Chileno Mono González alerta para importância do muralismo para a liberdade

O vereador da Cultura da Câmara Municipal de Setúbal, Pedro Pina, sublinhou a importância das mensagens transmitidas em murais na luta pela liberdade, numa numa conferência com o muralista chileno Alejandro “Mono” González realizada, a 5 de setembro, no Museu do Trabalho Michel Giacometti, em Setúbal.

“Tão importantes são as mensagens, as palavras e as imagens que os muros de tantos territórios, de tantas cidades, de tantas ruas, de tantos ‘pueblos’ nos puderam trazer e fazer acreditar que vale a pena lutar por essa liberdade”, afirmou Pedro Pina durante o encontro, integrado nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril em Setúbal, “Venham mais Vinte e Cincos”.

A presença em Portugal de Alejandro “Mono” González, o mais antigo muralista em atividade, decorre no âmbito do projeto “Histórias Que as Paredes Contam – 50 Anos de Muralismo em Setúbal”, coordenado por Helena de Sousa Freitas, cuja tese de doutoramento no ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa) incidiu sobre esta temática.

O projeto contempla cinco conferências, a execução de cinco murais por artistas plásticos de diferentes gerações, a organização de duas exposições de fotografia, o lançamento de um álbum de histórias e imagens do muralismo em Setúbal e um documentário sobre o processo criativo de todo o projeto.

A iniciativa tem como parceiros a Câmara Municipal de Setúbal, o Instituto Politécnico de Setúbal, o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal/AMRS, juntas de freguesia do concelho e a Sociedade Musical e Recreativa União Setubalense.

“Este projeto tem todo o sentido, quando nos aproximamos a passos largos dos 50 anos do 25 de Abril”, considerou Pedro Pina, recordando que “o 11 de setembro de 1973 foi uma marca trágica na história contemporânea”, por o golpe de estado no Chile ter imposto uma “ditadura tão sangrenta como foi a de Pinochet”, após a governação de Salvador Allende representar um “sonho que foi possível em tão curto tempo”.

Helena de Sousa Freitas lembra que Mono González, o primeiro convidado do projeto, “tem muitas histórias da sua experiência de quando esteve na campanha que levaria Salvador Allende a presidente do Chile e de como teve de viver na clandestinidade quando Pinochet tomou de assalto o poder”.

Por isso, considera que “falar do papel do mural em todo este contexto histórico, da sua importância para a memória e para a identidade dos povos, pode dar um testemunho muito interessante”.

Mono González afirmou-se como “um trabalhador da arte, mas também um cidadão e um militante”, e recordou que o muralismo passa testemunhos para que as pessoas possam entender os acontecimentos do dia a dia.

“A cultura popular é muito importante”, defendeu. “Quando vamos pintar a um lugar contamos que as coisas mudem. E é parte da aprendizagem da rua: muda a luz, a distância, o ângulo e a velocidade do espetador. No muralismo não se paga entrada nem há horário, a rua também tem essa diferença.”

Depois de recordar que durante a campanha para a eleição de Salvador Allende como presidente do Chile foram criadas brigadas de jovens que tinham por missão pintar murais em todo o país, trabalhando clandestinamente de noite, e que durante o seu governo “houve uma presença muito grande de murais e de murais de grande qualidade”, disse que tudo mudou com a instauração da ditadura de Pinochet.

“Quando houve o golpe e chegou a ditadura, a primeira coisa que fizeram foi apagar tudo, porque era uma cultura perigosa, uma cultura de liberdade, uma cultura alternativa”, contou. “Houve companheiros mortos, um estava a pintar na rua e foi morto. O problema não era seres preso.”

O artista, éreconhecido mundialmente pelos murais de temática social realizados em países como Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, China, França, Itália, Ucrânia e Vietname.

Mono González, 76 anos, licenciado em Desenho Teatral pela Universidade do Chile, teve como inspiradores nomes como Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros e foi um dos criadores da Brigada Ramona Parra, estrutura de intervenção artística de rua com papel muito ativo na campanha popular responsável pela eleição de Salvador Allende.

A conferência realizou-se um dia após se assinalarem 53 anos sobre a vitória eleitoral conseguida por Salvador Allende em 4 de setembro de 1970 e poucos dias antes de passarem 50 anos sobre o golpe de estado liderado por Augusto Pinochet.

A subida de Pinochet ao poder, em 11 de setembro de 1973, e a instauração da ditadura militar que durou até 1990, obrigaram Mono González a entrar na clandestinidade e a trabalhar, sob nomes falsos, em carpintaria, teatro e cinema, para poder sustentar a família.