Sessão de esclarecimento sobre dragagens no rio Sado polémica – Piloto da barra alerta para risco de acidentes com navios de grandes dimensões

José Guia, um piloto da barra de Setúbal alertou para o risco de acidentes e encalhe de grandes navios no estuário do Sado se não houver uma alteração ao traçado do projecto para melhorar as acessibilidades aos cais do porto sadino.

“Os pilotos da barra nunca foram consultados [pela APSS, Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra] “, lamentou José Guia, piloto da barra há 27 anos, na sessão de esclarecimento sobre a melhoria das acessibilidades marítimas ao porto de Setúbal que decorreu a 6 de Novembro, nas instalações da APSS, numa sala com mais de 100 pessoas, com momentos de grande polémica e exaltação dos participantes, que se mostraram contra esta obra de 25 milhões de euros.

“Alertei [a administração portuária] em 26 de Novembro de 2017 para o risco de acidentes com navios de grandes dimensões, de cerca de 300 metros de comprimento”, disse José Guia, reiterando que os pilotos da barra deviam ter sido ouvidos neste processo, porque são eles que têm a responsabilidade de evitar eventuais acidentes.

“A largura do canal, a má localização de algumas boias, a falta de dragagem nas Fontaínhas, a falta de rotação do navio em condições mais seguras e o espaço limitado da chamada bacia de manobra são algumas das condicionantes responsáveis pelos acontecimentos ocorridos durante as operações de simulação”, afirmou José Guia, acrescentando que “não sou contra as manobras, mas os políticos e as administrações vão embora e ficam os pilotos”, que terão de responder perante lei em caso de acidente.

O piloto disse ainda que” foi feita a simulação na escola náutica e uma grande parte dos navios encalham”, precisamente porque no estuário do Sado, as condições dos molhes em relação à atracação dos navios não são favoráveis”, adiantando que “com ventos norte dificilmente atracam aos cais com os meios que dispomos, os rebocadores de pás fixas, também eles com terão dificuldades em manobrar”.

Em resposta, Ernesto Carneiro, um dos responsáveis pelo projecto, assegurou que “os pilotos foram ouvidos”, o que levou José Guia a acusá-lo de “mentiroso”, reforçando que “o senhor é mentiroso, eu não fui ouvido nem os meus colegas, não fomos consultados”.

Por sua vez, o comandante Pedreiro, em defesa do projecto, disse que “não assim tão pessimista, não acredito em facilidades, vamos conseguir”, referindo que estão a decorrer simulações de manobras na escola náutica para todos os pilotos, no sentido de resolver os problemas.

“A linha de canal é a mesma que estava estabelecida anteriormente para os navios correntes, vai ter a melhoria de sinalização marítima, com número de boias suficientes em pontos estratégicos que não perturbem a manobra”, sublinhou o comandante, frisando que quanto à movimentação de navios que podem causar acidentes, “preparamos uma gestão de trabalho adequada às manobras e às condições de vento e força de maré”, para evitar sinistralidades.


Ambientalistas, pescadores, agentes económicos e sociais presentes – Todos contra projecto de dragagens

A maioria das mais de 100 pessoas que participou nesta sessão de esclarecimento, com duração de cinco horas, manifestou-se contra o projecto de dragagens no estuário do Sado.

A Bivalmar, uma associação de pesca de bivalves, criticou que o Estudo de Impacte Ambiental sobre as dragagens não tivesse uma única linha sobre eventuais consequências para as cerca de 300 embarcações de pesca e mais de 600 pessoas que dependem dos bancos de bivalves, que poderão ser fortemente afectados pela deposição dos dragados.

Segundo Carlos Pratas, da Bivalmar, o local previsto inicialmente para a deposição dos dragados vai transformar os bancos de bivalves num cemitério, como reconhece o próprio IPMA – Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

“O que nos preocupa é que ainda não vislumbramos nenhuma solução, não obstante reconhecermos que a presidente da APSS, Lídia Sequeira, está a fazer um esforço para tentar um consenso e evitar a deposição de dragados na zona da restinga, que consideramos um crime ambiental”, disse Carlos Pratas.

Manuela Ajuda Nunes, uma cidadã de Azeitão, questionou a APSS porquê “um porto novo em Setúbal para passageiros tão próximo de Lisboa e para mercadorias tão próximo de Sines, e que vai acontecer aos contentores que chegam nos navios muito bonitos e grandes e ecológicos que serão distribuídos pelo país e Europa, atravessando a cidade em longos camiões”. “Setúbal apostou muito bem no turismo e vai pôr-se isso em risco para criar uma coisa megalómana que já há porque há um porto de carga em Sines e um esplêndido e maravilhoso em Lisboa e estamos a meio caminho destes”, disse a cidadã.

A Raíz, que reúne Clube da Arrábida, Sado de Luto, Associação Zero, Ocean Alive, empresas marítimas e turísticas, restauração e hotelaria, criticou o projecto, não reconheceu legitimidade a esta sessão de esclarecimento porque deveria ter sido realizada na fase de consulta pública do projecto, exigindo sessões obrigatórias com a população.

A sessão de esclarecimento ficou ainda marcada por várias intervenções críticas da estratégia da APSS de melhoria das acessibilidades marítimas ao porto de Setúbal e pelo receio dos impactes ambientais das dragagens. A presidente da APSS garantiu que a administração portuária cumpriu todos os requisitos legais para salvaguarda das questões ambientais, mas alertou também para a necessidade de modernização do porto de Setúbal.

“Há aqui pessoas que consideram que Setúbal não precisa de um porto. Eu considero que é necessário modernizar o porto de Setúbal. Hoje, quem não se moderniza, desaparece”, salientou Lídia Sequeira, defendendo que a modernização dos portos é fundamental para a captação de novas indústrias e para o desenvolvimento das regiões onde se inserem.

As dragagens para alargamento e aprofundamento do canal de navegação do porto de Setúbal prevêem a retirada de mais de 3 milhões de metros cúbicos de areia do estuário do Sado, numa primeira fase, estando prevista a deposição das areias junto ao cais ro-ro e em frente a Soltróia.

De referir que as providências cautelares do Clube da Arrábida e do SOS Sado para impedir o início das obras foram indeferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada mas continuam a decorrer as acções principais contra o projecto.