Entrevista com António Figueira Mendes, presidente da Câmara Municipal de Grândola sobre 25 de Abril: “Valeu a pena lutar nesses tempos”

 

 António Figueira Mendes, eleito nas autárquicas de 2013 como presidente da Câmara Municipal de Grândola tem a particularidade de ter desempenhado o meso cargo logo a seguir à revolução de Abril de 1974. Militante do PCP chegou a ser preso pela PIDE nos anos 60, na luta contra a ditadura.

 Florindo Cardoso

Setúbal Mais – Como é que foram os primeiros tempos após o 25 de Abril, já que integrou a comissão administrativa e foi eleito presidente da Câmara Municipal de Grândola?

António Figueira Mendes – Foram tempos interessantes com uma grande participação popular na resolução dos problemas e na tomada de decisões. Foi uma altura para aprender o papel da democracia em que todos estávamos a sentir a transformação quotidiana nos primeiros meses. Temos um concelho territorial muito grande e recordo que tínhamos populações isoladas, não existiam caminhos para as pessoas irem ao médico ou para as crianças frequentarem a escola. Este desbravar de terreno abrindo caminhos para que as pessoas tivessem acesso aos meios de saúde e de ensino, foi das primeiras coisas a realizar, além do abastecimento de água, já para não falar dos esgotos e electrificação. Estes primeiros anos foram importantes no sentido de levar às pessoas alguma qualidade de vida. Foram épocas muito interessantes e de vivências muito intensas, com reuniões de câmara que se prolongavam até de madrugada e fins-de-semana a trabalhar. As pessoas organizavam-se para constituir comissões de moradores no sentido de resolver os problemas. Nessa altura, construíamos uma estrada com a participação das pessoas e essa foi uma experiência inesquecível que tivemos nos primeiros anos da democracia.

Setúbal Mais – As pessoas sentiam quase que estavam a reconstruir a sua terra…

A.F.G. – As pessoas sentiam que eram sujeitos activos dessa transformação no dia-a-dia, o que era muito interessante.

Setúbal Mais – Sofreu a opressão do regime anterior. Que memória é que guarda desse momento em que chegou a estar preso?

A.F.G. – Não podemos esquecer esses tempos de terror, opressão e de sofrimento. O interessante é saber que valeu a pena lutar nesses anos para que hoje tenhamos a liberdade e para que os portugueses possam ter, apesar de todas as dificuldades que vivemos, uma vida imensuravelmente melhor. Dizer que esse sacrífico feito na luta pela liberdade valeu a pena! Hoje sentimos um certo conforto pelo que foi feito e é com algum orgulho que olhamos para esse passado, sobretudo porque estamos neste presente que nos faz encarar o futuro com alguma confiança e esperança.

Setúbal Mais – Como encara o facto de algumas conquistas conseguidas pelos autarcas serem perdidas com as novas políticas…

A.F.G. – Essa é a nossa grande preocupação hoje enquanto autarcas. Há duas semanas realizámos em Tróia o Congresso Nacional de Municípios e uma das grandes questões que se debateu foi a perda de autonomia do poder local, que aliás foi uma das grandes conquistas do 25 de Abril. Foi a partir daí que a maior parte dos problemas das populações portuguesas foram resolvidos, através dessa dinâmica que comecei por falar, mas há medida que o tempo vai passando vamos reparando que através de legislação que vai retirando poderes e autonomia aos municípios, as populações ficam mais prejudicadas ao nível da saúde e do ensino. No litoral alentejano temos um défice de 86 médicos, o que não acontecia há uns anos atrás. Entretanto foram construindo hospitais privados que pagam melhor aos médicos e há hoje um incentivo à constituição de empresas privadas que vão tomando conta da água, dos esgotos, do lixo, da saúde e do ensino. O papel do poder local tens se desvaído e isso faz com que as populações tenham cada vez menos acesso a esses serviços. Essa é uma verdade indesmentível. Os portugueses hoje têm piores condições do que tinham há 10 anos, em termos da prestação de serviços e essa é uma das preocupações actuais dos autarcas.

Setúbal Mais – Grândola sempre foi associada ao 25 de Abril e tem essa tradição. Sente que as pessoas ainda celebram o 25 de Abril ou é apenas uma data simbólica?

A.F.G. – Creio que as novas gerações estão aos poucos a absorver essa realidade. Esta parte da nossa história não tem sido muito transmitida nas escolas e devia sê-lo, mas no nosso caso, o ano passado, nas comemorações dos 40 anos da revolução tivemos uma experiência interessantíssima com os nossos jovens. Temos aqui várias bandas e um conjunto de jovens artistas de pintura, fotografia, escultura, e que adaptaram as suas músicas (do Zeca Afonso e do 25 de Abril), pintaram e esculpiram motivos alusivos à revolução. À medida que as pessoas vão sentindo a falta de emprego e a falta de algumas condições, começam a perceber que é preciso lutar para que as coisas mudem. E isso ficou patente no congresso dos municípios, com toda a gente a referir-se a Grândola como símbolo do 25 de Abril, portando isto está um pouco no nosso espírito e espero que as novas gerações possam assumir em plenitude.

Setúbal Mais – Como vê este fenómeno de 350 mil pessoas terem de sair de Portugal por não lhes ter sido garantido emprego?

A.F.G. – Essa é uma preocupação que devemos todos ter. Estamos a exportar o melhor que temos. Gastámos muito dinheiro do Estado a formar bons técnicos nas mais diversas áreas da ciência e da tecnologia, que hoje estão a produzir noutros países. Qualquer dia ficamos sem massa cinzenta para desenvolver o nosso país. Creio que é preciso mudar de política, alterar a situação que vivemos neste momento e temos de fazer regressar à nossa pátria muitos destes jovens que hoje estão por este mundo fora, a prestar um serviço àqueles países quando investimos neles muito do nosso património.

Setúbal Mais – Como é que vê o futuro do nosso país?

A.F.G. – Com preocupação mas com esperança. Creio que não podemos perder a esperança, temos todos de lutar para inverter as coisas que têm acontecido nos últimos anos. O nosso povo tem uma história de luta pela liberdade, democracia e defesa dos seus direitos, e estou esperançado de que, depois de nos fazerem crer que eramos todos ricos, temos de por os pés na terra e melhorar a situação.

António Figueira Mendes

Um autarca lutador

António Figueira Mendes, presidente da Câmara Municipal de Grândola eleito nas autárquicas de 2013, nasceu em 1943, em Azinheira dos Barros. Foi eleito presidente da Comissão Democrática Administrativa da Câmara Municipal de Grândola em 1974. Dois anos depois foi eleito presidente da Câmara Municipal de Grândola, cargo que desempenhou até 1989, altura em que passou a desempenhar o cargo de presidente da Assembleia Municipal de Grândola. Participou na criação da Associação de Municípios do Distrito de Beja, da Associação de Municípios do Distrito de Setúbal e da Associação de Municípios do Litoral Alentejano. Foi presidente do Conselho de Administração da Associação dos Municípios do Litoral Alentejano e Administrador-Delegado.
É presidente da assembleia-geral da Associação das Regiões de Turismo do Alentejo. Militante do Partido Comunista Português desde 1959, foi preso pela PIDE em 1967.