Bruno Frazão, ensaiador das marchas do Independente e de São Domingos de Benfica: “Faço o que a minha criatividade me permitir sem amarras”

Bruno Frazão, que este ano foi ensaiador da marcha do Independente, em Setúbal, e de São Domingos de Benfica, em Lisboa, faz “um balanço muito positivo” do trabalho desenvolvido. Ensaiador há duas décadas, Bruno Frazão, aposta sempre em novidades e considera que a sua criatividade já não tem amarras. Homem da cultura, nas suas várias vertentes, manifesta preocupação pela diminuição do número de coletividades participantes no concurso de Setúbal. Aponta soluções como maior apoio financeiro às coletividades, mais divulgação e sobretudo melhorar a organização do evento, com valorização do desfile na avenida Luísa Todi e encontrar outros espaços alternativos ao Pavilhão das Manteigadas como o parque da Feira de Sant’Iago com bancadas, o pavilhão do Vitória ou o Estádio do Bonfim.

Marcha do Independente

Florindo Cardoso


Setúbal Mais – Qual o balanço que faz da participação como ensaiador, da Marcha do Independente no concurso deste ano?
Bruno Frazão
– Um balanço muito positivo. As pessoas gostaram muito do que viram. Aposto sempre novidades, ou tento apresentar sempre ideias ‘fora da caixa’. Umas resultam melhor do que outras. Este ano, tive a ideia de colocar canto lírico numa marcha popular. Não saiu na perfeição, mas o público reagiu bem no pavilhão. Sinto o dever cumprido. O 3.º lugar não me diz nada. Ao fim de 20 anos a ensaiar marchas, se o meu objetivo ainda fosse o mesmo de quando comecei nestas andanças seria mau. Hoje faço o que a minha criatividade me permitir sem amarras. Sou livre para criar, goste-se mais ou menos.

Setúbal Mais – Como vê a situação da diminuição do número de marchas participantes no concurso de Setúbal?
Bruno Frazão
– É uma das minhas preocupações. Sem rodeios e com frontalidade deve-se a uma grande falta de investimento, e não necessariamente financeiro, mas também de quem as organiza. As pessoas até podem ter conhecimento, mas falta-lhes a vontade de dignificar este concurso. É que eu já passei por muitas organizações e consigo comparar o empenho que se tinha na organização das marchas e o que se tem atualmente. Sou acusado de atacar a Câmara de Setúbal, mas falta a quem me acusa de ter a honestidade de dizer publicamente as ideias que por mim são dadas e que são ‘chutadas’ para canto. É desonesto dizer que não se encontraram alternativas ao Pavilhão das Manteigadas, quando a própria autarquia já sabe a solução. Em 2009, não foi possível realizar os desfiles na praça de touros e resolveu-se alugando uma praça de touros amovível. Foi por mim proposto, e em anos anteriores, pelo Francisco Branquinho (ensaiador) a criação de um recinto com bancadas amovíveis na zona dos concertos da Feira de Sant’Iago, no pavilhão do Vitória de Setúbal e acrescento hoje no Estádio do Bonfim com a criação de condições para não se marchar em cima da relva. Só que é dito publicamente pela organização que foram estudadas alternativas e que não foram encontraram alternativas ao pavilhão. Pior ainda é passar a responsabilidade da ausência de bilhetes para assistir às marchas no pavilhão para as coletividades alegando que as mesmas é que quiserem que fosse num só dia. Falta explicar o motivo pelo qual pelo menos 4 coletividades quiserem num só dia: transportes de arcos e marchantes já alugados para dia 24, marchantes com trocas de turnos e férias para dia 24 e a impossibilidade de alguns músicos por terem outros compromissos. Ora, são questões mais que suficientes para que a menos de um mês de se sair à rua não nos seja indicado nem sugerido fazer-se em dois dias no pavilhão. Até porque não resultaria. Basta recordar que as marchas na praça de touros em dois dias tinham praticamente as bancadas cheias e certamente mais das 1.050 pessoas em cada dia que eram os lugares disponíveis este ano no pavilhão das Manteigadas, segundo a autarquia. Tudo isto junto mais o valor de 14.500 euros atribuído a cada coletividade faz com que estas desistam. Por exemplo, o Independente gastou este ano aproximadamente 22.500 euros com a marcha.

Setúbal Mais – Na sua opinião, o que é preciso para o certame regressar ao número anterior de pelo menos uma dezena?
Bruno Frazão
– É preciso mostrar às coletividades que não se vão endividar com uma marcha, aumentando pelo menos para 18 mil euros o apoio financeiro. Fiz esta proposta em reuniões, ao que me foi respondido em tom de gozo por um responsável que até podia pedir 25 mil euros. É preciso respeitar a opinião de cada coletividade. Respeitar é aceitar ideias. É não criar um ambiente de repressão sob as mesmas, o que infelizmente vai acontecendo. Isso deixa as coletividades com medo de entrar e enfrentar os responsáveis. É preciso criar condições nas exibições das marchas na avenida Luísa Todi. Foi frustrante para quem assistiu na avenida ver as marchas a correrem entre palanques sem a possibilidade de se exibir. Este ano, as marchas na avenida só foram visíveis para as pessoas que estavam nos palanques. Quem assistiu fora deles viu apenas marchas desorganizadas na sua formação e à corrida ou a toque de caixa para chegar ao palanque seguinte. O pavilhão estava com um calor extremo para quem assiste e para quem se exibe. Termos um regulamento que se cumpre “assim assim e como der mais jeito”. Penso que isto tudo somado faz com que as coletividades não se inscrevam para participar. Deixo uma pergunta para a autarquia refletir: Francisco Branquinho, José Condeça, Fábio Carmelo, Tiago Pacheco e eu todos a fazer marchas em Lisboa. Será que a autarquia já pensou porque é que alguns só abraçaram projetos em Lisboa? Seríamos suficientes para voltar a ter 10 marchas em Setúbal. Já não falando de outros nomes ausentes há algum tempo das nossas marchas que certamente continuariam a ser uma mais valia para o evento.

Setúbal Mais – Considera que está em risco esta tradição em Setúbal?
Bruno Frazão
– Temo seriamente pelo fim deste certame ou pela diminuição do número de coletividades se nada se alterar. A autarquia diz que não, mas o meu maior medo é acabar porque as coletividades podem desistir. E alguém um dia, alguém ainda vir dizer do alto da sua sapiência: “As marchas acabaram por causa das coletividades”. Espero bem que isto não aconteça.




Bruno Frazão:
“Trabalhar em Lisboa e em Setúbal são realidades completamente diferentes”

Bruno Frazão é uma das figuras mais carismáticas das marchas de Setúbal


Bruno Frazão estrou-se este ano como ensaiador da marcha de São Domingos de Benfica. O ensaiador aborda a diferença entre as duas organizações, no maior apoio financeiros das autarquias e na aposta forte das marchas como cartaz turístico das festas de Lisboa. Em relação aos projetos futuros passam pelo teatro, com um espetáculo de Natal para a família e a vontade de estrear uma nova comédia.


Setúbal Mais – Em relação a Lisboa, qual o balanço que faz da participação de S. Domingos de Benfica?
Bruno Frazão
– Em Lisboa a marcha correu bem. As pessoas gostaram muito e os júris também pois os relatórios são muito bons. Só que levámos 20 pontos de penalização o que nos classificou em 18.º lugar. Caso contrário teríamos ficado a meio da tabela. O mesmo aconteceu a Alfama não fosse a penalização e tinha ganho o 1.º lugar. Aguardamos a justificação das penalizações pois não as compreendemos. Contestámos junto da EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural) e neste momento estamos esperançados que ainda consigamos participar em 2024 com a Marcha de São Domingos de Benfica.


Setúbal Mais – Tendo em conta que conhece as duas realidades, de Lisboa e Setúbal, como é trabalhar nestes dois cenários, desde apoios à divulgação?
Bruno Frazão
– Trabalhar em Lisboa e em Setúbal são realidades completamente diferentes. Trabalhar em Setúbal é um amor diferente pois é a minha cidade e sinto-me mais preparado para falar da cidade de Setúbal e desenvolver melhor os temas. Em Lisboa, tenho de estudar muito os temas. O regulamento de Lisboa é muito exigente em relação ao de Setúbal, mas é mais permissivo na criatividade que o de Setúbal. Trabalhar com 30 mil euros dados pela Câmara de Lisboa e 7.500 euros pela junta de São Domingos de Benfica é diferente de trabalhar com 14.500 euros dados pela Câmara de Setúbal. Essa diferença permite comprar materiais de maior qualidade, fazer surpresas no decorrer da marcha o que se tem perdido em Setúbal. A forma como somos recebidos pela organização em Lisboa quer no pavilhão quer na avenida nada tem a ver com Setúbal. No pavilhão em Lisboa cada marchante para entrar no recinto tem um bilhete próprio, cada marcha tem um camarim, um espaço específico para colocação dos arcos e por ordem de entrada, cada marchante tem um seguro de acidentes pessoais e cada marcha tem o apoio financeiro da autarquia para o transporte de arcos e marchantes. Na avenida da Liberdade existem 4 palanques, a exibição entre eles também é deficitária, mas não é tão “atabalhoada” como em Setúbal. Em Setúbal, os camiões e autocarros são pagos pelas coletividades na sua maioria, dos 14.500 euros dados pela câmara, 500 são para os transportes. Por exemplo, o Independente este ano gastou 800 euros em transporte de marchantes e 750 euros em transporte de arcos e surpresa. Não há em Setúbal organização do sítio onde fica cada marcha, cada camião estaciona no recinto por ordem de chegada, independentemente se e a primeira ou a última marcha a exibir. Os marchantes em Setúbal têm uma tenda para assistir as marchas pois não há espaço para os mesmos assistirem nas bancadas. São claramente organizações muito diferentes e com um rigor muito diferente. No que respeita à divulgação em Lisboa temos as marchas integradas nas festas da cidade com um cartaz fantástico e apresentado com 15 dias antes dos eventos começarem e há grande divulgação pela cidade. Em Setúbal tivemos a conferência a 3 dias de sairmos à rua e apenas vi publicidade no site da autarquia. Setúbal já teve muita publicidade as marchas em mupies, outdoors, cartazes nas coletividades, spots nas rádios e cartazes divulgados nos jornais. Em Lisboa, a EGEAC fomenta a que a imprensa, a rádio a TV entreviste ensaiadores, responsáveis, marchantes. Em Setúbal, isso foi-se perdendo.

Setúbal Mais – Pode revelar quais os próximos projetos?
Bruno Frazão
– Sempre que acabam as marchas os projetos que se seguem são ligados ao teatro. Em setembro voltamos a ensaios, para que em dezembro 2023 se faça um espetáculo de Natal para a família. Até fevereiro de 2024 espero que haja a estreia de uma comédia que já está na calha desde o ano passado, “Querida mudei a barraca”, mas que por questões financeiras não foi possível avançar. Esperamos que seja este ano. No Carnaval e antes de arrancarmos as marchas, possivelmente só em Lisboa, estreamos as tradicionais cegadas.


Setúbal Mais – Qual a mensagem que quer deixar?
Bruno Frazão
– Pode parecer que estou sempre do contra, mas não. Estou sempre a defender que se dê mais condições às marchas de Setúbal. Dar mais condições às marchas, significa querer o melhor para elas. Não é política nem aproveitamento político. Quem me conhece, muito antes das lides políticas, sabe que sempre defendi as marchas e sempre contestei quando acho que as coisas não estão bem. Calo-me quando me provarem o contrário, lamento ainda não aconteceu.