“Caim ou a divina cegueira” a partir de Saramago é uma obra prima do teatro Estúdio Fontenova

O Teatro Estúdio Fontenova (TEF) estreou a 82.ª produção “Caim ou a divina cegueira” a partir de José Saramago, que se manterá em cena até ao dia 20 de novembro, no Fórum Municipal Luísa Todi, sendo uma obra prima, com excelente interpretação e encenação.

O TEF arriscou num texto complexo do prémio nobel de literatura, onde se põe em causa a obra de Deus, em constante ironia, onde o paraíso é um SPA dos tempos modernos, o criador utiliza um tablet para mandar no universo e as cobras que tentam Eva com o pecado de maçã, aparecem munidas de telemóveis e artimanhas.

O último romance escrito por José Saramago (1922-2010), “Caim”, está na base da peça “Caim ou a divina cegueira” que segundo José Maria Dias, encenador da peça e responsável pela dramaturgia, com Armando Nascimento Rosa, “põe em causa a instituição Deus, mas não a divindade“, onde está vertida a ironia do texto de Saramago, mas não é “posta em causa nenhuma religião em particular”.

“Nem a fé das pessoas, mas sim a instituição Deus”, porque em nome dessa instituição “o homem, a humanidade, tem destruído tudo a belo prazer”, têm-se cometido “as maiores atrocidades”, frisou.

O desafio de encenar o último romance de José Saramago surgiu em novembro de 2021 quando a companhia estava a debater o plano de atividades para 2022 e pensou em pôr em cena uma obra de José Saramago, respondendo também ao desafio da Câmara Municipal de Setúbal por forma a integrarem as comemorações oficiais do centenário de nascimento do Prémio Nobel da Literatura 1998.

O facto de a obra nunca ter sido posta em cena foi um dos motivos para a escolha, referiu José Maria Dias, acrescentando que, “segundo sabem, é a primeira vez em todo o mundo que o romance é transposto para teatro”. “Há um monólogo feito no Brasil, mas o romance dramatizado, com várias personagens do romance é a primeira vez que se faz”, acrescentou.

A obra foi também escolhida por abordar “um tema muito fraturante e muito revolucionário“, disse o diretor artístico do Teatro Estúdio Fontenova.

Caim, Deus, Abel, Adão, Eva, Abel, Isaac, Abraão e Noé são algumas das personagens da obra transpostas para a peça construída a partir da obra em que José Saramago narra com sarcasmo uma versão crítica de um episódio do Antigo Testamento, abordando também as imperfeições do ser humano.

Num espaço cénico muito distante do que o espectador pode imaginar para os ambientes e acontecimentos que são narrados, a peça apresenta, de propósito, uma figura de Deus humanizada, “à semelhança do que Saramago fez na obra“, disse ainda José Maria Dias.

Num espaço onde impera a estética contemporânea e pós-moderna, a peça remete também para uma reflexão e discussão sobre política, fé e sobre a contemporaneidade da obra à semelhança dos vários debates que provocou na companhia antes de a pôr em palco.

“É, pelo menos, uma obra que nos faz pensar. Mas que nos faz pensar com humor e que nos faz interrogar-nos sobre como o humor pode também ser a coisa mais séria do mundo”, concluiu o encenador.

Depois do Fórum Luísa Todi, onde vai estar até dia 20 de novembro, com sessões de terça-feira a sábado, às 21h00, e, ao domingo, às 16h00, “Caim ou a divina cegueira” será representada, no dia 26 de novembro, no Teatro Lethes, em Faro, e, em janeiro de 2023, ainda sem data definida, subirá ao palco do Fórum da Maia.

“Caim ou a divina cegueira” tem cocriação e interpretação de Clara Passarinho, Fábio Vaz, Graziela Dias, João Mota, Patrícia Paixão, Sara Túbio Costa, Tiago Bôto e Wagner Borges. A cenografia é de José Manuel Castanheira, o desenho de luz de José Maria Dias e Rosa Dias, música de Jorge Salgueiro e os figurinos de Maria Luís. Iolanda Rodrigues, no apoio ao movimento dos atores em cena e de Emídio Buchinho na sonoplastia foram também importantes nos contributos para este maravihoso espetáculo.

É obrigatório ver para quem gosta de teatro e sobretudo da obra de José Saramago.