Entrevista com Frederico Rosa, presidente da Câmara Municipal do Barreiro:

“Câmara não quer vender Quinta do Braamcamp mas fazer um concurso público condicionado a defender os interesses do Barreiro”

Frederico Rosa, eleito em 2017, pelo PS, como presidente da Câmara Municipal do Barreiro, pondo fim a doze anos de domínio político da CDU, revela os principais investimentos para este ano, com destaque para a finalização do programa Polis, que se traduz na requalificação da frente ribeirinha, entre Coina e a estação fluvial. O autarca que considera 2018 como um “ano extraordinário”, pela modernização administrativa interna e o lançamento burocrático de um número recorde de processos de obras a avançar brevemente, e fala sobre a polémica da Quinta de Braamcamp. Frederico Rosa esclarece que não se trata de uma venda mas do lançamento de um concurso público que tem em conta os interesses dos barreirenses.

Florindo Cardoso

Setúbal Mais – Explique a sua posição em relação ao projecto da Quinta de Braamcamp?

Frederico Rosa – O terreno foi adquirido pela autarquia por cerca de 2,9 milhões de euros, em linha com o valor do mercado imobiliário. Uns meses antes, realizou-se um leilão do imóvel com um valor superior a 3 milhões e não houve comprador. Não se pode esquecer que a câmara comprou o imóvel ao banco, e ao mesmo tempo contraiu um empréstimo de 5 milhões ao mesmo banco, dos quais 2,9 milhões destinados à compra da quinta, tendo o suporte do preço pago pela autarquia resultado de uma avaliação imobiliária, baseada na capacidade construtiva do terreno, fazendo um bom uso dos dinheiros públicos. Daí, o anterior presidente da câmara ter feito declarações públicas a afirmar exactamente isso. Este enquadramento do processo é fundamental para não branquear ou desinformar a situação.

S.M. – Mas o que defende propriamente para a Quinta de Braamcamp?

F.R. – Este projecto para avançar terá de ser aprovado em reuniões de câmara e da assembleia municipal. Não há ninguém a decidir sozinho. Não tenho dúvida que a grande maioria da população quer que aquele território esteja disponível para os barreirenses, para quem nos visita, sendo usufruído em família ou com amigos, e em condições para que possa ser catalisador da criação de postos de trabalho, resolver problemas da cidade, como por exemplo reconstruir as casas senhoriais para instalar um hotel, mantendo o património. A grande maioria dos barreirenses quer é o desenvolvimento, progresso, criação de postos de trabalho e a fruição de um espaço público, que hoje se encontra com lixo, em ruínas e inseguro.

A Câmara do Barreiro não quer vender a Quinta do Braamcamp mas fazer um concurso público condicionado a defender os interesses do Barreiro para aquele espaço, sendo duas coisas distintas. A quinta tem 210 mil metros quadrados e o Plano Director Municipal (PDM) prevê a construção em 11 mil metros quadrados. Temos como condição reconstruir as casas senhoriais para uma unidade hoteleira, reconstruir o moinho e requalificar a Caldeira para usufruto público. Ganhámos o maior parque público no Barreiro e arredores, com cerca de 190 mil metros quadrados. Este será um verdadeiro espaço de fruição, com a infraestruturação e a manutenção do território a cargo do investidor. Defendemos um espaço com vida, não queremos que seja um território aprazível durante o dia e à noite inseguro e que com o passar do tempo fique descuidado.

Queremos devolver a Braamcamp aos barreirenses criando condições para que o projecto avance, defendendo os interesses da cidade, e colocando-o ao serviço de todos. Temos de nos deixar de utopias e perceber se queremos progresso na cidade ou protestar, obstaculizar ou, como no caso do Moinho, colocar providências cautelares para parar a obra. Estou convicto que a grande maioria dos barreirenses o que quer é que aquele espaço tenha condições para que todos possam usufruir dele.

S.M. – O que gostaria de ver ali é um grande parque público, com componente hoteleira e alguma habitação, para que fique integrado na cidade?

F.R. – Sim, dar sustentabilidade ao território. O que quero ver ali é o maior espaço público ao serviço dos barreirenses. Queremos criar ali um local de destino, um espaço com vida, para visitar, comer e passear. O Parque da Cidade do Barreiro, com 11 hectares, está rodeado de prédios e a grande queixa das pessoas é que durante a noite é inseguro. Não há âncoras para atrair pessoas. Na Quinta do Braamcamp, estamos a falar de um espaço muito maior, que não está no centro da cidade nem rodeado de prédios. É preciso garantir que o espaço tenha vida, que seja seguro e usufruído nas melhores condições.

Não vamos vender a Quinta de Braamcamp, esse é o grande erro da desinformação. Trata-se de um concurso público, condicionado a defender os interesses da cidade.

S.M. – O projecto pode avançar quando?

F.R. – É um projecto de longo prazo. Gostaria que a parte burocrática se concretizasse ainda este ano. O que vamos fazer é levar a reunião de câmara as condições para avançar com o concurso público ainda em 2019.

S.M. – Pode estar concluído em 2020/2021?

F.R. – Sim, na sua vertente administrativa e de arranque de obras. O mais importante é que a obra arranque para beneficiar a cidade e todos os barreirenses. Não há pressa em fazer uma obra qualquer.

Arrumar contas e lançar obra:
“O ano de 2018 foi extraordinário”

S.M. – Estes investimentos só são possíveis devido à condição financeira do município?

F.R. – É fundamental entender que 2018 foi extraordinário porque permitiu realizar duas vertentes importantes sem as quais não há investimento público. Lançámos muitas obras porque os processos administrativos são demorados, significando que obras que estão em curso resultaram do seu lançamento no ano passado. Para se ter uma ideia, 2018 foi o ano em que aprovámos mais processos de contratação pública na história da câmara, quase um processo por dia. É um trabalho invisível que resulta de uma máquina administrativa muito bem afinada e com capacidade de resposta para realizar obra. Por outro lado, sem boas contas públicas, não há investimento público.

O ano passado, tivemos a capacidade de ganhar um fôlego financeiro para investimentos mas também o fizemos com a redução do IMI, da Derrama e da factura da água, não actualizando os preços nestes dois anos, e avançámos com as condições para poder acomodar a tarifa social que poderá abranger 7 mil utentes. Estamos a criar condições para baixar o preço da água no próximo ano.

Ponte pedonal entre Barreiro e Seixal:
“Adorava ter a ponte mas a minha prioridade não ir a pé para o Seixal”

S.M. – Em relação à ponte pedonal entre o Barreiro e o Seixal, porque decidiu suspender o projecto?

F.R. –Trocamos o projecto da ponte pedonal por outro de mobilidade suave, e a candidatura já foi aprovada, não se perdendo o dinheiro. Percebo que quem não tem responsabilidade de pagar a factura queira tudo. Ir a pé para o Seixal é uma coisa que adorava mas este projecto, antes de sair do papel, já custava à autarquia do Barreiro mais um milhão de euros do que previsto inicialmente. Sabendo que numa obra em água os custos são mais improviseis do que uma obra em solo, a tendência é de que custo de 1,8 milhões aumentasse. Assumo isto com frontalidade. O Barreiro tem muitas necessidades e adorava ter a ponte mas a minha prioridade não ir a pé para o Seixal, temos tantos assuntos no concelho para resolver, nomeadamente na mobilidade suave, com intersecções de ciclovias, ligando a rua Miguel Pais à Recosta, e desta à zona do Polis, onde vamos intervir. Isto é que resolve os problemas das pessoas. O projecto pode ser concretizado mas este não é o momento, existem outras prioridades.

Investimentos:
“O investimento na compra de novos autocarros dos TCB, é o maior na história da autarquia”

Setúbal Mais – Quais os principais projectos previstos arrancar este ano e 2020?

Frederico Rosa – A conclusão da requalificação da zona Polis do Barreiro, uma frente ribeirinha que está há dez anos por acabar, entre o rio Coina e a estação fluvial. Aquilo que é hoje um mato e está inacabado vai transformar-se numa frente ribeirinha requalificada. Estamos em condições de lançar, ainda em Abril, o concurso público e, até ao final do Verão, começar a obra há muitos anos esperada pela população.

Acabámos de realizar uma obra muito importante, junto o edifício dos Paços do Concelho, no Campo das Cordoarias, que implicou o ordenamento do espaço e a renovação das condutas de água e saneamento que dão acesso ao Barreiro. É um trabalho invisível depois da obra concluída, e há várias semelhantes a decorrer no concelho, que vão dar suporte para que a cidade possa crescer e a infraestrutura esteja capaz de aguentar essa pressão.

Outra obra é a finalização do Moinho Pequeno, que se encontrava em ruínas e vai transformar-se num Centro Interpretativo da Actividade Moageira do Barreiro. Faz parte de um património que o concelho tem, e onde as pessoas podem ir aprender aquilo que foi a nossa história. O nosso desafio é abrir até ao final de Maio.

Estão também a decorrer três projectos muito importantes, a requalificação do Armazém de Víveres, que se encontra na fase do crédito e do visto do Tribunal de Contas e pensamos arrancar com a obra até ao final do ano. Os outros dois que se encontram na fase administrativa, são o “Start 21”, que compõe uma start up do Barreiro, e uma arena multiusos para receber desde actividades empresariais, feiras, exposições, a acções culturais. Pensamos arrancar com as obras ainda este ano.

O investimento na compra de novos autocarros para os Transportes Colectivos do Barreiro (TCB), o maior na história da autarquia. É um processo complexo, porque a candidatura foi devolvida pelo Tribunal de Contas, obrigando a uma decisão importante. Tinha sido apresentada uma candidatura para a renovação integral da frota de 60 autocarros, a pagar em 15 anos, com financiamento total, IVA incluído. O Tribunal de Contas devolveu alegando que não cumpria as regras básicas do investimento e da amortização dos bens e indicou que deveria ser paga em 10 anos e que o valor do IVA, no valor de 3 milhões de euros, ficasse fora do financiamento. Decidimos pagar em menos tempo, significando um maior esforço financeiro da autarquia, mantendo a decisão de adquirir os 60 autocarros. Temos capacidade financeira para fazer face a este investimento estruturante.

Estamos a atrair investimento para o Barreiro e a prova disso é o investimento do Grupo Espanhol Supera ou a a nova infraestrutura do Lidl que já está em obra. Ao lado, vamos transformar um espaço em terra batida, num parque de estacionamento em condições e adquirimos outro terreno, com as mesmas condições, sendo um problema para os moradores devido ao pó, sendo transformado em estacionamento regular. O Barreiro tem um problema de falta de estacionamento, sendo importante que estes espaços deixem de ser em terra, em pleno coração da cidade, são chagas. São obras importantes para a cidade e, essencialmente, para os moradores.

O Barreiro é uma terra de rio e de pescadores. Vamos realizar um grande investimento para criar melhores condições aos nossos pescadores, na Doca Seca, que vai incluir a reformulação do espaço, abertura da rua Miguel Pais para a avenida de Sapadores, a colocação de um cais flutuante e de uma máquina de gelo e arca frigorífica para guardar o pescado, uma grua para retirar os barcos da água e fazer uma rampa de acesso à água. Queremos dar mais dignidade a uma comunidade que no Barreiro sempre foi muito importante e, que infelizmente, trabalhava em condições deploráveis.

S.M. – O actual edifício do Lidl receberá os serviços operacionais da autarquia?

F.R. – Sim. Vamos passar o espaço dos serviços operacionais, actualmente sem condições dignas, para um edifício com todas as condições, onde funciona agora a superfície comercial. Estamos já a fazer toda a parte administrativa dos projectos para que, assim que o Lidl saia do actual edifício, a câmara comece a obra no último trimestre deste ano.

S.M. – Em relação aos outros investimentos…

F.R. – Temos o investimento espanhol de uma cadeia de ginásios “Supera”, em que esta já fez o pagamento das taxas urbanísticas e, tudo indica, que as obras se iniciem ainda em Abril. Vai disponibilizar um pavilhão desportivo e piscinas à população, uma grande carência da cidade. Com este investimento duplicamos a capacidade de oferta.

Aprovámos um processo que visa criar, em parceria com o Colégio Minerva, no Barreiro, um pavilhão desportivo, que servirá durante o dia a escola e à noite os clubes.

Outro projecto importante é de alojamento turístico para diminuir o problema de falta de camas no Barreiro. Há um ano resgatámos o edifício dormitório da CP para colocar em oferta de alojamento local. O processo burocrático já está concluído e vai entrar em obra. A nossa vontade de aumentar a oferta contribuiu para que os privados também investissem nesta área e o Barreiro vai crescer muito na oferta de camas.

Há um ano traçamos o objectivo da câmara avançar com um processo de modernização administrativa, com a informatização e digitalização dos serviços municipais, e hoje já está concluída e em funcionamento e até recebeu um prémio de reconhecimento do Observatório das Autarquias Locais.

S.M. Quanto ao Terminal de Contentores como se encontra o processo?

F.R. – Está na mesma fase, desde a resposta da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) ao estudo da Administração do Porto de Lisboa (APL). A APL pediu prorrogação de prazos porque há questões técnicas e complexas que terão de ser resolvidas. Obviamente, acompanhamos activamente o processo, mantemos a nossa posição. O Barreiro tem vocação portuária, já tem dois portos, um de granel e outro de líquidos. O terminal de contentores, situando em território industrial, merece a nossa concordância quando à localização, mas, para ser concretizado, terá de ter um estudo de impacte ambiental com parecer positivo.

Passes metropolitanos:
“Já notámos um acréscimo de 30% na emissão de passes”


S.M. – Com a entrada em vigor do Navegante Metropolitano como vai funcionar no Barreiro com os TCB?

F.R. – O que vai haver é uma marca única, que facilita a percepção dos utentes de que com este passe pode circular em toda a área metropolitana de Lisboa. Já notámos um acréscimo de 30% na emissão de passes, neste primeiro período. O que é importante não é a marca mas o operador interno e neste caso é os TCB, que continuarão com a sua autonomia no seu território, numa rede única. É um passo fundamental para os TCB se afirmarem na cidade e no distrito como um grande operador interno. Não só porque vão ter uma frota nova mas todo um Know-how alcançado ao longo dos anos que serviu o Barreiro e os concelhos limítrofes, como a Moita, Palmela, Sesimbra ou Seixal, contribuindo para uma sustentabilidade aos TCB, com mais oferta e a chegar a mais gente.

Esta passe vai ser o grande catalisador para ter mais gente a utilizar o transporte público e diminuir o transporte individual. Não temos ainda a noção do impacto desta medida, só o tempo o dirá, mas temos de preparar a oferta, e interligar com os diferentes operadores, para que o utente perceba que a rede é só uma. Está a ser feito um grande esforço de todos os municípios, dos técnicos e operadores, para que a medida corra bem.

S.M. – Considera que o passe metropolitano vai atrair novas pessoas ao Barreiro?

F.R. – Já acontece e não tenho dívidas de que o passe metropolitanoé um grande mecanismo para atrair pessoas ao Barreiro. Isto pela redução do custo, porque o preço deixou de ser um problema de mobilidade. Um casal com um filho que viva aqui beneficiará de uma redução de custos de 200 euros em passes. No caso do Barreiro, a integração no passe da Soflusa e da Fertagus, os dois interfaces para chegar a Lisboa, vai disponibilizar mais oferta. Com a nova frota e mais carreiras vamos ter mais capacidade de oferta para chegar à Fertagus em Coina, que actualmente é diminuta.