Henrique Soares, presidente da Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal (CVRPS) alerta para a instabilidade do mercado dos vinhos na região e no país devido a fatores externos com a inflação, aumento das taxas de juro, as guerras na Ucrânia e Israel e o excesso de produção. O responsável elogia a resistência dos produtores, aponta o turismo como mercado a conquistar pelos vinhos de Setúbal, em regiões de crescimento como toda a região à volta do Parque Natural da Arrábida, o Arco Ribeirinho Sul e entre Almada e Alcochete. Brasil continua a ser um grande mercado para exportação. A China e Angola registaram descidas na compra dos vinhos da região devido a problemas internos.
Florindo Cardoso
Setúbal Mais – Qual é a situação atual do setor dos vinhos?
Henrique Soares – A conjuntura do mercado mudou muito. Quando nos reunimos há ano e meio em Sesimbra na entrega dos prémios do concurso, continuávamos todos com um sentido positivo, e até de alguma euforia, porque tínhamos ultrapassado a pandemia sem grandes problemas, e pensávamos que voltaríamos a 2019, mas repentinamente, desde há um ano, as vendas começaram a cair e há uma desaceleração de consumo de vinho no mercado nacional. Penso que deve-se à subida da inflação, ao aumento das taxas de juro e os encargos das famílias com a habitação que em Portugal pesa muito no orçamento. Os principais mercados de exportação são um misto de várias circunstâncias como a subida da inflação, uma questão que afeta vários países, os efeitos do pós-pandemia e as guerras na Ucrânia e Israel, causando imensa perturbação, com aumentos dos custos de produção e retração do consumo. Um produto como o vinho que é também competitivo e produzido nos quatro cantos do mundo, isto fez com que num curto espaço de tempo, a oferta começasse a ficar desassustada com a procura. Quando isto acontece começa a gerar-se stocks. Na nossa região a vindima de 2023 ainda foi pacífica e continua a ser porque sempre tivemos historicamente níveis de stocks muito baixos. Agora, o mercado como está que ainda não se percebe se é ainda muito conjuntural ou se já tem muito de estrutural. Só saberemos na próxima vindima e esperamos que não haja grande problemas na região. O grande problema dos produtores é quando se aproxima a vindima e os seus principais compradores, os que não são sócios das adegas cooperativas e que vendem a privados, começam a não querer receber a uva.
Setúbal Mais – As exportações mantêm-se em 2024?
Henrique Soares – As exportações têm-se mantido nos principais mercados, embora tenha havido desaceleração em alguns. O mercado mais importante para a região é o Brasil que tem mantido o nível de procura. A China tem vindo sempre a descer o nível de compras desde a pandemia do covid e ainda não recuperou. O mercado de Angola registou um problema cambial, com grande desvalorização do kwanza, levando a que as importações caíssem. Há um conjunto de fenómenos diversos em vários mercados que estão todos a confluir para o mesmo, a diminuição de vendas. Como a vindima de 2023 foi grande, isso agravou-se porque há um excesso de oferta de vinho, sendo vendidos abaixo do preço de custo de produção, afetando todos, fruto do desespero dos produtores.
Setúbal Mais – Porque escolheram Santiago do Cacém para a cerimónia de entrega dos prémios do concurso de vinhos?
Henrique Soares – É também um conjunto de circunstâncias. Quando há ano e meio entregámos os prémios em Sesimbra, decidimos iniciar um processo de descentralização por cada concelho. Curiosamente, nesse ano, estava ao lado do presidente da Câmara Municipal de Santiago do Cacém Álvaro Beijinha, e lançou-me o desafio para ser no seu concelho. Pareceu-me muito bem porque esta margem sul do Sado, metade sul do distrito de Setúbal, tem sido muito dinâmica no surgimento de novos projetos e fazia sentido realizar a cerimónia aqui e penso que resultou bem.
Setúbal Mais – Estão a surgir novos produtores a concurso?
Henrique Soares – Sim. Reconheço também que a circunstância da cerimónia realizar-se aqui, fizemos um esforço para que os produtores de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines para concorrer e isso traduziu-se nos prémios que obtiveram.
Setúbal Mais – O número de participantes no concurso de vinhos manteve-se?
Henrique Soares – Mais ou menos. A seguir à covid, diminuiu um pouco. Este ano tivemos 18 produtores a concurso, menos concorrentes e vinhos. Geralmente, andamos entre os 18 e 22 produtores.
Setúbal Mais – Qual é o principal desafio para o setor?
Henrique Soares – Para a nossa região, admitindo esta conjuntura pouco adversa de mercado, não afete o volume de vendas, e como já estamos num patamar muito elevado de certificação, ou seja, de 85%, são comercializados comos vinho regional da península de Setúbal, vinhos de Palmela e moscatel de Setúbal e moscatel roxo de Setúbal, o nosso principal desafio é valorizar, vender a melhor preço para que as adegas possam pagar melhor as uvas aos viticultores. O negócio começa sempre na produção das uvas, a sua transformação e vinho e na sua comercialização. Quando melhor se valorizar o vinho, melhor pode ser pago a uva e haverá melhor qualidade e nessa sequência melhores vinhos. É um ciclo virtuoso. O desafio da região é valorizar, aumentar a notoriedade mesmo no mercado nacional e conseguir vender melhor. Temos um estudo de mercado recente que revela que os consumidores habituais e não habituais dos vinhos da península de Setúbal estão disponíveis para pagar mais pelos nossos vinhos porque reconhecem a sua qualidade.
Setúbal Mais – O turismo é importante para as vendas dos vinhos?
Henrique Soares – Sim. É muito importante. Toda a região à volta do Parque Natural da Arrábida, o Arco Ribeirinho Sul, entre Almada e Alcochete, o turismo cresceu muito e ainda mais na zona sul, entre Tróia e Porto Covo. Temos de procurar aproveitar este imenso fluxo turístico, nalguns casos com capacidade económica para comparar vinhos a bom preço. Temos de aproveitar estas oportunidades.
Setúbal Mais – Uma das suas lutas é a venda dos vinhos da região serem vendidos na restauração local…
Henrique Soares – Já foi pior, mas temos ainda muito caminho para percorrer. Gostaríamos que os vinhos da região estivessem presentes na restauração local, com alguma regularidade e fossem explicados aos turistas. Não faz sentido o turista provar um vinho que é produzido a centenas de quilómetros da região onde está. É uma questão de sustentabilidade provar vinhos da região onde está.
Setúbal Mais – Falando de notoriedade, a Casa Ermelinda Freitas, foi a adega mais premiada. É um reconhecimento de uma marca da península de Setúbal?
Henrique Soares – É o reconhecimento de uma marca que se tornou numa das principais referências na região. É a consolidação da marca, mas o sucesso dá muito trabalho.