“Mariscar sem lixo” na Caldeira de Tróia

A Caldeira de Tróia, habitat de conservação prioritária a nível europeu, recebe sábado, domingo e segunda, dias 12,13 e 14 de Agosto, a Festa da Nossa Senhora do Rosário de Tróia, da
comunidade piscatória do estuário do Sado e a Ocean Alive vai realizar a 25ª ação da Campanha de Sensibilização e Limpeza de Praia, no Estuário do Sado, “Mariscar Sem Lixo” que tem como lema “Se para o mar me levas para mariscar, para terra me trazes para reciclar” .

Esperam-se cerca de 60 voluntários que terão como missão, limpar a vegetação de sapal da Caldeira de Tróia e sensibilizar os mariscadores do lingueirão para acabar com o mau hábito em deixar as embalagens de plástico de sal fino vazias, na beira-mar deste estuário. +33700 embalagens de sal e + 26000kg de lixo recolhidos e 1425 mariscadores sensibilizados são os números conseguidos pelos 1562 voluntários que desde Março de 2016 já participaram na campanha “Mariscar Sem Lixo”.

Os voluntários serão distribuídos em 3 equipas, duas de sensibilização e uma de limpeza. As equipas de sensibilização terão como foco os mariscadores (durante a maré vazia de Sábado e Domingo de manhã, na Caldeira de Tróia e no baixio da Carraca) e a comunidade piscatória que participa na festa. Os voluntários transportarão na Tshirt o lema desta ação, uma mensagem de sensibilização dirigida aos mariscadores para acabar com o mau hábito em deixar as embalagens de sal na maré: “Se para o mar me levas para mariscar, para terra me trazes para reciclar”.

Esta campanha é um dos compromissos voluntários inscritos na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, contribuindo para o objetivo 14 para o desenvolovimento sustentável, da Unesco.

Porquê milhares de embalagens de sal vazias no estuário do Sado?

Do arroz de lingueirão … O lingueirão (bivalve) vive enterrado na vasa do estuário e é apanhado com sal fino para comer ou para servir de isco. A apanha destes animais decorre durante a maré baixa ao longo de todo o ano, por mariscadores credenciados e por mariscadores lúdicos que vêm de toda a península de Setúbal, principalmente agora na época de Verão. Para os capturar, o mariscador deita sal fino no buraco (galleria) onde vive o lingueirão. O animal sente-se perturbado com o excesso de salinidade, sai do seu buraco e é assim facilmente capturado.
Mas ao longo de décadas os mariscadores no estuário do Sado têm tido o mau hábito em deixar as embalagens de sal vazias no estuário. Um mariscador profissional usa entre 7 a 10 embalagens de sal numa só maré. Se for bem sucedido, cada mariscador trás para casa 2 ou mais kilos de lingueirão. Mas as embalagens vazias, essas tipicamente ficavam no seu rasto, na vasa do estuário.

O que acontece às embalagens de plástico vazias deixadas no estuário?

… ao plástico nos Oceanos e em nós.  80% do lixo que está no Oceano é Plástico. As embalagens de plástico de sal terão um longo processo de degradação que dura entre dezenas a cerca de 400-500 anos. Primeiro, as partículas de médias dimensões das embalagens poderão ferir, asfixiar, causar úlceras ou a morte de animais marinhos, por exemplo as aves marinhas que confundemo plástico das embalagens que boiam, com os peixes de que se alimentam. Depois, tornam-se em partículas mais pequenas, os microplásticos que são incorporados nas microalgas e no zooplancton. Estima-se que existam mais de 5 triliões de plásticos no Oceano, a maioria são microplástcos (com dimensão inferior a 5mm). Os compostos químicos (dos microplásticos), já por si nocivos, aglutinam compostos ainda mais tóxicos , os organoclorados (como os PCBs), com efeitos nefastos no sistema imunitário (causa de cancro) e na reprodução animal. O final da história é que os microspásticos das embalagens de sal serão incorporados ao longo da cadeia alimentar do ecossistema marinho, acabando em nós, através dos peixes e mariscos que comemos e nos golfinhos do Sado. Por outro lado, parte das embalagens vem dar às praias de Setúbal, Tróia e Arrábida, constituindo também um risco para a saúde pública, por exemplo causando ferimentos para quem caminha descalço na areia.

Resultados da Campanha “Mariscar SEM Lixo”
Se não existisse a campanha “Mariscar Sem Lixo”…

Desde Março de 2016 que todos os meses a Ocean Alive realiza uma ou mais ações desta  Campanha. Se não existisse a campanha “mariscar Sem Lixo” ainda hoje estariam no estuário 33795 embalagens de sal e mais de 26 toneladas de lixo. Este resultado foi conseguido nas 24 ações desta campanha realizadas com o apoio de 1462 voluntários que também já sensibilizaram 1425 mariscadores.Para além das ações regulares mensais, foram realizadas, em 2017, duas grandes ações de sensibilização: uma envolvendo a comunidade piscatória da Carrasqueira onde participaram 155 voluntários (84 dos quais eram locais) que retiraram 6600kg de resíduos das margens do porto palafítico da Carrasqueira, e outra, na passada sexta feira santa, dia em que é tradição ir mariscar, onde os voluntários desta campanha abordaram 864 mariscadores. Estas grandes ações e a do próximo fim de semana são patrocinadas pelo Oceanário de Lisboa e pela Fundação Oceano Azul.

Impactos da Campanha “Mariscar SEM Lixo”

A história que estamos a conseguir mudar…Como impacto do envolvimento da comunidade piscatória da Carrasqueira na ação de limpeza do estuário do Sado, várias pescadoras passaram a trazer o lixo que apanham nas redes quando estão a pescar, alguns casais de pescadores já não atiram o seu lixo para o mar e muitos mariscadores já não deixam as embalagens de sal na maré.O patrocínio do Oceanário de Lisboa e da Fundação Oceano Azul visa escalar a ação da campanha “Mariscar SEM Lixo” através da criação de uma rede de boas práticas catalizada por mulheres pescadoras que atuam como agentes de sensibilização dos seus pares. Parte da ação de sensibilização que se realizará nesta grande ação será mediada por estas “Guardiãs do Mar”.

Como surgiu a campanha “Mariscar SEM Lixo”?

A Ocean Alive (www.ocean-alive.org), organização responsável pela campanha, é uma  cooperativa cultural, uma organização sem fins lucrativos, para a educação marinha cujo programa de atividades tem o apoio institucional da Unesco. Tem por missão transformar comportamentos para a proteção do Oceano, através da educação marinha e do envolvimento das comunidades costeiras locais. A campanha de Sensibilização e Limpeza de Praia no Estuário do Sado, “Mariscar SEM Lixo”, enquadra-se no projeto “Guardiãs do mar: salvar o ambiente, preservar empregos”. Este projeto visa o envolvimento das pescadoras do estuário do Sado na proteção das pradarias marinhas, o habitat berçário que sustenta o seu pescado e a biodiversidade marinha do estuário do Sado, o estuário mais rico em vinha marinha de Portugal. As pescadoras são capacitadas para agir como a peça catalisadora necessária à transformação de comportamentos que visam a eliminação de 3 causas da degradação das pradarias marinhas, causas que têm origem na comunidade piscatória e recreativa: 1. o lixo proveniente da mariscagem, 2. as âncoras e as amarrações sobre as pradarias e 3. as técnicas de pesca agressivas.

A campanha “Mariscar SEM Lixo”

Nasceu para eliminar o lixo da mariscagem. O projeto “Guardiãs do Mar” foi a ideia vencedora do Prémio Ideias de Origem Portuguesa 2016 da Fundação Calouste Gulbenkian
o projeto base do Prémio Terre de Femmes 2017 da Fundação Yves Rocher, atribuído à bióloga marinha Raquel Gaspar, co-fundadora da Ocean Alive.A importância ecológica da Caldeira de Tróia. A caldeira de Tróia é uma laguna costeira, um sítio protegido considerado de interesse comunitários por servir de abrigo e de alimentação a muitas aves marinhas que migram ou residem no estuário do Sado. A sua vegetação estuarina, denominada de sapal, é consituida por plantas que vivem com “os pés de molho em água salgada”, como a salicórnia que agora é usada nas saladas como substituição do sal. O sapal é o segundo habitat do nosso planeta com maior capacidade de sequestro das emissões de Carbono e portanto com grande importância na mitigação das alterações climáticas.