Albérico Afonso lança livro sobre Círculo Cultural de Setúbal

O presidente da Câmara Municipal, André Martins, destacou a importância do Círculo Cultural de Setúbal como ninho oposicionista nos últimos anos do Estado Novo, na apresentação de um livro do investigador Albérico Afonso Costa sobre aquela associação, que decorreu a 18 de maio nos Paços do Concelho.

Após referir que o livro “Círculo Cultural de Setúbal – De Ninho Oposicionista a Quartel-General da Revolução – O Redondo Vocábulo pela mão de José Afonso” ganha um “lugar destacado no relato da história” de Setúbal, André Martins afirmou que, além de “centro promotor e difusor de cultura”, o Círculo Cultural, fundado em 1969, foi um ninho oposicionista ao regime de Marcelo Caetano, deposto em 25 de abril de 1974.

“O Ninho Oposicionista onde germinaram vontades e forças que, mais tarde, seriam também importantes na sustentação do processo revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril em Setúbal. O ninho onde conviveram, inicialmente, como nos relata Albérico Afonso, diferentes forças que tinham como objetivo comum a criação e fruição da cultura nas suas diferentes vertentes, mas sempre com o objetivo de combater a ditadura”, adiantou o edil.

O autarca recordou que aquele foi “um espaço onde se debateu, onde se conspirou, onde se prepararam ações que ajudaram a combater o fascismo, onde, especialmente depois de Abril, fervilharam ideias e se andava a mil revoluções por minuto”, tendo por lá passado “tantos artistas, escritores e intelectuais” que “ofereceram sabedoria a gente ávida de saber sempre mais”.

O presidente lembrou que ali convivia “toda a esquerda setubalense que estava mesmo empenhada na revolução de Abril, mas acima de tudo empenhada na revolução que mudasse, definitivamente, velhas e decrépitas estruturas políticas, económicas e sociais”, tendo o Círculo Cultural sido, após o 25 de Abril, um “espaço de verdadeiro e intenso debate político” com José Afonso ou Dimas Pereira.

André Martins notou ainda que foi um “espaço de inovação e de liberdade” e de “entreajuda”, com uma secção escolar que proporcionava aulas que “ofereceram a tantos e tantos novas perspetivas, novos conhecimentos e novas capacidades”, bem como um espaço “de permanente troca de ideias, por vezes até de forma bem viva, e de permanente alegria e convívio”.

O livro, com 260 páginas e apresentado por Viriato Soromenho Marques, teve a edição integrada nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril em Setúbal, “Venham Mais Vinte e Cincos”, e assumida na totalidade pela Câmara Municipal, da paginação à impressão.

“A mim, como presidente da Câmara Municipal de Setúbal, resta-me apenas reafirmar o nosso empenhamento em enriquecer o conhecimento da nossa história local com o apoio a livros como este que hoje abre as suas páginas”, disse, salientando que, em 2012, a Câmara Municipal abriu a Casa da Cultura no edifício onde funcionou o Círculo Cultural de Setúbal, depois de o ter adquirido, em 2010, e reabilitado.

Segundo o autarca, a Casa da Cultura “honra” os fundadores daquela associação “e todos os que, como dirigentes ou associados, contribuíram para que fosse um polo de criação de cultura e um ninho de gente que ajudou a acabar com o regime fascista em Portugal”, abordando “as mais diferentes expressões culturais, honrando o que foi o exemplo inspirador do Círculo Cultural de Setúbal”.

Albérico Afonso Costa agradeceu o apoio da Câmara Municipal de Setúbal, notando que a autarquia manifestou “em vários momentos” interesse na preservação do património histórico da cidade, e a quem prestou a dezena de testemunhos que “mostram aspetos multifacetados de José Afonso” no Círculo Cultural.

“O livro é uma forma de homenagem a todos esses heróis que fizeram o Círculo Cultural de Setúbal, esse ninho oposicionista, essa trincheira de resistência ao regime que tanto incomodava a polícia política”, afirmou o investigador, sublinhando que essas pessoas fizeram oposição sem receber nada em troca “e numa altura em que não era fácil fazê-lo”.

Com uma “capacidade enorme de intervenção na sociedade”, o Círculo Cultural foi, como recordou, “uma espécie de viveiro de dezenas de opositores ao regime”, sendo um “espaço de tolerância política” – à qual “não é alheia a presença de José Afonso” –, no qual conviveram socialistas, comunistas, católicos e libertários.

Viriato Soromenho Marques, lembrou que o Círculo Cultural de Setúbal, que fechou portas em 31 de dezembro de 1998, teve 90 sócios fundadores, 18 dos quais mulheres, e que a PIDE sempre acreditou que se tratava de “um ninho de subversivos”, tendo introduzido um informador na associação, produzido vários relatórios sobre ela e prendido diversos sócios e colaboradores.

“Até ao 25 de Abril teve uma atividade pujante”, com sessões de literatura e cinema e, “sobretudo”, o trabalho realizado na secção escolar, disse, recordando que essa época é tratada na primeira parte do livro, enquanto a segunda ocupa-se do período pós-25 de Abril, marcada por algumas tensões no seio da associação.

A terceira parte mostra “o calvário e as perseguições” sofridas pelo professor, poeta e músico José Afonso, autor de “Grândola, Vila Morena”, uma das senhas da revolução de 25 de Abril, “um homem profundamente livre, mas também profundamente solitário”, dotado de uma “sensibilidade profunda” e então já com uma “saúde muito débil”.