Presidente da APSS, Carlos Correia, revela: “A minha expetativa é lançar o concurso para construção da marina de Setúbal em 2024”

O presidente da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS), Carlos Correia, em entrevista ao jornal Setúbal Mais revela os principais investimentos previstos para os próximos anos que vão transformar radicalmente a zona ribeirinha da cidade sadina com destaque para a construção da marina, a “vila náutica” na Mitrena, a instalação de empresas ligadas às energias renováveis, a descarbonização do porto de Setúbal. Investimentos de milhões que vão criar milhares de postos de trabalho e dinamizar a economia regional da península de Setúbal.

Florindo Cardoso

Setúbal Mais – Qual o ponto da situação do projeto de construção da marina de Setúbal?
Carlos Correia
– O estudo técnico está praticamente concluído. Neste momento, estão a ser feitas sessões de esclarecimento e de auscultação aos principais agentes interessados no projeto, com o objetivo de recolher os contributos de forma a integrar e informar as questões em termos de estudo de impacte ambiental. Do ponto de vista da APSS, interessa-nos que o lançamento do concurso para a concessão da marina a privados seja feito já com a emissão da declaração de impacte ambiental concluído. Isto porque passar os riscos, neste caso ambientais, para o privado, tem sempre consequências em termos do preço relativamente às propostas apresentadas. São riscos que os privados têm dificuldades em gerir porque nunca se sabe o que pode surgir da declaração de impacte ambiental, designadamente alterações ao projeto pela via da incorporação de medidas mitigadoras, que podem onerar o projeto. É melhor ter sempre essas situações já resolvidas, de forma a que quando colocarmos o processo a concurso, os privados sabem exatamente com o que vão contar, permitindo ter propostas mais competitivas para a execução da marina. A minha expetativa é que durante este ano conseguíamos concluir em definitivo os estudos, iniciar a avaliação de impacte ambiental e lançar o procedimento do concurso em 2024, no pressuposto que a declaração seja favorável, condicionada à execução de alguns aspetos mitigadores.


Setúbal Mais – Tem havido interessados neste projeto?
Carlos Correia
– Tem havido manifestações de interesse, mas interessa distinguir duas componentes deste processo. Uma é marina em si mesma e outra é a envolvente, em terra, de reordenamento da zona ribeirinha, que está a ser articulada com a Câmara Municipal de Setúbal, para que corresponda às expetativas legítimas do município e da APSS, na melhoria desta frente ribeirinha.


Setúbal Mais – Qual a capacidade da marina de Setúbal?
Carlos Correia
– Terá uma capacidade para 600 lugares para embarcações. Temos cerca de 1.300 lugares em termos de oferta de estacionamento e existem perto de 700 pretensões para novos lugares. Claramente a oferta é insuficiente para a procura. Não é surpresa porque Setúbal tem condições naturais excelentes em termos da baia e zona envolvente. Daí o acréscimo em termos de procura para as atividades náuticas de recreio e marítimo-turísticas.

Setúbal Mais – Em relação ao projeto da “Vila Náutica” na Mitrena, como está o processo?
Carlos Correia
– Esse processo está mais atrasado do que gostaríamos porque vai exigir uma decisão jurídica e complexa da APSS para atingir o nosso objetivo de criar naquele espaço instalações que deem resposta à procura da náutica de recreio na península de Setúbal. Foram lançadas três concessões para este espaço, e só apareceu um interessado para todo o espaço. Inicialmente, tínhamos a expetativa de haver um promotor para cada um dos sítios, para não haver uma dependência de apenas um interessado. Só que havendo apenas um promotor e atribuímos-lhe as três concessões. Vem agora, o interessado manifestar junto da APSS a intenção de ter um projeto global para as três concessões, facto que não estava previsto em termos dos concursos lançados. Parece-nos que poderá ser complicado fazer uma espécie de fusão dessas três concessões e estamos a analisar em termos jurídicos. Aguardamos a análise jurídica e no limite, o que poderá acontecer, é anular este concurso e lançar outro.

Setúbal Mais – Em relação às concessões de dois terminais que estão a acabar, o que está previsto?
Carlos Correia
– As concessões dos terminais da Tersado e da Sadoport terminam em 2025 e colocam-se duas opções, a prorrogação do contrato de concessão ou lançamento de novos concursos. Os concessionários atuais formularam a intenção de continuar por um período de mais 10 anos. Do ponto de vista da APPS, e já manifestámos junto da nossa tutela, que seria desejável nesta fase, a prorrogação dos contratos de concessão, mas em contrapartida de um conjunto de investimentos nesses terminais relativamente aos equipamentos com exigência na sua modernização, com maior eficiência ambiental e operacional. Setúbal tem registado um crescimento na procura de novas escalas e de navios maiores e os equipamentos dos terminais têm de dar essa resposta. A prorrogação destes contratos de concessão é por via dos investimentos nos equipamentos e na melhoria desses terminais, nomeadamente na melhoria dos pavimentos que apresentam já alguma degradação. O investimento no terminal da Tersado é de 5,5 milhões de euros e na zona da Sadoport de 10 milhões de euros.


Setúbal Mais – Respeitante às acessibilidades, o que está previsto?
Carlos Correia
– Os portos são uma peça essencial das cadeias logísticas. Não basta ter um porto eficiente é preciso ter acessibilidades marítimas e terrestres para responder às necessidades dessa cadeia logística e ser competitivo. Caso contrário, os donos das cargas, os armadores vão procurar outros portos que oferecem soluções logísticas mais vantajosas, em termos de custo e dos tempos de movimentação das cargas. A nossa estratégia foi desenvolver as acessibilidades para responder à eficiência da cadeia logística. Nas acessibilidades marítimas, fizemos o aprofundamento do canal norte, que passámos 12,40 para os 13,5 metros e no canal da barra passámos dos 13,5 para os 15 metros, e isso já teve um reflexo muito importante no aumento da procura por parte dos armadores que têm a possibilidade de trazer navios maiores para o porto de Setúbal, ou seja, maior competitividade com diminuição dos custos unitários da movimentação da carga. Em termos de gestão, avançámos para a JUP (Janela Única Portuária) de segunda geração, e já temos também a Janela Única da Logística. O porto de Setúbal está ao nível dos restantes nacionais, e termos das ferramentas informáticas de gestão mais avançadas num patamar nível europeu e mundial, com uma operacionalidade muito eficiente. Nas acessibilidades terrestes, o porto de Setúbal tem uma situação muito favorável porque todo o tráfego, com origem e destino, não conflitua com o trânsito da cidade, como acontece nos portos de Lisboa e Leixões. Do ponto de vista das acessibilidades ferroviárias, o porto de Setúbal, é já o segundo com maior movimentação em ferrovia, com cerca de um terço das cargas, mas há aspetos a melhorar e que são importantes. Nas infraestruturas ferroviárias de proximidade e nas instalações do porto são necessárias melhorias. Celebrámos um protocolo com a Infraestrutura de Portugal (IP) para as melhorias das acessibilidades ferroviárias, cujo projeto técnico e documentos concursais estão concluídos, prontos a serem lançados.

Setúbal Mais – Qual o valor do investimento?
Carlos Correia
– O investimento é de 20 milhões de euros, cabendo ao porto de Setúbal 5 milhões de euros. Este projeto de melhoria ferroviária tem duas componentes, uma que é feita na rede da infraestrutura nacional, que é por conta da IP, e outra dentro das instalações do porto de Setúbal, que compete à APSS. O concurso que deverá ser lançado no segundo semestre deste ano, vai ser único porque o porto de Setúbal não tem o Know-How a nível da ferrovia que a IP tem e acaba por ser mais vantajoso, reduzindo as necessidades de estaleiro e a eventual conflitualidade entre empreiteiros e melhora-se a articulação do projeto que terá um prazo de execução de dois anos.

Setúbal Mais – Quais as vantagens deste projeto?
Carlos Correia
– O projeto, para além de resolver pequenos constrangimentos em extensões de linha dentro dos terminais, de modo a facilitar as manobras e o comprimento das composições que são lá formadas, permite eletrificar toda a instalação ferroviária. Será possível que as composições ferroviárias, na chegada e partida, sejam feitas em tração elétrica, não exigindo mudança para diesel, aumentando as questões da segurança, deixando também de ser necessário “invadir” a linha do Alentejo em algumas operações, diminuindo a poluição. Permite ainda, a nível de segurança, a eliminação da passagem de nível da Cachofarra, reduzindo a conflitualidade entre a rodovia e a ferrovia. Com este projeto, o porto de Setúbal vai dispor de uma infraestrutura, na zona das Praias do Sado, onde será criado um feixe de triagem, permitindo a formação de composições com 750 metros de comprimento. É standard que está a ser adotado para a restante rede ferroviária nacional em consonância com a Europa em termos de operacionalidade. Ao permitir a formação de composições com maior comprimento, estamos a contribuir para a redução dos custos de transporte em termos de movimentação ferroviária e aumentará a competitividade das cadeias logísticas que passam pelo porto de Setúbal. O porto de Setúbal, em termos de ferrovia, com a ligação que está a ser construída entre Évora, Elvas e espanhola, é o que está mais próximo da fronteira, e por isso temos a legítima expetativa de que possamos alargar o nosso hinterland à região da Andaluzia e Extremadura Espanhola e pode ir até à região de Madrid. É expetável captar alguns dos tráfegos de Espanha, que possam ser importados ou exportados pelo porto de Setúbal.

Presidente da APSS aposta nas energias renováveis
“Estamos a definir um roteiro para a descarbonização da atividade portuária”


O presidente da APSS aposta na descarbonização do porto de Setúbal, quer atrair empresas ligadas às energias renováveis que podem criar valor económico e milhares de postos de trabalho. Para Carlos Correia, o porto de Setúbal é o que tem melhores condições para construção de equipamentos eólicos offshore, havendo já investidores interessados.

Setúbal Mais – Recentemente foi celebrado um memorando de entendimento com Ocean Winds para avaliar construção de equipamentos eólicos offshore. Quais as vantagens do porto de Setúbal nesta área?
Carlos Correia
– O porto de Setúbal, dentro do que é o sistema portuário nacional, é aquele que reúne as melhores condições para dar resposta a este projeto estratégico para Portugal e Europa, nesta fase de transição energética. O porto de Setúbal tem todas as vantagens por três ordens de razões. A primeira, tem uma área de expansão significativa, com áreas logísticas, sem conflitualidade com a zona urbana. A segunda é que tem infraestruturas portuárias que podem dar suporte e resposta a esta fileira das energia eólica offshore. A terceira é que tem um conjunto de empresas que dão Know-How e suporte muito significativo para que esta indústria se localize já aqui. Temos os estaleiros navais da Lisnave, com um know-how muito grande na fabricação e na infraestrutura com aço. Temos a Etermar com um conhecimento significativo em obras marítimas, na área do betão. Temos a Secil Cimpor, com as matérias-primas como o cimento para as infraestruturas em betão. Os investidores, nomeadamente grandes multinacionais, têm procurado o porto de Setúbal para reuniões para avaliar a possibilidade de instalação que reconhecem que há aqui um grande potencial para dar suporte para esta indústria e esta fileira das eólicas offshores. Estamos a falar de muitas componentes como os cabos subaquáticos, as bases, torres e pás para as eólicas, toda uma fileira muito grande desta indústria para dar suporte aos leilões que o Estado português quer lançar para 10 gigawatts em termos de proporção de energia eólica offshore, praticamente mais do dobro que o país produz atualmente. Estes investidores procuram a produção mas também a exportação para a Europa, onde há uma grande procura para estes projetos, suportados pelo esforço que a União Europeia está a fazer em termos de transição energética e de reduzir a dependência do gás natural e do petróleo da Rússia. O porto de Setúbal tem um grande futuro nesta área é uma oportunidade que a APSS quer agarrar para o desenvolvimento do país. Todas estas infraestruturas vão necessitar de reparação e manutenção e o porto de Setúbal ficará com um futuro associado a esta indústria por muitos anos.


Setúbal Mais – O porto de Setúbal vai apostar na descarbonização?
Carlos Correia
– Na APSS, estamos a definir um roteiro para a descarbonização da atividade portuária. Exigimos equipamentos que recorram cada vez mais à energia elétrica e menos aos combustíveis fósseis. Estamos a desenvolver um projeto importante de levar energia elétrica aos terminais, de forma a que os navios quando estão atracados em cais, possam ligar-se à energia elétrica em vez de consumir combustíveis fósseis e poluir. Queremos que esta energia elétrica seja produzida a partir de fontes renováveis, para o consumo da própria administração portuária e dos concessionários e outras indústrias que se localizem aqui à volta. É quase uma nova área de negócio que o porto de Setúbal pode ter, produzir e vender energia elétrica. É dentro desta lógica, que estamos a avaliar, juntamente com empresas especializadas, todos os nossos espaços e a possibilidade de instalar sistemas que produzam energia a partir de fontes renováveis como a fotovoltaica, eólica ou outras.


Setúbal Mais – Dentro de poucos anos o porto de Setúbal será completamente diferente com os investimentos previstos, um motor de desenvolvimento económico regional?
Carlos Correia
– O porto de Setúbal já é hoje um elemento fundamental na dinamização da economia regional. Garante e dá suporte às grandes indústrias localizadas na península de Setúbal, através das importações das matérias primas e exportações. Lembro que 53% da movimentação no porto de Setúbal é para exportação. Já é um contribuinte muito significativo para a criação de riqueza e emprego na região. Pretendemos que este contributo cresça cada vez mais com a atração de novas indústrias como as energias renováveis que criam emprego qualificado, inovação, investigação e uma nova dinâmica na economia da região.