Os ciganos portugueses têm baixos níveis de escolaridade, casam cedo e fazem da venda ambulante é a sua principal actividade económica. Este cenário é traçado num estudo que aponta ainda para o elevado desempregado e a dependência do Rendimento Social de Inserção. Mais de metade admite que já passou fome.
O estudo nacional sobre as comunidades ciganas, encomendado pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM), e para o qual foram entrevistadas 1.599 pessoas ciganas, dispersas por todo o território nacional, durante o ano de 2014 traça um cenário negro. Baixos níveis de escolaridade, dependência financeira da actividade ambulante ou do Rendimento Social de Inserção, desemprego elevado, casamentos precoces e carências alimentares são as principais conclusões.
A coordenadora do estudo salienta que uma das coisas que ressaltam são os padrões regionais, destacando haver “aspectos singulares” que variam consoante as regiões do país e que contribuem para a heterogeneidade entre os ciganos portugueses, tendo sido possível detectar três grandes grupos.
Um primeiro grupo é constituído por jovens até aos 34 anos de idade, com níveis de escolaridade muito heterogéneos entre si, com uma grande percentagem de pessoas que nunca trabalhou ou que não se consideram trabalhadores, havendo muitos que vivem na dependência de familiares. “Estas pessoas predominam em zonas como Estarreja, Ovar, [Santa Maria da] Feira e Barreiro e este é um grupo que se distingue” revela Manuela Mendes.
Um segundo grupo agrega pessoas mais velhas, com 45 ou mais anos de idade, que vivem em “condições mais deficientes ou com maior índice de vulnerabilidade”. Mais de metade não trabalha e “uma percentagem significativa” recebe o Rendimento Social de Inserção (RSI) ou outro tipo de prestações sociais. “Encontramos aqui reformados, domésticas, viúvos, e há uma maior incidência deste perfil em zonas do país como Castelo Branco, Santarém, Campo Maior e também no Algarve, em Lagoa. São pessoas que vivem em maior precaridade, com piores condições em termos habitacionais e de acesso a serviços e equipamentos”, frisa a investigadora.
O terceiro grupo é constituído por pessoas em idade activa e com família constituída ou estabilizada, com idades entre os 25 e os 34 anos de idade, muitos com o primeiro ciclo. Tem um maior número de trabalhadores, sobretudo pessoas que andam em vendas ambulantes ou trabalhadores por conta de outrem. “São pessoas mais abertas a amizades com pessoas não ciganas, têm redes de relações menos fechadas e são pessoas que, grosso modo, se concentram sobretudo em Almada, Guarda, mas também no concelho de Espinho e Vila do Conde”, acrescentou Manuela Mendes.
A investigação mostra também que, no que diz respeito à alimentação, quase metade (48%) admitiu ter passado fome, dos quais 18,6% disseram que foi entre uma a duas vezes por ano e 13,7% entre uma a duas vezes por mês.
Muitos (58,6%) afirmaram ter-se sentido discriminados por serem ciganos, tanto em contexto de trabalho, serviços, quer públicos ou privados, ou na escola, mas também é apontado que quando as comunidades ciganas “coabitam com outros grupos étnico-culturais” tem havido “alguns problemas de relacionamento, sobretudo com pessoas de origem africana”.
Por outro lado, os percursos escolares dos ciganos “são geralmente muito curtos, principalmente no caso das raparigas”, os casamentos acontecem em idades muito precoces (entre os 13 e os 15 anos) e parece dominar o culto evangélico, ligado sobretudo à Igreja de Filadélfia.
Manuela Mendes sublinha que é falsa a ideia de que os ciganos sobrevivem à conta de prestações sociais, defendendo que “uma percentagem grande trabalha”, só que muitas vezes não se trata de trabalho no mercado formal, com um contrato ou um salário.
O estudo faz um conjunto de recomendações como o reforço de alguns projectos, como o Programa Escolhas ou os mediadores culturais, e a capacitação das mulheres ciganas, principalmente através da aquisição de competências profissionais.