Marisa Matias, eurodeputada do BE deixa uma mensagem aos jovens: “Reivindiquem e exijam melhores níveis de proteção laboral e social”

Marisa Matias, de 47 anos, natural de Coimbra, é conhecida pelo seu carisma na defesa das causas sociais nacionais e europeias. Atualmente cumpre o terceiro mandato como eurodeputada pelo Bloco de Esquerda e está integrada no Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu – GUE/NGL. Faz parte de três comissões: Assuntos Externos; Indústria, Investigação e da Energia e da Comissão Especial sobre a Pandemia de Covid-19: Ensinamentos Retirados e Recomendações para o Futuro. Com carreira académica em sociologia, tem obra relacionada com o meio ambiente e a saúde pública. Nesta entrevista critica dependência energética da União Europeia de “regimes pouco recomendáveis”, as fragilidades da política europeia que deixou para “trás pessoas mais vulneráveis” e “favoreceu os grandes grupos económicos” e deixa uma mensagem aos jovens para que “não se calem”.


Florindo Cardoso


Setúbal Mais – O atual mandato termina em 2024. Qual o balanço que faz do trabalho desenvolvido nestes quatro anos?
Marisa Matias
– Estes quatro anos foram inevitavelmente muito marcados por uma sucessão de crises que nos exigiram uma intervenção para além da “normalidade” do funcionamento das instituições. A crise pandémica mostrou as fragilidades de uma política que progressivamente foi deixando para trás as pessoas mais vulneráveis da União em termos de proteção laboral e social, além de ter mostrado de forma evidente as fragilidades do sistema de produção muito dependente das importações de bens muitas vezes em condições de baixos salários e zero cumprimento de normas ambientais. Creio que nos lembraremos durante muitos anos do que foi descobrir, quando as fronteiras fecharam, que na Europa não se produziam máscaras ou ventiladores. Mas cravou mais fundo na situação de profunda vulnerabilidade em que foi deixada uma grande parte da população, sobretudo os trabalhadores precários, as cuidadoras informais, os migrantes sem papéis. Percebeu-se bem que o projeto europeu tinha deixado o seu pilar social para trás. A segunda crise, muito agravada pela invasão criminosa da Ucrânia, a da inflação e da dependência energética, foi a que veio confirmar ainda mais os nossos níveis de vulnerabilidade na proteção social e as limitações da resposta europeia à transição energética necessária no combate às alterações climáticas. Num sentido diferente, a invasão da Ucrânia mostrou também elevados níveis de solidariedade com o povo ucraniano e essa solidariedade é provavelmente a principal marca positiva dos últimos anos.

Setúbal Mais – Portugal e a Europa estão a atravessar uma fase crítica devido às crises energética, social e económica, em virtude da guerra na Ucrânia. O que poderá ser feito para ajudar os mais vulneráveis?
Marisa Matias
– A crise energética já vem de trás. Em outubro de 2021, meses antes da invasão, já estávamos completamente no meio de uma crise de preços na eletricidade e na energia. Obviamente essa crise foi agravada com a guerra, mas não é correto dizer que foi a sua causa. Outra coisa diferente é o nível de dependência energética da União Europeia face ao gás russo, que fez com que durante ainda largos meses fossem os países da UE a financiar indiretamente a invasão ao continuarem a comprar e a pagar a preços elevados o gás russo. Os problemas de fundo que levaram a essa crise, seja o mercado marginalista da definição de preços da energia, os lucros excessivos das grandes operadoras da energia, a ausência de tetos de preços ou a ausência de uma independência energética na UE continuam todos por enfrentar ou resolver. Eliminou-se, e bem, a dependência da Rússia, mas mudou-se o abastecimento para outros regimes pouco recomendáveis como a Arábia Saudita e quejandos. Relativamente a tudo o resto nada foi feito. Já a crise inflacionária, essa é obviamente uma maior consequência da guerra, pouco foi feito para apoiar diretamente as pessoas, continuando uma lógica de favorecimento dos grandes grupos económicos como foi o caso do nosso país, com medidas ineficazes e contraproducentes, como por exemplo a redução do IVA. Depois da pandemia e com a guerra em curso, não houve ainda coragem para enfrentar os grandes grupos económicos e continua a colocar-se o peso nas pessoas e nas famílias. Políticas como o aumento das taxas de juro só agravam a situação económica e social já desastrosa. Em Portugal, onde as pessoas dependem de empréstimos para pagar a casa por ausência de políticas públicas para a habitação, as consequências são trágicas.

Setúbal Mais – A eurodeputada faz parte da Comissão Especial sobre a Pandemia de Covid-19: Ensinamentos Retirados e Recomendações para o Futuro. O que poderá adiantar sobre o trabalho que está a ser feito?
Marisa Matias
– O trabalho que está a ser feito centra-se no levantamento das respostas dadas nos vários países europeus em áreas como a saúde, a proteção social (ou a ausência dela), os serviços públicos, a produção e distribuição de medicamentos, os contratos para a administração das vacinas, a situação dos trabalhadores da linha da frente, enfim muitas das áreas mais críticas. Esse levantamento permitirá fazer uma avaliação e apresentar recomendações para intervenções em pandemias futuras.

Setúbal Mais – Qual a mensagem que quer deixar aos jovens, já que são dos mais afetados pelas crises na Europa?
Marisa Matias
– Uma não muito original, que agarrem as decisões e as escolhas como suas, que reivindiquem e exijam melhores níveis de proteção laboral e social. Que lutem pelos seus direitos. Que não deixem essas decisões aos outros, mas sobretudo que não se calem quando as respostas e as políticas que lhes são dirigidas só reforçam a sua vulnerabilidade.

Setúbal Mais – Grande parte dos portugueses estão afastados das instituições europeias e isso reflete-se na alta taxa de abstenção nas eleições europeias. Qual a mensagem que quer deixar para haver uma maior participação cívica?
Marisa Matias
– Há um enorme desencanto com a política, o que é absolutamente compreensível, mas se as forças representadas tal como estão não respondem aos problemas da maioria é porque esta não foi ouvida. É preciso resgatar essa relação interdependente e isso só se faz com mais participação de toda a gente. As políticas europeias entram todos os dias nas nossas vidas, mas há pouco interesse em ouvir as pessoas, e a alternativa é que as pessoas se façam ouvir.