Morreu o nosso bispo

Senti uma tristeza imensa quando soube da morte do primeiro bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, aos 90 anos, junto da sua família, em Leça do Balio, Matosinhos, sua terra natal, no passado dia 24 de Setembro. Foi a enterrar dois dias depois, 26 de Setembro, junto aos seus pais, conforme seu desejo expresso. Até na morte, D. Manuel Martins foi um homem simples, quis ficar junto dos seus, no cemitério próximo do mosteiro.

Manuel era o nosso bispo, único, aquele a quem apelidaram de “bispo vermelho” porque durante os 23 anos (1975 e 1998), denunciou o desemprego, a fome, o trabalho infantil, a vida em barracas, as maleitas da sociedade e os oportunistas políticos e empresários. Nunca se calou até morrer. Sempre a defender os que não tinham voz. Curiosamente sempre lhe deram ouvidos com o máximo de respeito por parte de todos os sectores da sociedade.

Foi nos anos 80 e 90, quando a fábrica da Renault fechou em Setúbal, criando uma grande bolsa de desempregados e encerramento de outras empresas, deixando milhares de famílias em situação de pobreza e fome, que D. Manuel Martins, exigiu uma resposta do governo de então, liderado por Cavaco Silva. Foi desencadeada uma operação de solidariedade com a criação de programas de luta contra a pobreza, liderados por Irene Aleixo, antiga governadora civil e também uma voz activa na defesa dos mais desprotegidos.

Nascido em 20 de Janeiro de 1927, em Leça do Balio, Matosinhos, Manuel da Silva Martins estudou no seminário do Porto e, mais tarde, na Universidade Gregoriana, em Roma. Foi pároco de Cedofeita, nos nove anos de exílio do bispo do Porto António Ferreira Gomes (1960-1969), durante o Estado Novo, e foi vigário geral após o regresso do prelado.

Em 1975, um ano após o 25 de Abril de 1974, foi o ano da nomeação de Manuel Martins para bispo da diocese de Setúbal, de onde só saiu 23 anos depois, em 1998. Ficou célebre a sua tomada de posse na Sé, onde cá fora, decorriam manifestações contra a igreja, no dia 25 de Outubro de 1975. Estávamos nos tempos quentes pós revolução e os partidos da esquerda viam em D. Manuel Martins um bode expiatório, facto que foi desvanecendo pelas suas atitudes de defesa dos pobres.

Jorge Ortiga, arcebispo de Braga, reagiu à notícia com uma mensagem publicada através da sua conta na rede social Twitter: “D. Manuel Martins, descanse em paz. Os pobres e os trabalhadores têm um intercessor no céu”. Possivelmente será mesmo assim. Onde estiver D. Manuel Martins, perante um cenário de injustiça para com o próximo, ele denunciará.

Numa entrevista concedida ao jornal Setúbal Mais, em 25 de Agosto de 2016, manifestava preocupação com o futuro da sociedade. “Olho para o nosso mundo, para este mundo, com a maior preocupação. Desaparecem os valores basilares de uma Sociedade sólida e, sem eles, nada se constrói: o nosso pior futuro rasteja aí no sub-chão e ninguém, em lado nenhum, mesmo no altar, onde se canta a vida, se pode considerar seguro”, afirmava, após saber do atentado em França em que terroristas mataram um padre quando celebrava uma missa.

Sobre o país disse: “o bem comum não faz parte nem das preocupações dos nossos políticos (honra a tantos que constituem a exceção), nem das instituições legais criadas para o promoverem. Dói-me muito o mau curso da nossa governação que (quase) só se preocupa com interesses pessoais, amiguistas ou de partido. O nosso parlamento, por vezes, mais me parece um campo de jogo de futebol, ainda por cima mal jogado, do que espaço sério e válido e de confiança onde se procuram as garantias mínimas para que a ninguém falte o pão de cada dia. Sente-se cada um em reflexão diante de um a um dos direitos humanos consignados na nossa constituição (24-79) e ouse depois dizer alto o que pensa”.

Descanse em paz!

 

NOTA: No dia 1 de Outubro pelas 16h00 na Sé de Setúbal, sita no largo de Santa Maria, será celebrada missa de sétimo dia por D. Manuel Martins. Uma homenagem do povo e da igreja ao homem que amava Setúbal.