Lourenço de Morais, presidente da Associação Cultural Sebastião da Gama: “Sebastião da Gama além do legado para a literatura portuguesa deixou um testemunho de amor”


Lourenço de Morais é o novo presidente da Associação Cultural Sebastião da Gama (ACSG), substituindo no cargo Alexandrina Pereira. Nasceu em Lisboa, em 1988. Fixou residência em Azeitão em janeiro de 2021. Pai de dois filhos, exerce funções de gestão num escritório de advogados, em Lisboa. É um admirador da obra do poeta da Arrábida e de Joana Luísa por preservar e divulgar do seu amado marido. Tem como objetivo principal recomeçar e retomar a atividade cultural da ACSG, que é a sua vocação principal e original.


Florindo Cardoso


Setúbal Mais- Assumiu recentemente a presidência da Associação Cultural Sebastião da Gama.
O que o levou a aceitar este novo desafio?
Lourenço de Morais – A oportunidade de agradecer. Permita-me, porém, uma justificação que poderá ser maçadora, mas que creio necessária: é eu que sou um convertido recente. Sou um homem comum que, numa visita a Azeitão, ainda antes de aqui fixar a minha residência, encontrei uma estátua e que, após aproximar-me dela e ver quem ela representava, me recordei emocionado de uma tarde em que arrumava livros na casa dos meus pais e me cruzei com aquele nome que desconhecia ser originário de Azeitão – era uma edição recente do “Cabo da Boa Esperança”, escrita por um Homem com um nome historicamente pesado: Sebastião da Gama.
Após esse encontro – e a vida é feita de encontros, não é verdade? – dediquei os tempos livres dos meses seguintes a pesquisar sobre esse Homem e a colecionar tudo o que encontrava sobre ele. Virei alfarrabistas para encontrar primeiras edições ou livros que referenciavam Sebastião da Gama.
Esperando chegar mais próximo do poeta e da sua mulher (simbolicamente falando, pois, ambos já haviam morrido há muito), chateei a Associação Cultural Sebastião da Gama que agora presido porque queria ser associado e queria adquirir as obras por si editadas. Escrevi para a então direção da associação que, com enorme abertura e paciência me recebeu, e após longas conversas, elaborei uma lista com diversas ideias que quis oferecer à associação, por acreditar que além de necessárias, elas podiam dinamizá-la e com isso levar o nome de Sebastião da Gama e Joana Luísa a mais pessoas.
A resposta da associação a esta minha oferta foi esta: presidir este pequeno tesouro. E perante uma proposta como esta, não poderia fazer outra coisa senão aceitar, porque seria negar uma verdade: é que me é impossível ficar inerte perante a intensidade com que Sebastião da Gama e Joana Luísa viveram a sua vida e encararam o seu destino e à sua sede de infinito.
Há uma frase do Tolkien, proferida por Gandalf, no “Senhor do Anéis”, que recordo muitas vezes (e que cito de memória, pelo que lhe peço que me perdoe alguma incorreção): “nós não decidimos o tempo em que vivemos; tudo o que temos que decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado”. E Sebastião da Gama escolheu amar.
Sebastião da Gama, que viveu um tempo de incertezas de que o nosso não difere, – assim como viveu uma vida de incertezas, pois podia morrer a qualquer momento, – não descurou o olhar da única razão que importa e, além do seu legado para a literatura portuguesa deixou um testemunho de amor que imortalizou numa frase: “O Segredo é Amar”. E Joana Luísa, que conhecia melhor que ninguém esse segredo, guardou, protegeu e preparou a divulgação desse legado, sem pedir nada em troca. Apenas e só que guardassem o seu amor.
É por isso que lhes estou grato. Se me pergunta a razão de aceitar este novo desafio, só lhe posso responder de uma forma: a oportunidade agradecer; agradecer a Sebastião da Gama e a Joana Luísa tudo o que me deram e ainda me dão, sem que nunca sequer me tenha cruzado com eles.

Setúbal Mais – Quais os principais objetivos para este mandato?
Lourenço de Morais
– Numa palavra: recomeçar. T.S.Elliot escrevia no seu Four Quartets que “A casa é de onde uma pessoa começa”. Não deixa de ser engraçado falarmos de recomeços precisamente no ano em que se inaugura a Casa-Memória, nova sede da Associação.
É esse o nosso objetivo principal: recomeçar e retomar a atividade cultural da Associação, que é a sua vocação principal e original.
Como sabe, a atividade da ACSG sofreu um interregno na sua principal atividade, por diversos motivos que são do conhecimento público. Ultrapassados que se encontram estes temas, dos quais não sou hodierno, é tempo de recomeçar. E recomeçar é regressar às origens. E as origens são Sebastião da Gama e Joana Luísa. E não falo apenas de poesia. Falo, sim, do Sebastião da Gama completo, do Sebastião da Gama personalidade complexa que em 27 anos de vida deixou uma profunda marca no seu tempo e no coração daqueles com quem conviveu: o Sebastião da Gama poeta, o Sebastião a Gama professor e pedagogo e o Sebastião da Gama ambientalista e amante da Arrábida, o Sebastião da Gama homem doente de “maravilhosa e maravilhada alegria” (palavras de Matilde Rosa Araújo), o Sebastião da Gama homem de convicções; e a Joana Luísa, a confidente, humilde e fiel depositária da memória do homem que amou toda a sua vida e a quem, como só quem ama verdadeiramente, se entregou numa adesão total.
Com isto, tenho como certa uma coisa: conseguiremos que se fale de Sebastião da Gama, não como mera figura histórica, mas como aquilo que ele é: uma coisa nossa, da nossa terra, de Azeitão, de Setúbal, de Estremoz, de Portugal; com isto faremos despertar o sentido de pertença que está adormecido na nossa comunidade. Porque há uma coisa que acredito: é que só quando as pessoas perceberem que Sebastião da Gama fala da sua vida, quando o redescobrirem dentro de si, alguém que os define e com quem se identificam, ele ocupará o lugar que merece desde o início.

Setúbal Mais – Tendo em atenção que em 2022 celebra-se os 70 anos da morte de Sebastião da Gama, está previsto algum programa específico?
Lourenço de Morais –
Estamos a ultimar a apresentação gráfica do plano e atividades para o Triénio, pelo que – apesar de acreditar que é esta a pergunta que mais interesse lhe desperta – lhe peço mais uns dias para lhe dar a conhecer o plano ambicioso que estamos a ultimar e que iremos apresentar com orgulho.

Setúbal Mais – Como tem sido a adesão das pessoas à Casa Memória Joana Luísa e Sebastião da Gama?
Lourenço de Morais –
Não lhe consigo precisar números, mas a adesão tem sido positiva. Sempre que pergunto a quem lá está diariamente a receber as pessoas que a visita, o feedback que obtenho é orgulhoso de cita: “quem veio, saiu de coração cheio”. Deixa-me muito feliz. Porém, eu acredito que a adesão pode ser muito maior. Não só porque o que está neste momento patente na Casa-Memória é apenas uma amostra do que existe; mas também porque há muito a fazer na divulgação do nome e legado de Sebastião da Gama e Joana Luísa. Mas isso depende do que lhe disse antes: de conseguirmos despertar o sentido de pertença que está adormecido na nossa comunidade.