Televisões persistem em acções enganosas

O problema persiste há vários anos e já mereceu diversos avisos de alerta por parte de várias entidades responsáveis como a ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social) e dos defensores dos direitos dos consumidores. Em causa estão os anúncios divulgados pela RTP, SIC e TVI, ao longo de vários horas, nos programas diários e de fim-de-semana que pressionam os telespectadores a fazerem chamadas de valor acrescentando em troca de habilitação ao sorteio de um chorudo prémio, sempre na ordem de milhares de euros, mas que é atribuído através de um cartão de débito (tipo multibanco) e não em dinheiro como a maior parte da população pensa, e tem um prazo de vigência de apenas de um ano.

No início deste mês de Fevereiro, o Conselho Regulador da ERC entendeu que foram praticadas “acções enganosas”, nomeadamente nos programas “Portugal no Coração” e “Aqui Portugal”, na RTP, “Queridas Manhãs”, “Boa Tarde” e “Portugal em Festa”, na SIC e “A tarde é sua” e “Somos Portugal”, na TVI, por darem a entender que o prémio seria atribuído em dinheiro. Nesse sentido, deliberou aplicar três contra-ordenações à RTP, à SIC e à TVI devido “a práticas enganosas e agressivas” em concursos com participação telefónica.

A deliberação que foi tomada pela ERC a 3 de Fevereiro resulta do visionamento, que decorreu de participações feitas à Entidade Reguladora e incidiu entre Maio e Julho de 2014, altura em que foi assinado pelas três televisões um acordo de auto-regulação em matéria de concursos com participação telefónica.

Segundo a ERC, a prática de acções enganosas assentou no facto dos respectivos programas darem a entender que o prémio seria atribuído em dinheiro e agressivas devido à forma e ao tempo em que era feita a promoção. A RTP, SIC e a TVI incorrem em coimas até 40 mil euros, cada uma.

O problema é mais grave do que parece à primeira vista. Isto porque os grandes consumidores deste tipo de programa são, na sua maioria, pessoas idosas e que vivem em condições financeiras difíceis. Ora, ao servem alvo de um “bombardeamento” sistemático de mensagens, por parte dos apresentadores dos programas, nomeadamente pelo facto de apelarem sempre a uma chamada de valor acrescentando (0,60 euros mais IVA, dando 72 cêntimos), leva a que idosos, com parcas reformas, acabem por cair na propaganda enganosa e gastar parte da sua reforma, na participação neste tipo de concurso, ao longo do mês.

A situação é gravosa porque os consumidores só dão conta do custo com a participação neste tipo de concurso no final, ao serem confrontados com a factura telefónica mensal, pelo que sentem dificuldades em pagar a mesma.

Estas chamadas de valor acrescentado representam um lucro de vários milhões para as televisões e operadores de comunicação. Em 2015, já houve uma quebra de receitas em consequência de dois factores: primeiro, a auto-regulação baseada num acordo entre as duas estações de televisão privadas e que determina que só possam ser feitos apelos à participação das pessoas nos concursos num total de cinco vezes por hora e têm de ser muito bem esclarecidos os termos do sorteio; em segundo, as acções das operadoras de telecomunicações que proibiram muitas pessoas de ligarem para os números começados por 760 devido às avultadas dívidas que estas pessoas têm.

Assim, em 2015 a SIC teve uma perda de 49,5% nas receitas oriundas das chamadas de valor acrescentado para participação em concursos, tendo alcançado apenas 5,9 milhões de euros em receitas, quando em 2014 o valor tinha sido de 11,6 milhões de. Já a TVI registou, entre os períodos indicados, uma queda nas receitas mais moderada na ordem dos 1,5 milhões de euros, traduzindo-se numa redução de 13 milhões para 11,5 milhões de euros.

Perante tantos milhões de receitas, as televisões deverão continuar com este modelo de programação porque talvez valha a pena pagar as multas. O que são 40 mil euros contra os milhões ganhos.