Bruno Brazão, diretor da Companhia de Teatro de Setúbal: “O espetáculo foca o envelhecimento, o preconceito da homossexualidade e a arte do travesti”

A Companhia de Teatro de Setúbal vai estrear o espetáculo “Belle Dominique” que conta a história de vida de Domingos Machado, um dos mais famosos travestis portugueses. Bruno Frazão, diretor da Companhia de Teatro de Setúbal, revela os pormenores sobre esta nova produção que será apresentada em Moura, Alentejo, na terra Natal de Domingos Machado. Este projeto é apoiado pelo Programa Garantir Cultura e estreia no dia 21 de maio, 21h30 no Espaço Sherazade. A produção foca as fases da vida do artista e o envelhecimento como forma de esquecimento, o preconceito associado à homossexualidade e a arte do travesti.


Florindo Cardoso


Setúbal Mais – como surgiu a ideia de realizar este espetáculo?
Bruno Frazão
– A ideia de realizar este espetáculo aconteceu antes da pandemia, numa conversa informal com o Domingos Machado que me foi apresentando por Ester Correia, que começou a trabalhar comigo no espetáculo “Fado Low Cost” e na Marcha da Mouraria, em Lisboa. Uma conversa agradável em Almada onde tomei conhecimento da vida de Domingos Machado e das histórias hilariantes da Belle Dominique. Este encontro ocorreu porque o Domingos Machado queria fazer um espetáculo de comédia e a Ester Correia indicou-me para escrever e encenar esse espetáculo. Após uma conversa tão interessante sobre a vida de Domingos Machado surgiu a ideia de realizar um um espetáculo sobre a vida da Belle Dominique e do próprio Domingos Machado. Aliás foi nessa conversa que surgiu o título deste espetáculo “Vidas e Armadilhas!”. A conversa ficou por aqui, mas as ideias começaram logo a fervilhar, embora tivesse a noção que para fazer este espetáculo era preciso um orçamento mais elevado do que o habitual e a Companhia de Teatro de Setúbal não dispunha de uma forma financeira para investir.
Entrámos em situação de pandemia do covid-19 e foram abertas as candidaturas para os apoios do Estado à cultura e apareceu assim uma janela de oportunidade para a realização deste espetáculo. Falei por alto com o elenco que integraria este espetáculo, com a Ester Correia e o Domingos Machado e apresentei a candidatura ao “Programa Garantir Cultura”. Não estava mesmo nada à espera que o projeto fosse aprovado, mas em meados de agosto/setembro de 2021 recebemos a maravilhosa notícia que a nossa candidatura tinha sido viabilizada. Gerou-se o caos na minha cabeça pois estava em plena campanha eleitoral como candidato à presidência da Junta de Freguesia de São Sebastião, a maior do concelho de Setúbal, e sabia que se fosse eleito não poderia acompanhar o espetáculo. Só que não deixaria cair esta candidatura porque felizmente a nossa academia está atualmente munida de pessoas competentes para dar continuidade ao projeto.


Setúbal Mais – Como foi a reação de Domingos Machado?
Bruno Frazão
– Como passaram quase dois anos desde a conversa inicial e como só comuniquei a todos (elenco) que a nossa candidatura tinha sido aprovada após as eleições autárquicas, Domingos Machado já nem estava à espera deste desfecho positivo. Claro que ficou bastante satisfeito e orgulhoso por haver interesse em relembrar a sua vida e perpetuar a Belle Dominique. Tal como nós da direção da Companhia de Teatro de Setúbal ficámos muito felizes.

Setúbal Mais – Sendo uma das maiores figuras do travesti, o que pode adiantar a forma como será o espetáculo?
Bruno Frazão – O espetáculo não foca apenas a figura de Belle Dominique, faz referência a três fases da vida do Domingos Machado. A criança que viveu em Moura até aos 16 anos, o jovem que partiu de Lisboa para Luanda para prestar o serviço militar e onde nasceu a personagem Belle Dominique, a sua estreia no mundo do travesti e a ascensão a estrela nacional, com a sua participação nos programas “Minas e Armadilhas” e “Big Show SIC”. Numa comparação transversal a outras profissões falamos no envelhecimento como forma de esquecimento, do preconceito associado à homossexualidade e a arte do travesti. Domingos Machado recusa em falar em transformismo, sempre travesti.


Setúbal Mais – A estreia será na terra do artista. Ele vai estar presente e será feita uma homenagem?
Bruno Frazão
– Na opinião da direção da companhia, só podia haver duas terras para estrear Moura ou Setúbal. Vai estrear em Moura a terra do artista no dia 21 de maio às 21h30 no Espaço Sherazade. Domingos Machado irá estar presente, não integra o elenco precisamente porque aguarda uma pequena intervenção cirúrgica, mas é o objetivo que Domingos Machado integre o elenco. Será feita uma homenagem ao artista no final do espetáculo.


Setúbal Mais – O espetáculo será apresentado em Setúbal?
Bruno Frazão
– Infelizmente, ainda não sabemos se o espetáculo será apresentado em Setúbal. O espaço ideal seria o Fórum Municipal Luísa Todi, mas a resposta do pedido para a realização do espetáculo nesse local veio com a indicação de não haver agenda para 2022, que se iria equacionar para 2023, e que nos dariam posteriormente uma resposta. Faremos, no entanto, tudo o que esteja ao nosso alcance, para apresentar o espetáculo em Setúbal.


Setúbal Mais- que apoios a companhia teve para realizar este espetáculo?
Bruno Frazão
– O apoio de aproximadamente 25 mil euros do Parceiro Institucional – República Portuguesa – Ministério da Cultura através do Programa Garantir Cultura. Conta ainda com o apoio para os ensaios do Grupo Desportivo Independente e da Câmara Municipal de Moura (financeiro e logístico). Depois os apoios essenciais da Comunicação Social que se quiseram juntar ao projeto: Setúbal Mais, Semmais Jornal, Som da Baixa, Jornal Rostos, Sesimbra FM e ainda da Fundação Inatel e Secil que são duas entidades que nos apoiam anualmente ao nível financeiro.



Independente e Academia de Recreio Artístico
Bruno Frazão nas marchas de Setúbal e Lisboa


Bruno Frazão, uma das figuras carismáticas ligadas às Marchas Populares de Setúbal, com vários prémios conquistados ao longo dos anos pelo Grupo Desportivo Independente, na qualidade de ensaiador, estreia-se este ano nas Marchas de Lisboa através da Academia de Recreio Artístico como coreógrafo. “Tem de haver um olhar sério sobre as Marchas Populares de Setúbal”, adverte Bruno Frazão, criticando a demora na decisão do município sadino sobre a realização do certame.


“Contrariamente a Setúbal, em Lisboa as marchas já mexem desde janeiro, já estamos na fase dos ensaios que estão a decorrer muito bem, os marchantes são muito empenhados e alguns deles são também marchantes também do Grupo Desportivo Independente. Os padrinhos da Marcha da Baixa, desenvolvida pela Academia de Recreio Artístico são o Zé Lopes e a Catarina Miranda”, revela Bruno Frazão.


“As letras originais são do Flávio Gil e as músicas de João Paulo Soares. Trata-se de um projeto do Hugo Barros que me convidou para coreografar a marcha da Baixa, portanto neste projeto assino apenas a coreografia”, adianta.


Bruno Frazão afirma que “em Setúbal já estamos a ensaiar”, mas “não podendo deixar de estar desagradado com os timings da Câmara Municipal de Setúbal”. “Não é quase no final de março que se anuncia que vão haver marchas e principalmente ainda não estar a essa data de março definido o local de exibição das mesmas”, afirma.

“Só há dias é que soubemos que as Marchas Populares de Setúbal vão realizar-se no Pavilhão das Manteigadas por más condições da Praça de Touros e só recentemente é que tivemos conhecimento do espaço e condições do mesmo, ou seja temos dois meses para ensaiar aquilo que normalmente fazemos em quatro meses e no que toca aos arcos e adereços temos igualmente dois meses para trabalhar”. “Isto para as coletividades que podem avançar com dinheiro para materiais, caso contrário só deverá haver dinheiro no final de abril e só nessa altura se pode avançar com o trabalho”, lamenta.


“As coletividades são resilientes e adaptam-se, mas não podem deixar de dizer que assim não pode continuar, tem de haver um olhar sério sobre as Marchas Populares de Setúbal, algo que sempre tivemos até ao último certame”, sublinha Bruno Frazão.

A madrinha do Independente é Sara Margarida, Bruno Frazão, coordena o projeto, Antónia Nascimento é a costureira responsável, e António Araújo o autor da música. “Será um projeto inovador e que marcará como sempre pela diferença”, conclui.