Entrevista com Dina Simão, estilista: “O meu grande sonho está a ser realizado”

Dina Simão é uma estilista de renome internacional com fortes ligações a Setúbal, onde residiu durante três décadas. Natural da Luanda Norte, licenciada em Relações Internacionais e em Recursos Humanos, já tem quase 25 anos de carreira, tendo conquistado mais de uma dezena de troféus. A estilista utiliza a mestiçagem de materias para exteriorizar a terra que a viu nascer (Angola), bem como a terra que a viu crescer (Portugal), numa perfeita harmonia contagiando o corpo de quem veste de forma sensual e intelectual. É ainda apresentadora de televisão na TV Zimbo (Angola), tendo lançado em 2014 uma academia de estilistas neste país, onde reside há cinco anos. Dina Simão foi também uma das bailarinas do famoso cantor africano Bonga.

 

Florindo Cardoso

 

Setúbal Mais – Como decorreu o seu desfile no Lisboa Design Show, na FIL, para o qual foi convidada?

Dina Simão– Muito bem. Tive a felicidade de ser convidada para o encerramento do África Fashion que decorreu de 7 a 11 de Outubro na Feira Internacional de Lisboa (FIL),  inserido no Lisboa Design Show e ainda organizei uma conferência sobre a moda africana com o tema “Influências da cultura africana na moda & cultura europeia”. A colecção que apresentei intitulou-se “Welwitschia Mirábilis”, uma homenagem à formosa planta que só existe no deserto de Namibe, em Angola, rara e que antigamente era considerada planta carnívora, mas claro que isso é um mito. É uma planta imponente e fantástica com folhas que chegam a atingir 1 metro e 80 centímetros. Escolhi esta planta por ser particular e peculiar de Angola. A minha colecção é glamorosa, com caudas e brilhantes e peças muito charmosas dentro do meu estilo de há muitos anos, que é uma mistura entre Europa e África. Apresentei uma mistura de materiais, uma combinação perfeita do pano africano com elementos mais ocidentais em termos de retrosaria.

S.M. – Como foi a reacção das pessoas?

D.S. – Foi fantástica e muito boa.

S.M. – Tem previsto mais desfiles de moda?

D.S. – Em Portugal não, vim particularmente para o Africa Fashion, o que para mim foi uma delícia porque afinal de contas fiz-me mulher aqui em Setúbal. Só não nasci cá. Vivi, estudei e formei-me aqui e há cinco anos regressei a Angola. Quando estou em Angola é que Lisboa me convida para este desfile de encerramento. Eu já desenvolvia a minha moda quando aqui estava e já levo quase 25 anos de carreira como designer de moda mas infelizmente na altura não era tão divulgada por vários motivos. Felizmente, Portugal está diferente em termos de mentalidades e aceita mais as coisas relacionadas com África. Aliás, agora são muito mais aceites os designers africanos.

S.M. – Tem atelier em Portugal?

D.S. – Sim, em São João do Estoril há mais de 15 anos, onde comecei a desenvolver o meu trabalho e a vestir alguns apresentadores de televisão de topo porque estava muitas vezes ligada como bailarina ao mundo artístico.

S.M. – E em Angola?

D.S. – Em Luanda, tenho um atelier e uma escola de estilistas (Arte e Fashion). Avancei agora com a escola porque faz todo o sentido numa Angola que está em desenvolvimento e que ainda há muita carência em particular ao nível da necessidade de conhecimento e a juventude tem “fome” e “sede” de beber moda. A moda está neste momento em alta em Angola.

S.M. – Qual o seu grande sonho nesta área?

D.S. – O meu grande sonho está a ser realizado que era dar formação nesta área e no meu país. E isso já está a acontecer. Abri há um ano a escola Arte e Fashion e tem sido uma loucura e uma experiência muito interessante. Neste momento, tem 14 alunos. É um espaço pequeno mas bom porque é um investimento próprio,  criando oportunidades aos jovens a partir dos 14 anos na concretização do sonho de ser estilista e no empreendedorismo angolano na área da moda.

S.M. – E faz também televisão em Angola?

D.S. – Sim. Sou apresentadora de televisão e tenho um programa diário dedicado à mulher angolana intitulado “Sexto sentido” na TV Zimbo. É um programa que começa às 9 e termina às 11 horas, com entretenimento, educação e formação para a mulher angolana, com várias componentes como saúde, culinária e moda. Eu sou quase a “Fátima Lopes de Angola” (risos).

 

S.M. – Como vê o facto de ver o seu trabalho reconhecido tantos anos depois?

D.S. – Cresci durante esse tempo. É claro que a Dina que saiu daqui de Setúbal e de Portugal não é a mesma. Os conhecimentos que adquiri aqui, fizeram de mim a mulher e a profissional que sou hoje. Naquela altura, a moda africana não era muito divulgada e reconhecida porque Portugal ainda se encontrava naquela nuvem do racismo e não aceitavam a diferença. Com a crise, Portugal e mentalidade do país mudaram. Angola é neste momento um país que oferece oportunidades e uma porta para o mundo. A cooperação entre os dois países está espectacular. Regresso a Portugal em grande mas muito feliz porque foi aqui que comecei. Sou a prova de que a mentalidade mudou e as pessoas acabam por reconhecer o trabalho que fazia outrora.

S.M. – E as marchas de Setúbal conhece?

D.S. – Conheço muito bem, sobretudo a senhora Gina, costureira do Bairro Santos Nicolau. Aliás, já a convidei para ir comigo para Angola. É uma profissional fantástica e aprendi muita coisa com ela. Nunca fiz figurinos para as marchas.