Carlos Martins, secretário executivo da AISET: “Não há razão para que a península de Setúbal não seja considerada NUTS II para obter mais fundos de coesão”

A Associação da Indústria da Península de Setúbal (AISET) acusa o governo de recusar a criação de uma NUTS II (Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos do Eurostat) para a península de Setúbal (concelhos de Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela, Sesimbra, Setúbal e Seixal) que permitiria obter mais 2 mil milhões de euros de fundos da coesão no próximo quadro comunitário para 2021-2027, vulgo Portugal 2030, junto da União Europeia (UE).

Em entrevista, Carlos Martins, secretário executivo da AISET, defende a separação duas margens da Área Metropolitana de Lisboa (AML), Norte e Sul, meramente para fins estatísticos, à semelhança do que sucedeu noutras regiões da Europa, sendo esta estratégia já apresentada ao governo, grupos parlamentares, municípios e Presidente da República.

Florindo Cardoso

Setúbal Mais – Como é que Espanha conseguiu aumentar o valor dos fundos comunitários e Portugal não?

Carlos Martins

Quando em 2018 se tomou conhecimento de que os fundos comunitários que estão previstos para Portugal para 2021-2027, totalizam 21,2 mil milhões de euros, representando um corte de 7% (1.600 milhões de euros) face ao Portugal 2020, foi também percetível que alguns países iriam receber mais apoios, designadamente Espanha, Itália e Grécia, e tal decorre do facto de algumas regiões daqueles países serem reconhecidas por terem um nível de desenvolvimento económico inferior ao que tiveram no programa 2014-2020.

Foi feita uma avaliação em 2018, referente ao período em curso, e verificou-se que em resultado da recessão ocorrida anteriormente em regiões espanholas de Galiza, Castilla de la Mancha e Andaluzia, num total de 15 milhões de habitantes, tinham regredido em termos de rendimentos per capita face à média europeia e abaixo em 75% da média europeia, e quando isso acontece, são consideradas zonas em desenvolvimento, que obriga a um reforço de fundos comunitários para a convergência e recuperação do desenvolvimento económico para o quadro comunitário seguinte. Ora, isso permitiu à Espanha aumentar os fundos comunitários enquanto que em Portugal verificou-se uma redução.

S.M. – A península de Setúbal vai ser prejudicada com esta situação?

C.M.

Portugal não soube adaptar as suas sete regiões plano – Norte, Centro, Alentejo, Algarve, Área Metropolitana de Lisboa, Açores e Madeira, a tempo de conseguir aumentar os apoios que a União Europeia poderia afectar ao país.

Há regras expressas nos regulamentos da União Europeia que determinam as condições que certas regiões terão de reunir para serem classificadas de regiões plano, ou seja NUTS II.

É possível autonomizar uma determinada região, que neste caso seria a península de Setúbal, para que Portugal conseguisse mais um determinado valor e o limite mínimo para que uma região seja considerada NUT de nível dois.

O facto da península de Setúbal não ter 800 mil habitantes é uma situação que prendeu durante muito tempo os pensadores sobre estas temáticas, inclusive os líderes da região, mas esse limite demográfico não é rígido.

O regulamento comunitário 1059/2003 estabelece que em casos específicos e devidamente fundamentados, os territórios podem divergir dos limites máximos e mínimos para serem considerados como tal.

Curiosamente, a península de Setúbal já tem, desde 2013, mais população que o Alentejo e Algarve que são NUTS II. Este argumento de não ter 800 mil habitantes tem sido um obstáculo, mas é possível ultrapassar pelos próprios regulamentos da União Europeia.

Não há razão para que Portugal não tenha tomado as medidas em tempo para que a região da península de Setúbal fosse considerada NUTS II para obter mais fundos de coesão. Contas feitas, pelas populações abrangidas per capita, seriam mais de 2 mil milhões de euros só para a península de Setúbal.

S.M. – Seria essencial para o desenvolvimento da península de Setúbal?

C.M.

Exactamente. Seria uma verba atribuída especificamente para a península de Setúbal sem concorrer com o dinheiro que iria para outras regiões do país, estimulando a actividade económica desta região, criando um efeito de arrastamento de desenvolvimento da economia nacional porque muitas das compras de bens de investimento seriam feitas a outras regiões do país que já produzem bens.

Temos de ter a noção de que um quadro comunitário tem normalmente a duração de seis anos e se termos em conta que num ciclo de dois quadros comunitários de apoio engloba várias gerações, um criança que vai entrar agora no 5.º Ciclo de escolaridade obrigatória, aquilo que fizermos agora, quando esta deixar a universidade e procurar o mercado de trabalho vai ter mais possibilidades porque os políticos e dirigentes estão a pensar no seu futuro e agir de forma que haverá na sua região empresas que os receberão.

S.M. – Existe ainda o problema de empresas investirem noutras regiões onde obtêm mais fundos comunitários?

C.M.

Naturalmente se existe um nível de comparticipação que pode atingir entre 60 a 70% noutras regiões, e na Área Metropolitana de Lisboa, onde está incluída a península de Setúbal, existe um limite de 40%, é óbvio que, se não for por condições de mãos de obra ou outra característica determinante, os empresários vão investir em regiões com maior nível de apoios.

Aliás há um tipo de apoio muito relevante que é o da formação profissional. Ora, há casos de empresas que têm processos internos de formação de pessoal e são apoiadas em Setúbal em 50% enquanto noutras regiões do país são até 100%. É óbvio que os investidores vão para onde recebem os apoios máximos.

S.M. – Tem chamado também a atenção para o número de trabalhadores que circulam diariamente para a margem Norte?

C.M.

Esta região é ainda prejudicada pelo facto de haver cerca de 200 mil pessoas que vão diariamente para Lisboa para trabalhar. Quem pode gostar de andar durante duas horas ou mais em transportes públicos para chegar ao seu local de trabalho e até há bem pouco tempo pagavam muito dinheiro por isso.

Setúbal contribui para a riqueza de Lisboa com o trabalho de 200 mil pessoas, diariamente, prejudicando o desenvolvimento dos municípios da península de Setúbal. Teria de haver um efeito de compensação, já que Lisboa enriquece tanto à custa da península de Setúbal.

S.M. – Porque considera que o governo nunca avançou para esta estratégia?

C.M.

Existem alguns puristas que defendem de uma forma pouco racional o conceito da AML e que receiam que o surgimento de uma nova NUT II signifique que haja uma desagregação do território.

Isto é um absurdo porque importa perceber o que é a AML. Quando foi criada na década de 2000 foi apresentada à população e aos autarcas que o Tejo seria o centro da AML. Ora, esta não tem centro, é uma denominação de território que inclui 18 municípios, não é um governo regional, temos uma associação de municípios que não gere a AML, porque esta é gerida pelo governo, e temos também uma CCDRLVT (Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo) que cobre a AML e um total de 53 municípios.

Sacrifica-se o desenvolvimento de uma região, e de Portugal em receber mais apoios, 2 mil milhões, por causa da manutenção de um conceito. A AML pode existir com duas NUTS, estando na mesma integrada na CCDRLVT e na associação de municípios.

S.M. – Qual deve ser a posição do governo?

C.M.

Neste momento, esta é uma questão social, económica e política e como tal compete ao governo criar as condições nacionais, nomeadamente a NUTS II – península de Setúbal, porque é uma competência nacional, e depois negociar com Bruxelas instrumentos financeiros no sentido de corrigir esta situação, evidenciando a especificidade desta região a atendendo ao agravamento do seu desenvolvimento económico.

Aquilo que o estudo feito pela AISET concluiu é que entre 2000 e 2015, a península de Setúbal perdeu 13% face à média europeia. Há que demonstrar isto a Bruxelas. É tão evidente, dado que a economia da região está estagnada como tendência a piorar porque não aparecem novas unidades industriais e as que existem podem modernizar-se fora daqui para obter mais fundos comunitários.

S.M. – Tem sentido por parte dos dirigentes políticos que há mais abertura a esta questão?

C.M.

Após a elaboração do estudo, desenvolvemos um extenso trabalho de contactos. Começamos em 2017 com uma reunião com o então ministro das Infraestruturas, Pedro Marques, que é originário do Montijo, a quem pedimos a alteração das NUTS para a península de Setúbal, tendo-nos informado que Bruxelas não autorizaria, o que é falso. Isto porque o regime comunitário 1059/2003 estabelece que as regiões plano podem ser alteradas normalmente de três em três anos, e extraordinariamente sempre que for necessário. Como a última alteração ocorreu em 2013, poderia ter sido alterada em 2018, quando foi feita a avaliação das estatísticas do quadro comunitário em vigor. Alertámos em Março de 2017, pelo que Portugal já poderia ter beneficiado desta medida no próximo quadro comunitário de apoio. Reunimos também com os municípios, a Associação de Municípios da Região de Setúbal e os grupos parlamentares.

Quando o Presidente da República visitou a Caritas Diocesana de Setúbal, no âmbito do trabalho de apoio aos sem abrigo e de combate à pobreza da população, aquela entidade e que é membro da plataforma para o Desenvolvimento da Península de Setúbal em parceria com a Associação do Comércio, Indústria, Serviços e Turismo do distrito de Setúbal, o Movimento Pensar Setúbal e a Cáritas Diocesana, entregou o estudo, o qual, nesse mesmo dia, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que era necessário haver forma que permitisse uma discriminação positiva por parte do governo. Verifica-se que de uma forma geral, que as pessoas reconhecem esta situação, apesar de algumas colocarem objecções que não são explicáveis.