Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa
Antes de mais peço desculpa aos colaboradores dos órgãos de comunicação social por não ter acedido ao pedido para exprimir a minha reação à partida deste mundo de D. Manuel Martins. Não o fiz por ter perdido a capacidade de reação – que ainda se mantém muito fragilizada – e por saber que tudo o que pudesse dizer naqueles dias seria envolto numa descontrolada emoção. Por outro lado, só o silêncio total me preenchia a alma.
A morte é uma realidade intransponível e, para nós cristãos, a única porta de entrada na Vida onde não mais haverá “luto nem dor”. Eu creio, firmemente, que assim é. Mas isso não impede que a partida deste mundo, de quem amamos, não nos traga sofrimento e nos inunde os olhos de lágrimas de saudade. O mesmo aconteceu ao próprio Cristo.
No próximo dia 26 de outubro completam-se 42 anos de uma relação humana que começou por ser, simplesmente, eclesial, ou seja, de um bispo com um, entre muito outros, diocesanos para ir crescendo na amizade até chegar à condição equiparada à de amor filial.
A minha vida biológica, a educação alicerçada nos conhecimentos académicos e nos valores humanos, a iniciação na prática da religião católica, devo tudo isto aos meus pais que trabalharam muito e honradamente para ser quem tenho sido até agora. Mas D. Manuel, no plano religioso, fez- me nascer de novo. Deixei de ser, meramente, religioso e passei a trilhar os caminhos que os cristãos devem esforçar-se por seguir. Quando esta transformação se deu, tudo se tornou mais difícil, mas a fé que professo encontrou o seu verdadeiro sentido; a esperança deixou de ser uma atitude de “braços cruzados” à espera que do “céu tudo caia”, mas o dinamismo de quem tem um ideal “faz a hora, não espera acontecer”; a prática da caridade passou a ser um combate pela justiça e não uma forma de anestesiar a má consciência de um viver egocêntrico e egoísta. Acima de tudo, foi D. Manuel que me deu a conhecer o significado autêntico e o valor incomensurável da dignidade de cada ser humano.
Foram anos de uma relação humana fortíssima e muito verdadeira. Nunca teve receios do meu “protagonismo” social e eclesial, porque tinha a plena convicção de que era “maior” do que eu. Ficam na minha memória e no meu coração os bons e maus momentos vividos juntos ou narrados mutuamente e que tanto me enriqueceram.
A minha amizade com D. Manuel tornou-se num autêntico relacionamento familiar, em toda a sua profundidade, que uniu estreitamente a sua e a minha família. Tenho evidências claríssimas desta verdade. Por isso, nem a morte jamais quebrará esta ligação que, agora, passou a ter o tamanho da distância do Céu à Terra, até ao dia em que Deus nos fundir aos dois, e a todos os que nos amaram e amámos neste mundo, a Ele no seu Eterno Abraço.