Álvaro Amaro, presidente da Câmara Municipal de Palmela: “Sempre defendemos que é na defesa e valorização dos produtos endógenos e dos saberes tradicionais que se encontra a nossa principal riqueza”

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Álvaro Amaro que desempenha o segundo mandato como presidente da Câmara Municipal de Palmela, eleito pela CDU, aborda nesta entrevista a importância do sector do vinho e da vinha na economia do concelho e do empenho do município em promover os produtos endógenos e as tradições. O edil considera uma “revolução” a entrada em vigor dos passes únicos. Álvaro Amaro revela os principais projectos e investimentos a arrancar ainda este ano.

Florindo Cardoso

Setúbal Mais – Com mais uma edição da Mostra de Vinhos a arrancar, como classifica a importância do sector do vinho e da vinha na economia do concelho?

Álvaro Amaro – A cultura da vinha nesta região é muito anterior à fundação de Portugal, somando, seguramente, mais de dois mil anos, já que os primeiros vestígios remontam ao período dos Tartessos e, mais tarde, de Fenícios e Romanos. Mais do que a importância económica, estamos perante um verdadeiro pilar da identidade de uma região que amou e soube, desde sempre, tratar a terra e extrair dela os melhores produtos. O cluster automóvel é de inegável importância para o nosso tecido económico mas sempre defendemos que é na defesa e valorização dos produtos endógenos e dos saberes tradicionais que se encontra a nossa principal riqueza, porque são estes agentes económicos que estão sempre no território, nos bons e nos maus momentos, acrescentando valor através de uma oferta genuína e irrepetível. Quando na década de 90, o Município de Palmela desafiou os produtores das freguesias de Marateca e Poceirão a apresentarem-se ao público na primeira Mostra de Vinhos de Fernando Pó, fê-lo com grande confiança no produto que ali existia. Gerações e gerações de vitivinicultores venderam os seus vinhos a granel, à porta de casa ou a grandes empresas e, hoje, não temos dúvidas de que a Mostra forneceu o impulso e a visibilidade necessárias para a criação de marcas próprias. Mais do que a indústria do vinho, é o carinho pela cultura do vinho e o saber-fazer de muitos séculos que se sente neste território que, realmente, tem feito a diferença na afirmação dos vinhos, das marcas e do enoturismo do concelho de Palmela.

S.M. – A Câmara tem apostado fortemente na marca Aldeia Vinhateira de Fernando Pó. Que investimentos e projectos estão previstos para esta zona do concelho? (Pode falar também do que já foi feito)

A.A. – Pelas suas características próprias, no coração das nossas freguesias rurais, junto à linha de caminho-de-ferro e de um conjunto de importantes adegas e elementos patrimoniais ligados ao setor, Fernando Pó reúne condições para, a partir do conceito de aldeia vinhateira, constituir-se como centralidade económica e de atração turística, sob a temática vitivinícola. O Município, em parceria com vários agentes locais, está a desenvolver, faseadamente, o projeto “Centro Rural Vinum”, que aposta na regeneração urbana, na promoção e valorização da cultura local e no incremento económico e turístico. Paisagem, agentes locais, atividades económicas e manifestações culturais são componentes fulcrais do plano de ação em curso. A requalificação do edifício da sede da Associação Cultural e Recreativa de Fernando Pó, apoiada por fundos comunitários, foi o primeiro passo e acabámos de adjudicar a empreitada de espaços públicos e arranjos exteriores, a iniciar em junho. É, também, de sublinhar, o projeto “Rotas das Vinhas do Pó”, que está no terreno há mais de um ano, com grande interesse. Trata-se de um programa de visitas enoturísticas a Fernando Pó, com transporte através de comboio a partir de Lisboa, promovido pela Casa Ermelinda Freitas, a Fernão Pó Adega e a Filipe Palhoça Vinhos, em parceria com o Município, a Associação da Rota de Vinhos da Península de Setúbal, a CP e a empresa “On Innovation”. A criação de um pólo de investigação, de um centro de interpretação do território e de um posto de informação turística são mais algumas das medidas previstas, que contribuirão para atrair novas atividades económicas complementares e aumentar a oferta.

S.M. – Perante a conquista de prémios internacionais e nacionais pelas adegas do concelho, considera que são embaixadores de Palmela pelo Mundo?

A.A. – Sem dúvida. Não era segredo a excecional qualidade dos vinhos aqui produzidos mas o reconhecimento nacional e internacional, em particular, através de concursos com prova cega, ajudou a quebrar alguns preconceitos que existiam lá fora, relativamente aos vinhos portugueses, e o elitismo do mercado europeu. Atualmente, os nossos vinhos estão em todo o mundo, arrecadam múltiplas medalhas e a sua qualidade e presença têm reflexos diretos no território porque o vinho é um produto que transporta consigo o ADN da terra onde frutificou, a identidade e a alma das gentes, estórias de família e tradição que abundam neste concelho. O consumidor atual é mais exigente e interessado e faz as suas escolhas com base, também, nestes pormenores que conferem caráter e muitos visitantes chegam, hoje, ao nosso concelho, atraídos por aquilo que os vinhos de Palmela já lhes disseram sobre nós.

S.M. – Como vê o continuar das novas gerações jovens à frente das principais adegas do concelho?

A.A. – O perpetuar da tradição por novos profissionais é essencial para a continuidade do setor e, no concelho de Palmela, essa condição está perfeitamente assegurada. Nas principais casas agrícolas, as gerações mais jovens prepararam-se academicamente para tomar as rédeas dos negócios, conciliando o legado familiar com novas competências, ao nível da produção e da enologia, mas também da gestão, do marketing e do turismo, que foram determinantes para elevar a atividade vitivinícola do concelho e da região ao patamar de qualidade que lhe reconhecemos. Este é um trabalho que exige um esforço contínuo de adaptação e reinvenção, num contexto de enorme concorrência, nomeadamente, ao nível de mercados emergentes.

Turismo: “Potencial do concelho é muito abrangente”

S.M. – A Câmara tem apostado também na marca Arrábida. Pensa que é aqui que está o grande potencial turístico do concelho?

A.A. – O potencial turístico do concelho é, felizmente, muito abrangente e diversificado e estende-se desde o enoturismo, que já focámos, ao riquíssimo património histórico, cultural e natural, passando pela gastronomia, o turismo religioso e muitos outros produtos e fatores de atratividade. A Arrábida toca muitos destes pontos e é, por si só, uma marca incontornável em Portugal, o que levou a Entidade Regional de Turismo da Região de Lisboa a defini-la como uma das suas cinco centralidades turísticas. Este imenso território tem merecido toda a nossa atenção e carinho e enquanto damos continuidade à candidatura da Arrábida a Reserva da Biosfera da Unesco (em parceria com Sesimbra e Setúbal, a AMRS, o ICNF e a ERTRL) estamos a desenvolver um conjunto de outros projetos que apostam na preservação dos ecossistemas da Arrábida, ao mesmo tempo que propiciam uma fruição adequada e valorizam os seus produtos e a relação íntima com as populações, que têm procurado este território privilegiado e estratégico há milhares de anos. Os três Municípios têm um conjunto de candidaturas a fundos comunitários, relacionadas com a Arrábida, como é o caso da “Janela da Arrábida”, que em Palmela incidirá sobre o Espaço Fortuna, em Quinta do Anjo. Trata-se de um projeto que apresentámos recentemente e que criará um Centro de Interpretação da Arrábida e um conjunto de valências para receber e orientar as/os visitantes.

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Rede das Cidades Criativas da Unesco: “Contamos entregar candidatura até final de Maio”

S.M. – Outra aposta da Câmara é a candidatura à Rede das Cidades Criativas da Unesco, na área da música. Como está esse processo?

A.A. – Está a correr muito bem e tem sido desenvolvido em parceria com a comunidade, sob o mote “Palmela é Música”. Não precisamos de inventar, porque é sobejamente conhecida a ligação do concelho à música: temos quatro filarmónicas de créditos firmados, várias orquestras, bandas e grupos corais, um Conservatório Regional e múltiplas escolas de música, uma profunda ligação ao folclore, ao cante alentejano, à percussão e à Gaita de Fole. Muitas gerações de músicos e maestros saíram das coletividades de Palmela para integrarem as principais orquestras nacionais e o nosso calendário anual está repleto de eventos ligados à música. Portanto, o nosso trabalho para esta candidatura tem assentado, principalmente, na recolha e no estudo académico deste importante património, com vista à sua valorização, e no estabelecimento de sinergias que permitam fortalecer a rede de parcerias e estimular a inovação e a partilha de experiências entre os vários agentes. Além dos fóruns e reuniões setoriais, este trabalho já resultou na exposição “Paisagem Sonora: a Gaita de Fole”, produzida pelo Município e patente no Museu de Música Mecânica, e a candidatura está na fase final de preparação, pelo que contamos entregá-la à Comissão Nacional da Unesco para uma primeira apreciação até ao final de maio.

Projetos em investimentos no concelho:

“Estamos numa fase importante de implementação e conclusão de intervenções ligadas a fundos comunitários”

S.M. – Quais os principais projectos e investimentos que pretende arrancar ainda este ano?

A.A. – Além do conjunto de projetos que já mencionei, estamos numa fase importante de implementação e conclusão de intervenções ligadas ao significativo pacote de fundos comunitários que conseguimos captar para o concelho.

O investimento no Parque Escolar está em conclusão, bem como a 2.ª fase da Ecopista de Pinhal Novo e a Ciclovia de Quinta do Anjo, a intervenção de natureza estrutural para evitar derrocadas nas encostas do Castelo e a Unidade de Saúde Familiar de Pinhal Novo (sul), e continuamos a aguardar o visto do Tribunal de Contas para darmos início à regularização da Ribeira da Salgueirinha, uma obra estruturante, adjudicada ainda em 2018. A nossa atenção encontra-se, também, muito focada nos objetivos de reabilitação urbana e, além do incentivo à intervenção de particulares nos seus imóveis, o Município está a procurar qualificar e consolidar o espaço público, com várias obras em curso ou a lançar este ano, por exemplo, no lado sul de Pinhal Novo, destacando-se o Largo da Mitra. Inserem-se aqui, também, intervenções nos jardins de Cabanas e Ferreira da Costa (Venda do Alcaide), a remodelação de vários Espaços de Jogo e Recreio e polidesportivos e a segunda fase da valorização do Jardim José Maria dos Santos (Pinhal Novo), que arrancará em julho. Ali perto, na antiga estação de caminhos-de-ferro, instalaremos, este ano, o Núcleo Museológico do Ferroviário.

Na vila de Palmela, destacaria a estabilização da encosta e a requalificação da Praceta de Cabo Verde, na Quinta do Outeiro, e a reabilitação de edifícios nobres, com reflexos na dinamização social e económica do Centro Histórico – caso dos Paços do Concelho e dos antigos edifícios da GNR e da rádio PAL, que irão acolher, respetivamente, o Centro de Investigação de Património Cultural de Palmela e um pólo de promoção e dinamização turística e de empreendedorismo. Queremos, também, avançar com a reabilitação estrutural da Capela de S. João Baptista.

A eficiência energética é outro dos eixos estratégicos deste mandato e além do trabalho que estamos a desenvolver em edifícios e equipamentos municipais, vamos fazer a substituição integral das luminárias das vilas de Palmela e Pinhal Novo por tecnologia LED.

Em matéria de equipamentos, estão previstas a requalificação do Centro Comunitário de Águas de Moura e do Polidesportivo do Poceirão, que será um pavilhão coberto, com múltiplas valências, bem como do Monte do Francisquinho, dando continuidade ao “ninho” de respostas sociais.

Avançaremos, também, com um pacote pesado na rede viária – perto de um milhão de euros – com novas fases da Infraestruturação da Lagoinha e com a ampliação da rede de águas residuais domésticas em Lagoa da Palha, Cajados e no eixo Portal Branco/Miraventos/Quinta Tomé Dias. A conclusão da primeira fase do HUB 10 – Plataforma Humanizada de Conexão Territorial, na zona de Vila Amélia, contará com a construção de uma rotunda para maior fluidez do trânsito e, entretanto, lançamos já o concurso para o projeto da segunda fase, com pavimentação da Estrada dos 4 Castelos, no troço compreendido entre S. Gonçalo e a chamada “rotunda da Makro”.

A não esquecer que este será um ano de forte dinâmica cultural e económica, e neste campo, arrancam já, em maio, os Mercadinhos d’A Moura, no âmbito de uma estratégia mais vasta de dinamização da baixa comercial de Águas de Moura, e vamos investir nos Mercados de produtores locais de Quinta do Anjo, Pinhal Novo e Palmela. Este ano será marcado por várias iniciativas de dimensão nacional e internacional, caso do Festival Internacional de Gigantes, do Festival Internacional de Saxofones de Palmela, da Feira Medieval e de mais um Encontro sobre Ordens Militares, que celebra 30 anos e reunirá os mais conceituados investigadores mundiais sobre a matéria.

Novo passe social intermodal:

“Revolução” na mobilidade na região

S.M. – No caso de Palmela, qual a importância do novo passe único Navegante Metropolitano e Navegante Municipal?

A.A. – Tenho apelidado a entrada em vigor do novo passe social intermodal de “Revolução” na mobilidade na região porque esta é uma questão que deve ser vista de um ponto de vista mais abrangente e alargado. Foi essa a visão e a aposta dos Municípios da Área Metropolitana de Lisboa que, independentemente do posicionamento partidário, perceberam a importância da medida para a qualidade de vida das suas populações e uniram esforços na criação da empresa Carris Metropolitana e na comparticipação do sistema. É esta perspetiva macro que nos permitirá ganhar escala para negociar com as empresas do setor e transformar, verdadeiramente, o panorama dos transportes na região e em cada um dos concelhos. Concretamente para o concelho de Palmela, que tem as características muito próprias que lhe conhecemos, dificilmente conseguiríamos as respostas que as nossas populações necessitam se trabalhássemos sozinhos. Aquilo a que assistimos em abril, com o lançamento dos passes Navegante, foi de extrema importância, com enormes ganhos financeiros para as famílias e um impacto muito positivo para o ambiente e a gestão das cidades, através do incentivo à utilização do transporte público, mas a principal mudança ainda está para acontecer. Trata-se do concurso público internacional para a concessão de transporte público rodoviário – um trabalho hercúleo, que inclui o conjunto de necessidades identificadas por todos os concelhos da AML, como é o caso da tão aguardada ligação de Quinta do Anjo e Cabanas aos Bairros Alentejano e dos Marinheiros e à Estação Ferroviária da Penalva, e será lançado até outubro. Temos estudado, também, na Câmara de Palmela, soluções de transporte flexível para os territórios periurbanos, que poderão ser a reposta para circuitos nas freguesias rurais, que não têm massa crítica suficiente para garantir carreiras tradicionais. Com passes a preços justos e novas concessões no terreno, com uma rede integrada para a região, associados ao trabalho que temos desenvolvido na articulação de parques intermodais gratuitos e implementação de soluções de mobilidade suave, falta o Estado Central acompanhar o investimento dos Municípios com as necessárias intervenções na rede viária nacional (no âmbito do Programa Nacional de Investimentos 2030, voltamos a reivindicar, por exemplo, a construção das variantes às EN 252 e 379, a requalificação das circulares sul e norte/acessos à Autoeuropa e a eliminação das portagens do nó da A2 entre Palmela e Setúbal), modernização da ferrovia e renovação do material circulante para que a mobilidade na região possa, realmente, responder aos requisitos necessários a uma área metropolitana moderna, ambientalmente sustentável e com mais qualidade de vida.