Por favor, não deixem de votar

Apesar de algumas fragilidades, que estão ao nosso alcance minimizar, a democracia é o regime político mais favorável à intervenção livre e ativa do povo. Para a conquistar, nos países onde ela existe, foi preciso que muita gente fosse perseguida, presa, torturada e assassinada. Nenhum dos regimes democráticos existentes foram alcançados sem sofrimento muito duro para os que lutaram pela liberdade política. Mas o povo que viveu em países ditatoriais também passou pelas agruras de autoritarismos dos poderosos sejam eles políticos, educativos, económicos, judiciais, policiais, militares, religiosos. Importa que ninguém julgue, sobretudo quem nunca teve a experiência de viver em regimes totalitários, que a democracia é um sistema político irreversível. Não o é em lado nenhum. Exige um processo de permanente construção, com avanços e recuos.
Reafirmo que não é ainda o modelo de governança facilitador do bem comum, ou seja, de condições dignas de vida para todas e todos. Bem sabemos, porque muita gente o sente, que mesmo nos países onde reina a democracia, mais nuns que noutros, continuam a existir situações graves de desigualdades na distribuição do rendimento financeiro que geram situações gritantes de pobreza e muitos outros fatores que estão também na origem de outras formas de exclusão social. As opções democráticas não estão isentas de manipulações influenciadas por técnicas sofisticadíssimas de convencimento e de publicidade. Os compadrios, privilégios e atos de corrupção também existem nos regimes democráticos, assim como certas formas de perseguição a quem não pensa como o partido dominante ou menos facilidades nos apoios a quem não faz parte dele, etc.
Tudo isto são evidências de como há muito que fazer para ir tornando a democracia, enquanto não surgir outro regime no qual seja mais bem assegurado o cumprimento dos direitos humanos, onde seja mais evidente a distribuição justa dos bens da terra, a inclusão social de toda a gente, a igualdade de género, o respeito pelas diferentes minorias, enfim, tudo o que seja necessário para dar ainda mais dignidade à vida, bem como respeitar e perseverar a Natureza. Estas fragilidades estão, cada vez mais, a serem utilizadas por novos partidos que, demagogicamente, prometem resolver tudo o que sabem desagradar mais às populações. O recrudescimento destes movimentos políticos estão a colocar em perigo a democracia, pois facilmente dão origem a regimes de partido único defensores do totalitarismo.
É importante que não caiam no esquecimento os valores, que apesar dos constrangimentos referidos, continuam a ser mantidos por governos democráticos. O primeiro e inestimável é o da liberdade que permite o acesso a direitos e deveres respeitadores da dignidade humana. Cito alguns: a inexistência da censura política que permite dizer-se e escrever-se o que se pensa; o acesso universal ao ensino; a existência de um serviço nacional de saúde; uma maior preocupação pela não discriminação seja de que tipo for; maiores cuidados de proteção social; valorização do associativismo; possibilidade de reivindicar e de protestar publicamente; existência de maior diversidade partidária e religiosa; dever de participar na governação do país, através de organismos públicos ou privados, etc…
Em suma, a qualidade da democracia depende daquilo que as populações fizerem por ela. É essencial, por isso, que seja valorizada em dois vetores: no representativo e no participativo. No nosso país, temos ainda um regime democrático pouco amadurecido, devido ao crescente desinteresse dos portugueses pela sua consolidação. Isso torna-se evidente nos níveis de abstenção, há já muitos anos, nos atos eleitorais e na falta de participação constante em órgãos partidários ou de outra natureza associativa nos quais se pode ir acompanhando a governação a nível europeu, nacional e local, corrigindo os desvios que más práticas políticas possam causar ao progresso do país.
A participação em todos os atos eleitorais é importante. São a expressão mais primária da vivência democrática. Porém, as eleições para os órgãos autárquicos têm uma dimensão mais significativa. Aponto alguns fundamentos da minha opinião: trata-se de escolher governantes, na realidade, mais próximos dos cidadãos e que, assim, conhecem melhor os anseios e dificuldades das populações; permite a participação direta dos fregueses e munícipes com intervenções, em nome pessoal ou coletivo, nas assembleias de freguesia e municipais; dá a possibilidade de se terem interlocutores legitimados na reivindicações locais junto do poder central; concede a oportunidade de grupos de cidadãs e cidadãos se candidatarem fora do quadro partidário, facto que só acontece para as eleições à Presidência da República; torna mais fácil a prática da democracia e a correção das suas distorções.
Por tudo isto, perdoem-me que considere uma falta de estima pela terra onde se vive e uma demonstração de desprezo pelo dever que cada um tem em colaborar pelo progresso da sua freguesia e do seu concelho o não votar nas próximas eleições. Que direito tem de protestar ou reivindicar quem não se deu ao trabalho simples de fazer a escolha de quem considere o melhor, ou até, o menos mau (se for esse o caso) para governar o que nos pertence? Em democracia pode-se delegar tarefas, mas nunca responsabilidades. Cada um de nós tem a responsabilidade do que acontecer na gestão das causas públicas da nossa edilidade durante os próximos quatro anos. Por favor, não deixem de votar.
Eugénio Fonseca
Presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado