A queda do XX governo

A queda anunciada do XX governo desde a noite eleitoral de 4 de Outubro concretizou-se anteontem, dia 10 de Novembro com as moções de rejeição dos partidos da esquerda – PS, Bloco de Esquerda, PCP e Verdes – a serem aprovadas na Assembleia da República. O executivo liderado por Passos Coelho, do PSD e Paulo Portas, do CDS-PP sobreviveu apenas doze dias, desde a tomada de posse a 30 de Outubro até 10 de Novembro, e ficará na história como o governo com menos tempo de vigência nos últimos quarenta anos de democracia.

O país viveu nas últimas semanas um intenso debate político como nunca se viu. António Costa, que se foi derrotado nas legislativas de 4 de Outubro, ao conseguir um acordo histórico com o bloco de Esquerda, o PCP e os Verdes, transformou-se no vencedor e ao que tudo indica será o próximo primeiro-ministro de Portugal. Aconteça o que acontecer, este facto histórico será lembrado para sempre pelo insólito na vida política portuguesa. Há um mês era impensável o virar do tabuleiro do jogo de xadrez político, onde os vencedores transformaram-se em derrotados no parlamento.

O nosso sistema política semi-presidencial torna o foco da vida democrática na Assembleia da República, cabendo ao Presidente da República nomear e demitir governos. Tudo depois passa pelo parlamento e foi isso que aconteceu pelo facto da esquerda ter maioria absoluta, ou seja 122 deputados contra os 102 do PSD e CDS-PP.

Fazendo um pouco de história, esta foi a 30.ª moção de rejeição a um governo e a segunda a passar. A primeira aconteceu com um governo de iniciativa presidencial há 37 anos, nos primeiros passos da democracia com o então primeiro-ministro Alfredo Nobre da Costa, em Setembro de 1978. Há mais de dez anos que não se debate uma iniciativa do género.

A história começa antes dos governos promovidos pelo Presidente Ramalho Eanes. Em 1979, o PS de Mário Soares venceu as eleições e promoveu uma aliança improvável com o CDS que levou o PSD e o PCP a avançarem com moções de rejeição ao programa do governo. Na votação, PS, CDS e os independentes Galvão de Melo, Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira, salvaram o governo, contra o PSD, que votou com a esquerda da UDP. O PCP absteve-se apresentando um texto próprio que também chumbou. Esse governo durou um ano e a solução que se lhe seguiu foi a de Nobre da Costa, que caiu às mãos dos mesmos PS e CDS que tinham enfrentado a primeira iniciativa do género.

A dança de alianças não terminou aqui. Repetiu-se na tentativa de rejeição, pelo PCP, do governo do PSD de Carlos Mota Pinto, em que o CDS já esteve ao lado do PSD a votar contra e o PS se absteve. Os partidos da direita voltaram a unir-se para tentar rejeitar o programa e o governo de Maria de Lurdes Pintasilgo que se manteve pouco mais que os cem dias inicialmente previstos.

Nos anos seguintes, já com governos eleitos, as moções não abrandaram. Francisco Pinto Balsemão, do PSD, experimentou seis em pouco mais de dois anos, em duplicado pelos mesmo autores: PS, ASDI e UEDS (juntos na Frente Republicana e Socialista); PCP; MDP/CDE. Já Cavaco Silva, do PSD, entre 1985 e 1991, enfrentou sete moções de rejeição no parlamento. Este ritmo foi cortado pelo primeiro governo minoritário de António Guterres, do PS, que, no entanto, não foi poupado no segundo mandato, com o BE a estrear-se no parlamento e neste ataque político ao lado do PSD, que também avançou com um texto, ambos para chumbar.

Desde Pedro Santana Lopes o uso deste instrumento político desapareceu. A última vez que foi usado foi precisamente em Julho de 2004, altura em que Durão Barroso se demite para ir presidir a Comissão Europeia, com Presidente Jorge Sampaio a empossar Santana Lopes e por iniciativa de cada um dos partidos da oposição: PS, PCP, BE e PEV. Daí a oito meses os socialistas estariam no governo com José Sócrates, mas não graças a esta rejeição que não passou.

A 10 de Novembro, no final de dois dias de debate do programa do governo PSD/CDS, as moções de rejeição foram aprovadas e criou-se a hipótese de um governo de esquerda que nunca se experimentou.