Em pleno século XXI, e no contexto em que vivemos, sensibilizar para a vigilância de saúde das nossas crianças é fundamental. É nesse sentido que o papel do Pediatra e do especialista em Medicina Geral e Familiar é essencial, ao ajudar os pais, desde o nascimento até ao fim da adolescência, na vigilância, manutenção e promoção da saúde, assim como na prevenção e tratamento da doença.
Este acompanhamento reveste-se de importância crescente tendo em conta a era digital em que vivemos, na qual, embora sejam inegáveis os benefícios que a evolução industrial e tecnológica nos tem dado, são cada vez mais os estudos que demonstram o seu impacto negativo na saúde das nossas crianças e adolescentes. O ser humano, nunca antes tão sedentário nem tão consumidor de fast-food como hoje, tem incorporado na sua rotina tablets, smartphones e outros gadgets digitais. E estes hábitos iniciam-se cada vez mais cedo e de forma cada vez mais intensa.
A obesidade infantil constitui um problema crítico e os números são alarmantes. Estima-se que, na Europa surgem, todos os anos, cerca de 400 mil novas crianças obesas ou com excesso de peso, o que faz com que 20% das nossas crianças esteja neste grupo. Para além da obesidade, a saúde oral está também entre os principais problemas globais de Saúde Pública. A Organização Mundial da Saúde estima que entre 60 a 90% das crianças em todo o mundo apresentem cárie dentária e outras doenças periodontais.
Rotinas de Saúde.
Começando pela gestação, esta deve ser por si só planeada e vigiada, assim como definido o local de nascimento e conhecidos os apoios existentes. Muitos pais têm, inclusive, uma consulta pré-natal com o Pediatra, sendo esta uma janela de oportunidade excelente para retirar dúvidas, desfazer mitos e crenças e estabelecer um plano de seguimento após o nascimento.
Na maternidade, após o nascimento, é entregue a todos os bebés o Boletim de Saúde Infantil, um livro que alia informação útil sobre o crescimento e desenvolvimento das nossas crianças, ao registo dos profissionais que as acompanham das ocorrências e evoluções que vão tendo ao longo da vida. Este livro deve “crescer com eles” e acompanhá-los sempre. É também entregue o boletim vacinal e administrada a 1ª dose da vacina da Hepatite B.
Na 1ª semana de vida do bebé, entre o 3º e o 6º dia de vida, deve ser realizado o rastreio de doenças metabólicas – chamado “teste do pezinho” – importante porque permite detetar doenças graves cujo sucesso do tratamento é tão maior quando mais precoce for o diagnóstico.
A primeira consulta deve ser feita o mais cedo possível, de preferência na 1ª semana após a alta da Maternidade, de modo a avaliar o processo de chegada a casa, a alimentação, os cuidados de higiene e ao coto umbilical e a progressão do peso.
Daí em diante são feitos exames clínicos para vigilância do crescimento e desenvolvimento, com uma periodicidade variável de acordo com a idade e etapa em que se encontram.
Nos primeiros 6 meses, os pais devem fazer uma vigilância mensal ou bimensal pois os aspetos iniciais de nutrição e desenvolvimento são importantes. No entanto, a promoção da saúde nestas consultas vai mais longe, incluindo temas como o sono, a prevenção de doenças infetocontagiosas e de acidentes, a prática desportiva e de lazer.
Nesse sentido, a partir dos 6 meses de vida deve ser mantida uma vigilância trimestral e, a partir dos 18 meses, semestral. À medida que vamos avançando em termos de idade, as consultas vão-se tornando anuais e passam a centrar-se em temas novos (imagem corporal, sexualidade, dificuldades de relação entre pares e conflitos geracionais) típicos da adolescência, uma fase preenchida por muitas dúvidas e angústias que, por vezes, só com ajuda se conseguem ultrapassar.
Sinais de Alerta
Todos os que acompanhamos a saúde das crianças devemos ter a noção da normalidade, das variações em torno dela, mas também das situações de desvio, em que é preciso referenciar a outras especialidades. É necessário ter presentes os sinais de alerta mas sobretudo a noção de que, em termos de vigilância, quanto mais precocemente se detetar e atuar melhor. Aos pais cabe o papel fundamental de, ao conhecer a criança melhor do que ninguém, conseguir perceber que algo não está bem e transmitir essa informação na consulta. Devemos livrar-nos de antigos dogmas, como “a criança vai falar quando for para a creche” ou “ela não fala porque tem o freio curto” ou “ele é tímido porque esteve sempre em casa com a avó”.
Em qualquer idade, o contacto ocular pobre (bebé que não sorri e não interage com os outros) ou choro inconsolável mesmo quando confortada pelos pais, a agressividade excessiva, os movimentos repetitivos, a obsessão por determinados objetos ou rotinas, e a falta de interesse nas pessoas (sejam adultos ou crianças), surgem como sinais globais de alerta.
A importância de vigiar as nossas crianças na forma e tempo adequados é fundamental no contexto e sociedade em que vivemos. Fast-food, sedentarismo, redes e gadgets sociais alimentam desde os primeiros anos de vida graves problemas de saúde como a obesidade, as doenças cardiovasculares, as dependências, os distúrbios do comportamento alimentar e a ansiedade/depressão. E vigiar as nossas crianças é tão importante ao nível da promoção de hábitos de vida saudáveis como na identificação de determinado problema, seja ele uma patologia ou uma alteração de comportamento. Em todos a deteção precoce parece ser o elemento-chave na redução e resolução de problemas futuros, bem como na criação de gerações de adultos saudáveis.
Inês Marques e Helena Neves, pediatras no Hospital CUF Descobertas e Clínica CUF Montijo