Música para Bocage

Integrado nas comemorações do Poeta setubalense Manuel Maria Barbosa du Bocage, por ocasião dos 250 anos de nascimento que a Câmara Municipal de Setúbal vem concretizando, decorreu Quarta-feira, 22 de Junho, no Fórum Municipal Luísa Todi, um serão musical, com interpretação de obras de compositores setubalenses dos séculos XIX e XX.

Este concerto de características históricas por razões que adiante tentaremos pormenorizar, teve a participação da Banda Sinfónica da Polícia de Segurança, dirigida, na ocasião, pelo maestro Rui Fonseca e Costa. Colaboraram, ainda, o Coral Infantil de Setúbal, o Coro Feminino TuttiEncantus, o Coro do Município “Afina Setúbal” e do novíssimo, Setúbal Voz Coro. Os três primeiros agrupamentos corais foram preparados pelo Maestro Nuno Batalha, que os dirige e o último, pela Maestrina Gisela Sequeira.

“Encontro Musical com Bocage”, assim se designou genericamente o concerto daquela noite, perante sala cheia, em que pudemos escutar obras dos compositores locais: António Eduardo da Costa Ferreira (n. 1875), Joaquim Silvestre Serrão (n. 1801), Plácido Stichini (n. 1854), Gomes Cardim (n. 1832) e  Idalino Cabecinha (n. 1914). Os organizadores optaram por incluir uma obra de João Domingos Bomtempo (n. 1771), por tratar-se de um grande compositor de prestígio internacional, contemporâneo de Bocage (1765-1805).

Sem competência para uma análise acerca da qualidade intrínseca das obras musicais selecionadas ou das respetivas interpretações limitar-nos-emos a contar-vos alguns episódios que estão na origem do conjunto apresentado.

“Concerto histórico”, como os mais entusiastas imediatamente o consideraram teve por objetivo dar a ouvir partituras esquecidas ou mesmo, até então, nunca interpretadas, compostas por notáveis compositores setubalenses, à época e, por isso, justamente perpetuados nas memórias escritas sobre os respetivos percursos musicais e, também (alguns deles), no magnífico painel “dos Artistas” executado pelo pintor também setubalense Luciano dos Santos, incorporado no” tríptico dos setubalenses ilustres”, patente no Salão Nobre dos Paços do Concelho.

A reunião feliz de obras daqueles mencionados compositores deve-se ao muito meritório trabalho de um dedicado setubalense, o Maestro José Eduardo da Encarnação Ferreira (n. 1941) que assessorou musicalmente o concerto dedicado a Bocage, a culminar uma ciclópica tarefa que empreendeu durante anos em que aturadamente pesquisou, organizou, transcreveu e instrumentou diversas partituras, de modo a que pudesse realizar-se este concerto de evocação do nosso maior Poeta e, simultaneamente, dos compositores contemporâneos dele.

O Maestro José Eduardo, após iniciar a formação musical na escola de Música da Sociedade Musical Capricho Setubalense e na Academia de Música e Belas Artes Luísa Todi, logo inaugurou intensa e duradoura acção ao serviço da Música, desempenhando, como última actividade, enquanto militar, a direção dos Cursos de Formação de Músicos do Exército.

Conta ele que a ideia deste concerto nasceu de um momento de contemplação do referido painel de Luciano: “Que Música terão produzido estes Homens aqui representados, entre os setubalenses mais ilustres”? “Que obras e, sob que pretexto as produziram”? “Porque não reconduzi-las modernamente, à memória dos nossos contemporâneos?”

Iniciou então a laboriosa e árdua missão de resgatar dos arquivos e bibliotecas cada pentagrama amarelecido já, sob um manto de antiquíssima poeira. E deu-lhes vida, restitui-nos toda a música que apenas desenhavam e que agora, num momento histórico, raro, partilhou connosco.

Nesta noite, realizou-se um projecto longamente acarinhado e que conhecera já vicissitudes várias. Um projeto que o declara e confirma como uma incontornável personalidade da história da música setubalense, a par de tantas outras importantes figuras que enobrecem o panorama cultural e artístico local.

O concerto idealizado por José Eduardo da Encarnação Ferreira, organizado pelos serviços culturais do Município e concebido por Nuno Batalha foi uma homenagem a Bocage e aos compositores setubalenses que ao Poeta dedicaram algumas das obras escutadas.

Este é o reconhecimento e a homenagem que, interpretando o sentir de todos os setubalenses, aqui deixamos a todos quantos tornaram possível, com o seu tão valioso contributo, a noite musical vivida.

Este é, também, o sentido reconhecimento que entendemos devido, de toda a Cidade, ao Maestro, José Eduardo da Encarnação Ferreira.

Estamos certos de que o Município de Setúbal, no momento em que supomos começa a pensar-se constituir a relação de personalidades a merecer a atribuição da Medalha de Honra, no próximo 15 de Setembro, dia de Bocage, da Cidade e do Concelho, fará justiça a este popular e laborioso conterrâneo que com tanta capacidade e valor tem contribuído para a elevação da Cultura setubalense.

Horácio Manuel Pena