David Neves, presidente da Federação Portuguesa das Associações de Suinicultores (FPAS): “O setor da suinicultura resiste com muito sofrimento e graves prejuízos”

David Neves, presidente da Federação Portuguesa das Associações de Suinicultores (FPAS), alerta que o setor vive uma situação dramática devido ao aumento do preço das matérias-primas em resultado da guerra na Ucrânia e à quebra das exportações para a China. Para o responsável, o setor que representa por mil milhões de exportações, se não houver ajuda do Ministério da Agricultura, parte das pequenas e médias empresas podem desaparecer. Os prejuízos no 1.º trimestre de 2022 atingiram os 35 milhões, a que se somam os 40 milhões de euros perdidos no 4.º trimestre de 2021.

Florindo Cardoso

Setúbal Mais – Quais os impactos da guerra na Ucrânia no setor da suinicultura?

David Neves – A guerra na Ucrânia teve um impacto fortíssimo no nosso setor, nomeadamente ao nível dos custos de produção. A Ucrânia é designada como o celeiro da Europa e este acontecimento inesperado neste país veio agravar ainda mais a situação já debilitada do setor da suinicultura, agravando consideravelmente os custos de produção. Se a situação já era muito grave no final de 2021, agravou-se ainda mais desde o dia 24 de fevereiro com a invasão da Ucrânia por parte da Rússia, tornando a situação vivida pelo setor e pelos vários setores conexos de elevada instabilidade, sobretudo pelo aumento dos custos das matérias-primas e até mesmo da sua disponibilidade. Tendo acumulado prejuízos no 1.º trimestre de 2022 de 35 milhões de euros, a que se somam aos 40 milhões de euros perdidos no 4.º trimestre de 2021, o setor da suinicultura resiste com muito sofrimento e graves prejuízos.

Setúbal Mais – Já reuniram com a ministra da Agricultura para debater esta situação?
David Neves – Temos vindo a falar com a ministra da Agricultura. Aliás, ainda antes da guerra na Ucrânia, já tínhamos feito chegar um documento ao Ministério da Agricultura a dar nota das dificuldades do setor, que vive um momento de crise, mas até hoje, infelizmente não obtivemos qualquer tipo de medida que pudesse, de alguma forma, acumular a situação dramática que o setor está a viver. Contribuímos em grande medida para a soberania alimentar do país. Aliás, a carne de porco é das mais consumidas pelos portugueses. Pode estar em risco a soberania alimentar se não tivermos a capacidade, em tempo útil, de efetuar uma intervenção de apoio ao setor para impedir o desaparecimento de uma parte de pequenas e médias empresas.


Setúbal Mais – Esta situação também tem impacto nos preços junto do consumidor?
David Neves
– Sim. É inquestionável que tem um impacto nos preços junto dos consumidores, mas mesmo assim, o setor da suinicultura, é aquele que não tem conseguido, ao longo dos últimos meses, fazer passar para o produto final aquilo que são os seus custos de produção. Ainda hoje, continuamos a vender abaixo dos custos de produção e os reflexos que estamos a ter no consumidor são fruto das margens que o resto da cadeia vai colocando no processo. Naturalmente que um setor que vive, sem margens, não pode sobreviver muito tempo. Esta é a grande dificuldade que não veio só da consequência da guerra na Ucrânia, mas que vinha agravando-se desde o final do primeiro semestre do ano passado.


Setúbal Mais – Em termos de exportações, a Rússia e a Ucrânia, têm alguma importância para o setor?
David Neves
– A Rússia já teve um peso importante há alguns anos, mas neste momento não. O que contribuiu para o início desta crise foi a contração das importações por parte da China, país que tem um peso muito importante no nosso setor de exportação.


Setúbal Mais – Porque aconteceu essa situação?
David Neves
– A China, com o fecho do espaço mundial devido à pandemia do covid-19, deixou de importar e naturalmente, sendo ela o maior produtor e consumidor do mundo, teve reflexos em todos os países, inclusive em Portugal. Isto num setor que se preparou para exportar essencialmente para a China porque era o seu principal cliente.


Setúbal Mais – Considera que a situação no setor pode mudar nos próximos tempos?
David Neves
– A nossa expetativa é que as coisas possam melhor, pese embora a situação que se vive na Ucrânia, coloque uma incerteza quanto ao futuro. Mesmo que o conflito se resolvesse nos próximos meses continuaria a ter um impacto dentro de dois a três anos na economia mundial, em que Portugal não é exceção.