António Chaínho, escritor: “Faço questão que as minhas raízes se entrelacem com as minhas histórias literárias”

António Chaínho acaba de lançar “A Baronesa Rebelde”, um livro que aborda a escravatura no Vale do Sado e vem do seguimento de “A Escrava Domingas”. Autor de 15 obras, o escritor faz questão de apresentar os seus livros em Grândola, concelho de onde é natural e desenvolveu um importante percurso no ensino e na política local. António Chaínho quer deixar a mensagem aos leitores mais jovens de que “o seu chão já foi pisado por pessoas como nós, mas escravos. E foi há tão pouco tempo!”.


Florindo Cardoso


Setúbal Mais – Como surgiu a ideia de escrever “A Baronesa Rebelde” que aborda a temática da escravatura no Vale do Sado?
António Chaínho
– Resultou de um desafio que me foi colocado, no sentido de fechar o ciclo da escravatura no Vale do Sado: Sou natural de uma freguesia onde a escravatura foi muito dura, S. Mamede do Sádão e Azinheira dos Barros. Daí os testemunhos serem mais cruéis e as evidências desse penoso processo estarem mais claras e vivas.

Setúbal Mais – Qual a mensagem que quer transmitir ao leitor?
António Chaínho
– Quero, sobretudo, trazer ao de cima, processos do nosso passado, cuja folha não está muito limpa e sobre os quais tentamos manter uma ideia de suavidade, de coisas que apenas trouxeram heroísmo. Não é bem assim, porque tratámos os africanos que para aqui vieram, sob a forma de escravos muito mal, diria de foram desumana. Mão de obra barata, terrenos por desbravar e pessoas resistentes às febres do mosquito fizeram com que as desigualdades humanas no vale do Sado fossem abismais. Já era a economia a funcionar! É necessário que os jovens desta zona saibam que o seu chão já foi pisado por pessoas como nós, mas escravos. E foi há tão pouco tempo!

Setúbal Mais – Este livro vem no seguimento de “A Escrava Domingas”, em que aborda também a temática da escravatura no Vale do Sado. Já pensou em continuar esta temática em próximos livros?
António Chaínho –
É um assunto fascinante, mas tenho sérias dúvidas em continuar. Do ponto de vista literário pode ter menos densidade e dramatismo. A narrativa que foco diz respeito a um número reduzido de escravos que, uma vez obtida a alforria, conseguiram conquistar a dignidade e afirmar-se perante a comunidade local, quer através do casamento ou testamentos dos antigos donos ou até através de arrendamento de terras ou aforamentos. Ora a saga da Baronesa Rebelde podia encaixar-se numa dessas histórias de vida de sucesso. Não sei se a escravatura, passado esse período, finais do século XIX tenha interesse literário apesar de ela ter continuado, ilegalmente…

Setúbal Mais- Esta temática e África são uma constante na sua obra literária. Porquê?
António Chaínho
– Porque, no melhor sentido, nunca mais nos libertaremos de África. Fomos envolvidos para sempre. Primeiro a escravatura, depois a guerra e agora, a relação fraterna entre povos irmãos. Um outro tema de África que está por assumir, de forma clara e sem preconceitos é a guerra colonial. É tempo de deixarmos de fazer metáforas sobre esse tema. Foi um processo muito duro, quer para os povos africanos, quer para os portugueses, havendo dramas que nunca foram falados ou escritos a não ser em pequenos títulos ou abordagens leves.

Setúbal Mais – Faz sempre questão de apresentar os seus livros em Grândola. É importante manter a sua ligação à comunidade local.

António Chaínho
– Grândola tem lugares esplêndidos para se apresentarem livros. Antigamente, no edifico velho da biblioteca, havia um espaço onde apetecia falar de livros e apresentá-los. Depois, com a pandemia, no Cine-Teatro, lugar onde se ergueu, no século XVII o primeiro hospital, por ser um lugar acolhedor, intimista, onde os livros sentem o valor da sua importância. Presentemente, com o Pátio Central ao ar livre, ao lado da Biblioteca, é o espaço ideal para se apresentar um livro. Vive-se literatura ali. Sim, todos os meus livros têm uma maior ou menor focagem em Grândola. Faço questão que as minhas raízes se entrelacem com as minhas histórias literárias. São sinergias que me alimentam na escrita.


A obra e o autor:
História de Grândola é inspiração



O livro “A Baronesa Rebelde” surge na sequência anterior “A escrava Domingas”, ambos focados no processo de escravatura verificado no Vale do Sado, na segunda metade do século XVIII e início do seculo XIX.
A principal protagonista, Maria Rosa, filha da escrava Domingas e do 2.º Morgado de S. Mamede, por via das alterações sociais observadas nessa época e de particularidades da sua origem familiar, parte de uma condição de forra para se transformar numa personagem modificadora do pensamento conservador na vila de Grândola. Mulher de pensamento aberto, carácter indomável e de uma bondade sem limites, assume-se como a defensora dos direitos dos escravos, da afirmação dos direitos da mulher e da instrução pública, enquanto instrumentos indispensáveis para o progresso da pessoa humana.
Na narrativa procura-se descrever o quotidiano da época, quiçá, de uma vila oitocentista como era Grândola, ou de uma aldeia repleta de pergaminhos, como era, então, Azinheira de Barros.
António Gamito Chaínho, professor, desempenhou os cargos de presidente da Escola Secundária António Inácio da Cruz e de diretor da Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Grândola. Na área política, foi vereador, presidente da Assembleia Municipal de Grândola, membro da Mesa do Congresso da Associação dos Municípios Portugueses e mandatário concelhio de Mário Soares e Sampaio da Nóvoa. Foi agraciado com a Medalha de Ouro do concelho de Grândola e é autor de 15 obras.