O 25 de Abril não tem nada a ver com o que se vive actualmente no País

Entrevista a Odete Santos antiga deputada do PCP

 

Ao Semanário Setúbal Mais, Odete Santos fala de um País “apagado”, mas afirma que a revolução foi algo que valeu a pena. Fala da sua experiência enquanto deputada e dirige algumas palavras às novas gerações de políticos bem como a Passos Coelho. A jovem que veio da Guarda para Setúbal diz-se “velha”, lamenta viver “isolada”, mas sempre “virada para o futuro”.

 

Luís Geirinhas

 

Semanário Setúbal Mais – O que pensa da situação actual do País, decorridos que estão 40 anos do 25 de Abril?

Odete Santos – O 25 de Abril não tem nada a ver com o que se vive actualmente no País. A situação é muito má e até me faz lembrar aquele poema da “Mãe pobre de gente pobre”. É um País que está com uma taxa de desemprego elevadíssima, porque esta não está realmente a diminuir, porque não se conta com a emigração ou com as pessoas que deixaram de se inscrever nos centros de emprego porque desanimaram. É um País que tem uma taxa de pobreza elevadíssima e com tudo isto a população sofre. Portugal é um País apagado e numa vil tristeza como Camões disse sobre a situação naquela altura.

 

S.S.M. – Ainda assim valeu a pena o 25 de Abril…

O.S. – Valeu, porque conquistámos muitos direitos e alguns que estão na Constituição ainda têm servido para derrotar objectivos do Governo através das decisões do Tribunal Constitucional. Valeu a pena ter conhecido a felicidade que tivemos, porque as coisas não desaparecem. O sentimento de frustração, que eu também sinto muitas vezes, é superado pelas recordações sobre a Liberdade de expressão, sobre as Liberdades que herdámos do 25 de Abril.

 

S.S.M. – Vivemos uma época que está a ser marcada por diversas regressões sociais. Como encara essa situação?

O.S. – Tanto no âmbito da Segurança Social como na Educação, são regressões imensas e passamos por muitas… É evidente que não estou de acordo, há outra maneira de governar o País, começamos a fazer cortes aqui e ali, só que depois o Povo estoira de fome. É uma situação caracterizada por muita regressão no campo dos direitos sociais, logo nos direitos às Liberdades.

 

S.S.M. – Na sua longa experiência como deputada na Assembleia da República, quais os momentos que mais a marcaram naquela instituição?

O.S. – Houve vários momentos, mas diria que foi a questão do Aborto ou as discussões acerca dos vários pacotes laborais, que o Governo de Cavaco Silva ia apresentado para ir cortando direitos dos trabalhadores e que as pessoas já se esqueceram. O Presidente da República é cúmplice da actual política, pode dizer o que quiser mas é, foi ele que deu a mão a este Governo quando entrou em crise. Foram também as discussões, mesmo em sede de Comissão, onde aprendi muita coisa, como a procriação medicamente assistida, em que tive de estudar livros de medicina, o que me marcou muito porque me enriqueceu bastante, em termos de ciência ou de sabedoria, de ter aprendido a razão de ser da configuração de determinadas leis. Foram tópicos que marcaram a minha actuação na Assembleia da República.

S.S.M. – Ainda gostava de lá estar por esta altura?

O.S. – Sim mas ao mesmo tempo não gostava. Sinto saudade dos debates parlamentares, mas estar por lá num momento em que não se conseguem vitórias no campo das votações é complicado… mas o que se diz por lá é muito importante e as pessoas ouvem. Devo dizer que estou muito desiludida com a comunicação social nacional, ainda há dias ouvia uma entrevista a um fascista… Por outro lado têm transmitido bem as frustrações das pessoas quando encaram certos debates, se ouvirmos o Primeiro-ministro isto está tudo numa boa, o País não está mais pobre mas mais rico, só não sei onde é que ele encontra essa riqueza.

S.S.M. – Continua bastante atenta ao que se passa na vida nacional…

O.S. – Sim, mas a presente crise exige conhecimentos que a mim me falham. Estamos a falar de uma crise que é social mas também política. Embora tenhamos um Governo que parece que está lá para cumprir a Legislatura toda, penso que vivemos numa crise política muito grande, bem como a nível da Europa que vive uma crise política acentuada, desde logo repare na ascensão dos movimentos neonazis por essa Europa fora e o caso da Ucrânia é típico, entre outros casos.

 

S.S.M. – Podemos falar de uma certa “nostalgia” de intervenção por sua parte?

O.S. – Não gosto da palavra nostalgia porque dá ideia de saudosismo e não tenho saudosismo nenhum, embora tenha um medo terrível da morte, mas sou uma pessoa virada para o futuro e tenho a noção que isto não vai durar para sempre. Há um determinado momento, não sei quando, em que se dá um clique na cabeça das pessoas, em que se apercebem de quem são os verdadeiros culpados de chegarmos à situação que chegámos.

 

S.S.M. – Que diria às novas gerações que querem iniciar agora uma vida na política?

O.S. – Estou muito confiante na Juventude. Numa altura em que participei em debates de diversas escolas, encontrei jovens muito lúcidos e que percebiam perfeitamente os problemas porque estavam a passar. Embora seja algo impossível, diria para não emigrarem. Diria aos jovens que podem fazer o sacrifício de ficar que o façam e que ajudem a construir um Portugal novo. Lutem!

 

S.S.M. – E a Pedro Passos Coelho, o que diria?

O.S. – Demita-se senhor Primeiro-ministro, porque não é que não saiba Governar o País, mas está a saber levar a água ao seu moinho, porque quis destruir as leis laborais e está quase a conseguir a destruição completa com a permissão dos despedimentos sem justa causa. Quis cortar na Segurança Social e retirar direitos às pessoas e está a conseguir isso. Quis dar uma machadada na Educação, que hoje é algo que é só para ricos. Há muitos estudantes a desistirem de estar na faculdade porque não têm dinheiro e casos em que as cantinas servem menos refeições porque as pessoas levam o comer de casa por não terem dinheiro para gastar. O Primeiro-ministro sabe muito bem o que está a conseguir, é um adepto das ideias neoliberais e é nesse sentido que leva o País para o abismo.

 

S.S.M. – O teatro e a poesia ainda continuam a ter um papel importante na sua vida, agora que tem mais tempo?

O.S. – Quanto ao teatro, já ninguém me convida para fazer nada, apenas vou dizendo uns poemas aqui ou ali porque é uma iniciativa isolada e que posso fazer sozinha. Vou teatralizar “A Casa de Eulália” e noutro dia convidaram-me para ir recitar Fernando Pessoa ao São Luiz. Não tenho mais actividade, agora é que podia haver convites, mas também por estar velha agora já não sirvo para o teatro. (risos) Além de haver convites é necessária uma vivência em grupos e, neste momento, estou bastante isolada, vivo com os meus cinco cães e uma gata que tenho, e isso não favorece nada a expansão nessa actividade teatral que implica um colectivo.

 

S.S.M. – Por estes dias que antecedem a comemoração do 25 de Abril, como vê a defesa dos direitos das mulheres?

O.S. – Talvez sejam as principais vítimas das medidas de austeridade, porque por surpreendente que seja, penso que a taxa de actividade das mulheres subiu nos últimos inquéritos estatísticos, o que só indica que ganham pior do que os homens, por isso os despedem e mantém as mulheres. De qualquer forma, são vítimas desde logo na Segurança Social, por serem mulheres e por isso têm reformas muito abaixo dos homens. Os direitos das mulheres estão ameaçados nos apoios sociais e é preciso continuar a lutar.

 

Retrato

Maria Odete dos Santos nasceu a 26 de Abril de 1941, em Pega, na Guarda. Prestes a fazer 73 anos é filha única e desde cedo veio viver para Setúbal, onde já se encontra há 63 anos. Formada em Direito, foi por diversas vezes deputada pelo Partido Comunista Português, tendo sido agraciada com a medalha de Grande Oficial da Ordem do Infante Dom Henrique.

 

Legendas:

 

“Diria aos jovens que podem fazer o sacrifício de ficar, que o façam e que ajudem a construir um Portugal novo. Lutem!” – Odete Santos

 

“Demita-se senhor Primeiro-ministro, porque não é que não saiba Governar o País, mas está a saber levar a água ao seu moinho” – Odete Santos