municipal de Setúbal já há alguns anos, nomeadamente um desafio da presidente Maria das Dores Meira, que queria fazer uma homenagem a Zeca Afonso. Não estava previsto para esta data. Passado algum tempo, executei a maquete desta escultura e apresentei à presidente há três ou quatro anos.

Setúbal Mais – A ideia desta escultura de ver ao longe a imagem de Zeca Afonso?

Ricardo Crista – Pensei isso tudo. O local onde deveria estar inserida a escultura e toda a minha ideia desenvolvida, idealizei-a logo para aqui. Não queria que se criasse uma barreira para o rio Sado, mas que as pessoas se deslocassem, houvesse movimento, e que fosse vista de várias perspetivas a fotografia do rosto de José Afonso. Cada perspetiva tinha a sua leitura. De todos os pontos tem uma leitura, mas há um ponto que é a imagem de Zeca Afonso.

Setúbal Mais – Esta imagem é a mais emblemática de Zeca Afonso?

Ricardo Crista – Sim. É uma das fotografias que existem de José Afonso, sendo das mais conhecidas e até já houve vários artistas a trabalhar sobre esta imagem. É das imagens mais emblemáticas e mais interessantes que ele tem e considerei que fazia sentido neste local, onde parece estar a olhar para o horizonte, a cidade e vários locais.

Setúbal Mais – Como foi o processo de fazer este trabalho em várias barras em aço corten, milimetricamente, de forma a ver a imagem de Zeca Afonso?

Ricardo Crista – Foi o resultado de várias maquetes que fiz, usando várias tecnologias no computador. Para atingir este resultado foi preciso fazer várias maquetes até acertar.

Setúbal Mais – E a parte de trabalhar o aço corten para atingir a perfeição?

Ricardo Crista – O material é cortado à escala, a lazer, seguindo rigorosamente a maquete.

Setúbal – Gostou do resultado final da sua obra?

Ricardo Crista – Sim. Sinto um sentimento de gratidão. Tenho mais se sessenta peças de esculturas públicas, de norte a sul do país, mas esta é a minha maior obra de maior dimensão. Faço muitas homenagens a pessoas, através do retrato. Neste caso, queria criar esta transparência. Todas as minhas obras têm esta transparência, mas nesta peça apresenta-se em maior dimensão e erguida desde o chão, sem nenhum pedestal nem suporte, mas para estar ao mesmo nível de todos nós, sem barreiras para o rio.

Setúbal Mais – Quem navega no rio, também vê a mesma imagem?

Ricardo Crista – Vai ver a mesma imagem, mas a determinado ponto é diferente. Temos mais perceção a partir da terra, porque vista do mar, há maior ruído visual como os prédios e as árvores e a imagem não vai ser tão clara.

Setúbal Mais – E o ângulo de visão da imagem é o mesmo?

Ricardo Crista – Não. Tem um ângulo mais próprio. Cada um há de descobrir o seu ângulo. Em terra, como há um passeio pedonal, queria que as pessoas começam a descobrir gradualmente, até chegar do ângulo diagonal ao frontal, mostrando maior transparência e vendo sempre o mar. 

Ricardo Crista

O escultor dos rostos

Ricardo Crista nasceu em Lisboa, 1978, e reside em Setúbal. Licenciado em pintura pela Escola Universitária Artística de Coimbra e Mestre em Artes Visuais pela Universidade de Évora. Jovem revelação 2014 na cidade Setúbal. O artista foi convidado, pela anterior presidente do município sadino (Maria das Dores Meira), como embaixador de Setúbal.

Desde 2005 expõe regularmente em diversas galerias e museus nacionais e internacionais. Em 2015, cria o projeto POLI que consiste em esculturas de intervenção de arte urbana abordando a técnica de mosaico, aliando a tradicional azulejaria portuguesa à contemporaneidade, e o recorte em aço corten com o intuito de preservar tradições e manter vivas as memórias de figuras da história local.

Ricardo Crista AKA POLI já se encontra representado com sessenta peças de arte pública em municípios de norte a sul do país, nomeadamente em Penafiel (homenagem a Mário Zambujal, Miguel Sousa Tavares e Manuel Alegre), Covilhã, São Miguel de Paredes, Beire, Sines, Viseu, Casegas, Ponte de Sor, Ervideira, Galveias, Bombarral (Jardim Buddha Éden), Lagoa (Homenagem ao fadista Carlos do Carmo), Alcoutim, Faro, Azeitão (Wine shop/Quinta da Bacalhoa), Tramaga, Alcácer, Grândola, Alcochete (homenagem ao forcado Fernando Quintela), Paredes de Coura, Pampilhosa da Serra, Casal de Cambra, Sintra, Sernancelhe, Oliveira de Azeméis, Lisboa (escultura de homenagem a Natália Correia), Lousada (memorial em homenagem ao jovem Rui Pedro que se encontra desaparecido) e Setúbal.