Projeto solidário “Tacho Solidário”: “As refeições diárias chegam a cerca de 80 pessoas em situação de sem abrigo”

O projeto solidário “Tacho Solidário”, com quase dois anos de existência, tem sido uma resposta eficaz aos problemas dos sem abrigo e das famílias com dificuldades financeiras no concelho de Setúbal. Graças ao trabalho incansável das pessoas da nossa sociedade setubalense, que aderiram fortemente a este projeto, é possível servir diariamente uma refeição quente a centenas de necessitados que procuram ajuda nas instalações do CASA – Centro de Apoio aos Sem Abrigo. Cristina Augusto foi a “mãe” do “Tacho Solidário”, Natália Abreu Laureano apoiou logo, sendo incansável na organização, e um conjunto com outros seres extraordinários que confecionam as refeições levando os produtos necessários, fazem um trabalho notável a favor do próximo. Este projeto da sociedade civil, que já serviu mais de 40 mil refeições, é uma referência que deve ser apoiado por todos.

Setúbal Mais – Como surgiu a ideia de realizar o Tacho Solidário?
Natália Abreu Laureano
– A ideia é da Cristina Augusto! O seu a seu dono, como se costuma dizer. No início da pandemia, em Abril de 2020, o CASA – Centro de Apoio aos Sem Abrigo, ressentiu-se com a falta de apoios. As recolhas diárias nas lojas Pingo Doce (que apoiam a instituição) caíram significativamente com o recolhimento obrigatório e as recolhas nos restaurantes e em outras entidades que apoiam a instituição também sofreram uma quebra. Uma das voluntárias do CASA comentou com a Cristina que estavam a ficar sem o que dar de comer às dezenas de pessoas que recorrem diariamente ao centro para fazer as suas refeições. Nessa altura, com a ajuda de umas pessoas amigas, a Cristina fez o primeiro Tacho de feijoada e lançou o repto a alguns amigos para que fizessem algo do género. Inicialmente as pessoas faziam nas suas próprias casas e entregavam na instituição. Os primeiros tachos foram feitos assim. Em casas particulares ou nas sedes de algumas coletividades. Nessa altura o apoio era para cerca de 40 pessoas, mas o agravar da pandemia e o aumento de casos de desemprego colocou muitas pessoas à beira da rutura. Hoje as refeições diárias chegam a cerca de 80 pessoas em situação de sem abrigo (já atingiram a centena) e a cerca de dezena e meia de famílias apoiadas pelo CASA.


Setúbal Mais – Desde o início registou uma grande adesão da comunidade. Na sua opinião a que se deve esta adesão?
Natália Abreu Laureano
– Os setubalenses são solidários! Isso é ponto assente! As pessoas respondem sempre positivamente a causas sociais. O Tacho talvez tenha ganho uma dimensão maior também por força da originalidade da ideia que foi tendo alguma recetividade junto da comunicação social que falou imenso sobre o assunto. Depois porque as pessoas que fazem o Tacho sabem o destino daquelas refeições! Não estão a doar algo para um destinatário indefinido. Atualmente as refeições são, quase na totalidade, confecionadas nas instalações do CASA que dispõe de uma cozinha. As equipas que vão cozinhar passam umas horas com os voluntários, ficam a conhecer melhor a instituição e, quando acabam de cozinhar, cruzam-se muitas vezes com as pessoas que fazem fila à porta para receber a sua refeição. Isto ajuda a que as pessoas se apercebam da dimensão desta realidade! Puxando se calhar um pouco “a brasa à nossa sardinha”, como se costuma dizer, penso que o facto de eu e de a Cristina sermos pessoas relativamente conhecidas também ajudou! Acho que as pessoas confiaram em nós! Acreditaram desde o primeiro dia! E isso é muito gratificante!


Setúbal Mais – Estão quase a atingir a meta dos 500 Tachos Solidários. Que tipo de pessoas ou entidades adere a esta iniciativa?.
Natália Abreu Laureano
– No início, o Tacho era feito essencialmente por pessoas do nosso grupo de amigos e conhecidos. Foi assim que começou! Recordo que o primeiro Tacho que contabilizamos foi feito pelo Grupo Desportivo Independente após eu ter lançado o desafio à direção da coletividade para me ajudar na empreitada para a qual a Cristina me “arrastou”. Depois um amigo chamou outro amigo e foi crescendo a rede de contactos! Há equipas que todos os meses se juntam para oferecer um Tacho. A nossa página de facebook “O Tacho Solidário” tem cerca de quatro mil membros e uma média de 20 mil visualizações mensais! É através dessa página que organizamos todas as iniciativas. Desde o Tacho Solidário a campanhas pontuais de necessidades para a instituição. Neste último ano, para além da forte presença de particulares, o Tacho passou a ter também algumas empresas a apoiar na linha da frente! Empresas que entenderam que têm um papel social importante e que, em alguns casos, até encontraram no Tacho uma iniciativa de team building.


Setúbal Mais – O que é preciso para as pessoas participarem?
Natália Abreu Laureano
– Acima de tudo é preciso vontade! É natural que seja assustador para a maior parte das pessoas a ideia de cozinhar para 80 ou 100 pessoas! É uma empreitada que alguns podem não se sentir preparados para levar por diante, mas a verdade é que se houver vontade tudo se consegue.
Basicamente o Tacho funciona da seguinte forma: um grupo de cinco ou seis pessoas vai cozinhar uma refeição composta por sopa e prato principal (muitas pessoas oferecem também uma sobremesa). Fazem a recolha dos ingredientes necessários à confeção da refeição e deslocam-se ao CASA no dia combinado antecipadamente para cozinhar. Normalmente e porque um tacho tem um custo médio entre os 100 e os 150 euros, o que é costume é os grupos serem maiores na recolha dos bens e depois uma mão cheia de pessoas vai cozinhar. Um amigo dá as batatas, o outro as cenouras, alguém dá a carne ou o peixe, e por aí fora…
No CASA, diariamente, há equipas de voluntários que acompanha o processo e dá todas as ajudas necessárias. Nós já temos também um dossier com as quantidades necessárias para os diferentes pratos e ajudamos sempre que nos solicitam.


Setúbal Mais – Neste momento, esta ajuda chega a quantas pessoas? como é distribuído?
Natália Abreu Laureano
– Neste momento são apoiados diariamente, de domingo a sexta, cerca de 80 pessoas em situação de sem abrigo e mais de uma dezena de famílias carenciadas. A prioridade do Tacho são os sem abrigo, que fique registado! As pessoas que vão cozinhar ao CASA fazem cerca de 80 refeições para essa população. As famílias são apoiadas com alimentação que pode ou não ser resultante do Tacho Solidário. Por isso é tão importante que se continue a apoiar esta causa! As recolhas feitas nos supermercados ou em alguns restaurantes que apoiam o CASA servem também para ajudar essas famílias.


Setúbal Mais – Qual a mensagem que quer deixar à população de Setúbal para aderir a este projeto?
Natália Abreu Laureano
– Primeiro que tudo uma mensagem de enorme gratidão! Estamos a chegar ao tacho 500 (vai acontecer no dia 20 deste mês)! É um número extraordinário! Estamos a falar de mais de 40 mil refeições desde que iniciámos este projeto! Isto é maravilhoso! Confesso que está a ultrapassar todas as nossas expectativas!
As frases que sempre usamos e que são “O que damos não nos faz falta” e “Juntos somos mais fortes” são realmente uma verdade indiscutível! Nestes 20 meses de Tacho Solidário já passaram pelo CASA centenas de pessoas que ajudaram a levar algum conforto a quem mais precisa! Estes números merecem ser divulgados! E esta mensagem de agradecimento tem de ser feita.
A outra mensagem que quero deixar é: “Venham até nós! Juntem um grupo de amigos e venham fazer um Tacho!”. Um bocadinho de cada um de nós significa muito para quem recebe diariamente aquela refeição. E asseguro que saímos do CASA muito mais ricos do que entrámos! A realidade com que nos deparamos por vezes é chocante! Um verdadeiro murro no estômago para quem está habituado a viver no seu cantinho sem olhar duas vezes para o lado! Há fome em Setúbal! Há miséria e há necessidades básicas que o Estado (no seu todo) não consegue suprir! Não temos os sem abrigo da Avenida da Liberdade que dormem em bancos de jardim e estão à vista de todos, mas temos dezenas de pessoas a viver em condições sub-humanas e degradantes! Pessoas essas que merecem muito mais! E juntos nós conseguimos dar-lhe um bocadinho mais daquilo que merecem e não têm! Porque juntos somos realmente mais fortes!