A ADREPES – Associação de Desenvolvimento Regional da Península de Setúbal celebra em 2022 vinte anos de existência. Com sede no concelho de Palmela, a ADREPES tem desenvolvido um importante trabalho na aplicação de fundos comunitários. Nestas duas décadas, a associação conseguiu canalizar 40 milhões de euros para cerca de 600 projetos que criaram 500 postos de trabalho diretos e contribuiu para o desenvolvimento da economia local.
Florindo Cardoso
Setúbal Mais – Qual o balanço que faz do trabalho de 20 anos da ADREPES – Associação de Desenvolvimento Regional da Península de Setúbal?
Natália Henriques – O balanço dos 20 anos de trabalho da ADREPES é extremamente positivo. Foram 40 milhões de euros canalizados para o território que permitiram financiar, cerca de 600 projetos, que criaram riqueza e emprego na região. Os postos de trabalho, diretos, criados ao abrigo dos financiamentos geridos pela ADREPES ascendem a 500, contudo haverá outros tantos que nunca conseguiremos contabilizar porque são indiretos.
A intervenção da ADREPES difere de todas as outras associações porque desenvolve uma abordagem de proximidade, junto das comunidades locais ancorada na metodologia LEADER – Ligações Entre Ações de Desenvolvimento da Economia Rural. É exatamente esta a questão, o financiamento de pequenos projetos que criam sinergias entre os vários atores locais e que caso a ADREPES não existisse nunca seriam financiados neste território por não teriam enquadramento dentro de outra tipologia de programas.
No atual quadro de programação financeira, Portugal 2020, a ADREPES tem vindo a aplicar no território um instrumento financeiro intitulado DLBC – Desenvolvimento Local de Base Comunitária. Neste contexto, a ADREPES é a única associação de desenvolvimento local no país a gerir o DLBC em três vertentes: rural, costeira e urbana numa lógica de complementaridade territorial entre as áreas rurais, urbanas e costeiras da Península de Setúbal.
A implementação dos DLBC decorre da aprovação da Estratégia de Desenvolvimento Local, desenhada com os parceiros, que possibilitou à ADREPES mobilizar quatro dos fundos estruturais (FEDER; FSE; FEADER e FEAMP) para o nosso território. Isto permitiu criar sinergias e desenvolver lógicas de complementaridade entre as diferentes iniciativas, sobretudo no apoio às empresas que têm acesso a um maior pacote orçamental, não só para a realização de investimentos tangíveis como também para a criação de emprego.
É propósito do DLBC financiar projetos que façam a diferença nos territórios, que contribuam para a melhoria da qualidade de vida das populações locais e que permitam dinamizar a economia local através do apoio direto ao empreendedorismo e criação de postos de trabalho, promoção da inclusão social através de projetos de inovação social e do combate à pobreza e exclusão social. Para o sucesso da intervenção é ainda de destacar o papel fulcral da animação territorial indissociável de um trabalho de proximidade e em rede que é realizado pela ADREPES.
Setúbal Mais – Em termos gerais que projetos realça?
Natália Henriques – Os projetos são todos importantes desde os mais pequenos aos maiores, mas destaca-se o financiamento ao setor vitivinícola, desde o apoio à implementação das vinhas, ao investimento nas adegas, às salas de provas, ao enoturismo. Poderíamos falar da Quinta de Alcube, da Venâncio da Costa Lima, do Filipe Palhoça, da Fernão Pó Adega, da Adega Cooperativa de Palmela, da Casa Ermelinda Freitas (núcleo museológico), da Sivipa, da Quinta do Piloto, da Associação da Rota dos Vinhos da Península de Setúbal, entre outros.
No âmbito do mar, da pesca e do turismo náutico poderemos falar do apoio à ARTESANALPESCA, SESIBAL, Mecomar, Docamarinha, Fixe em Casa, Cabaz do Peixe, Cais do Pescador no Montijo, bem como da Vertente Natural, da Anthia Diving Center, ca Cipreia ou da Albergaria da Tomásia na Aldeia do Meco.
Na vertente mais social destacaria o apoio ao Centro Comunitário da Junta de Freguesia da Gâmbia, à Cáritas de Setúbal num projeto de inclusão social com os sem abrigo ou o financiamento de iniciativas do Centro Social da Quinta do Anjo.
Poder-lhe-ia falar, também, da Queijaria do Sabino ou do Pão da Anabela na Azóia, da Nobre Terra em Cajados, da Confeitaria São Julião em Palmela, a Queijaria Simões na Quinta do Anjo, do “nosso” PROVE, da produção de cogumelos da Agrocachola, no Montijo, da recuperação de património como o bote Leão da CM de Alcochete, ou da recuperação da mãe de água no Cabo Espichel por iniciativa da CM de Sesimbra ou do Sítio das Marinhas via CM da Moita.
Em termos turísticos, creio que o nosso apoio também tem sido fundamental para criar unidades de alojamento turístico de elevada qualidade como a Quinta da Escudeira em Palmela, a Herdade do Moinho Novo em Canha, a Quinta do Miguel na Aldeia do Meco ou a Quinta do Louro na Quinta do Anjo.
Na maioria das vezes é o apoio da ADREPES que permite (aos beneficiários) alavancar o negócio, crescer, contratar mais pessoas, acrescentar valor.
Setúbal Mais – Quais as principais áreas que a ADREPES atua no âmbito do desenvolvimento da Península de Setúbal?
Natália Henriques – A ADREPES trabalha em desenvolvimento regional e sob essa perspetiva todos os setores de atividade são alvo da nossa intervenção dentro das áreas rurais, costeiras e urbanas. Nesse sentido temos vindo a disponibilizar um conjunto de medidas financiadas pelos diferentes programas: PDR 2020, MAR 2020 e POR Lisboa 2020, que permitiram financiar um conjunto de projetos em diferentes áreas de atividade.
Neste último quadro, no rescaldo da crise económica e do impacto da covid-19 na economia nacional, foram abertas medidas exclusivas para apoio ao empreendedorismo e/ou empreendedorismo social, de apoio ao investimento e à criação de postos de trabalho, por forma a combater o desemprego, a pobreza e a exclusão social.
A implementação de uma estratégia multifundos com foco no rural, no costeiro e no urbano, permite criar oportunidades para os diferentes tipos de setores de atividade trabalharem em conjunto, por forma a tornar o território mais atrativo e mais coeso.
Setúbal Mais – Qual o balanço das parcerias dos GAL ADREPES Rural, ADREPES Costeiro e ADREPES Urbano?
Natália Henriques – A ADREPES tem como área de intervenção sete dos nove concelhos da Península de Setúbal: Alcochete, Almada, Moita, Montijo, Pamela, Sesimbra e Setúbal, exceto os núcleos urbanos.
Os programas destinados ao desenvolvimento local incidem em áreas rurais ou em territórios economicamente fragilizados. Estando a ADREPES inserida na Área Metropolitana de Lisboa (AML), numa zona periurbana seria improvável a sua existência. Mas um conjunto determinado de pessoas, representado entidades (parceiros) decidiram constituir a ADREPES e apresentar uma candidatura para gerir o Programa LEADER+ no início dos anos 2000. Se mais não houvesse a acrescentar, já estaria explicado a importância que as parcerias representam no seio da Associação.
A razão que justifica a intervenção da ADREPES dentro da AML deve-se ao facto de, com exceção dos núcleos urbanos, a restante área do território apresentar características marcadamente rurais e, também, costeiras e ribeirinhas. É com base neste pressuposto a ADREPES foi reconhecida e credenciada para gerir os fundos estruturais europeus desde há vinte anos a esta parte. Inicialmente apenas nas áreas rurais, e com o aumento da abrangência da aplicação da abordagem LEADER, a ADREPES alargou a sua intervenção para as zonas costeiras e urbanas do da Península de Setúbal.
A ADREPES, sob delegação dos parceiros, constituiu no âmbito do Portugal 2020, três Grupos de Ação Local, que mobilizaram fundos para financiar uma abordagem integrada entre as zonas rurais, costeiras e urbanas. A intervenção da ADREPES tem subjacente uma estratégia de desenvolvimento local que garante a coerência intra território em conformidade com as guidelines nacionais e europeias.
A destacar ainda, para além dos parceiros locais e regionais, a parceria nacional com todos os Grupos de Ação Local, vertida na Federação Minha Terra que defende os interesses das Associações de Desenvolvimento Local.
A ADREPES constitui-se como um elemento catalisador de promoção da concertação estratégica e operacional entre os diferentes stakeholders no seu território de intervenção.
Posto isto, os parceiros da ADREPES não só são importantes como são imprescindíveis. Foi a parceria que fez acontecer, que desde há vinte anos, permitiu à ADREPES gerir programas que canalizaram milhões de euros para o território.
Setúbal Mais – Quais os principais desafios que se colocam à ADREPES, nomeadamente como o novo quadro de apoio comunitário, Portugal 2030?
Natália Henriques – Os principais desafios com que a ADREPES se depara prendem-se com a sua localização e com todas as limitações daí decorrentes como a grande densidade populacional, com o facto dos instrumentos de política não serem diferenciados para este território, e com a gestão das expetativas dos atores locais face à aplicação dos fundos.
A ADREPES intervém num território periurbano dentro da maior e mais populosa área urbana do país, a AML, que é a zona do país onde os indicadores macroeconómicos apresentam maior e melhores resultados, como é caso do PIB per capita que é superior a 90% (INE, 2022), relativamente a outras zonas do país, o que coloca a região no objetivo de cooperação territorial europeia da Política de Coesão, o que condiciona o acesso e aplicação dos fundos europeus.
A alteração das NUTS que ocorreu em 2013, integrou toda a AML dentro da NUTS III da Grande Lisboa, perdendo-se o enquadramento específico para a sub-região da Península de Setúbal, o que criou inúmeros condicionalismos no acesso aos fundos europeus. Este é outro dos desafios com que a ADREPES se depara, contudo a necessidade de voltar a ter uma NUT para a Península de Setúbal já foi reconhecida pelo Governo e já obteve parecer favorável do EUROSTAT, pelo que se aguarda a sua implementação, não se prevendo que venha a acontecer antes do final do quadro financeiro 2030, que à data atual ainda não se iniciou.
Os critérios de classificação das NUTS não podem ser apenas demográficos e restringidos à análise dos indicadores macroeconómicos, como o PIB, sob pena de criar grandes fossos de desenvolvimento entre Portugal e a Europa e indo em contraciclo com os objetivos da Política de Coesão que visa, precisamente, combater as assimetrias de desenvolvimento entre as diferentes regiões europeias.
A AML apresenta uma área extremamente diversa pelas suas diferentes características e sobretudo pela complexidade resultante do mosaico urbano-rural. A Península de Setúbal ainda mantem características marcadamente rurais, onde as atividades primárias (agricultura e pesca) desempenham um papel determinante na economia local (INE, 2022). A título de exemplo refira-se a produção e fornecimento de toneladas produtos agroalimentares, através de circuitos curtos de abastecimento, à cidade ou o destaque do Porto de Sesimbra, que em 2019, ocupou o primeiro lugar no ranking nacional em termos de volume de pescado transacionado e o segundo em termos de maior valor de vendas.
A localização da PS, as acessibilidades, a proximidade dos espaços naturais (serra e mar), o acesso a produtos locais de qualidade, as excelentes condições para a prática de diversos tipos de atividades, os serviços básicos de proximidade, potenciam o desenvolvimento económico e a fixação da população. Estes indicadores representam algumas das vantagens competitivas da Península de Setúbal, são sinónimos de qualidade de vida e representam a atratividade do território quer seja para residir ou para trabalhar. Logo têm de ser valorizados e discriminados positivamente dentro dos quadros plurianuais de investimento.
Dentro da Península de Setúbal, a ADREPES só não intervém nos concelhos do Barreiro e do Seixal atendendo à enorme densidade populacional que apresentam. Não é por decisão da ADREPES que a sua área de intervenção não abrange estes municípios, mas sim decorrente das políticas públicas aplicadas ao desenvolvimento rural que não incidem em áreas densamente povoadas. Todavia começa a vislumbrar-se uma possível colaboração no âmbito do Portugal 2030 com estes concelhos.
A gestão das expetativas dos atores locais, que foram criadas aquando da sua participação na elaboração da EDL, e que nem sempre os fundos estruturais, enquanto instrumentos padronizados e de aplicação transversal, lhes dão a resposta pretendida, constitui-se como dos grandes desafios da ADREPES que é comum a todos GAL. E por outro lado, os desafios de carácter administrativo relativos à articulação entre os diferentes fundos estruturais, níveis de programação e organismos gestores, com modos de atuação, procedimentos e regulamentos distintos.
Apesar de tudo isto, das diferenças entre o rural e o urbano, da classificação da NUT e dos instrumentos financeiros de operacionalização das políticas públicas não serem os mais adequados às zonas periurbanas, a ADREPES tem vindo, sucessivamente, a demonstrar junto da tutela a importância e a necessidade de canalizar fundos para a Península de Setúbal, que fomentem e promovam iniciativas conducentes ao desenvolvimento sustentável deste território.
Neste pressuposto, a ADREPES, já se prepara para aplicar os financiamentos decorrentes do Portugal 2030, que corresponde à quarta geração de fundos europeus que irá gerir e aplicar na Península de Setúbal. Para o efeito está em curso a preparação da estratégia de desenvolvimento local até 2030 que será, como sempre, participada com a envolvência da comunidade local.
Recorde-se que a ADREPES iniciou o seu percurso enquanto gestora de fundos europeus com o Programa LEADER+ em 2002, seguiu-se o PRODER e o PROMAR em 2007 e está a concluir o DLBC no âmbito do Portugal 2020, que permitiu aplicar uma abordagem multifundos na Península de Setúbal.
A ADREPES intervém num território de geometria tão diferenciada, numa simbiose entre as dimensões sociais, económicas, culturais e ambientais, o que implica ultrapassar desafios constantes, para encontrar a melhor solução para os problemas das comunidades locais.