Entrevistas

Alexandrina lança dois livros com testemunhos femininos sobre o 25 de abril: “É em defesa dessa Liberdade que apresento este projeto”

Alexandrina Pereira vai lançar dois livros, em junho e julho, um em Setúbal “Liberdade no Feminino”, e outro em Palmela, “ABRIL- nome de Mulher”, com cinquenta testemunhos femininos, em cada um do respetivo concelho, sobre o 25 de abril. A poetisa salienta que é uma homenagem à sua mãe, “silenciada e triste”, e conta com testemunhos de várias gerações, entre os 40 e os 82 anos, que “para muitas foi de grandes privações e sofrimento” e de diversos sectores da sociedade, advogadas, autarcas, administrativas, professoras, atrizes, cantoras, gestoras, domésticas, auxiliares de limpeza, entre outras.

Florindo Cardoso

Setúbal Mais – Como surgiu a ideia de publicar estes dois livros, um Setúbal e outro em Palmela, sobre o 25 de abril?

Alexandrina Pereira – A ideia surgiu quando recebi das câmaras municipais de Palmela e de Setúbal o convite para integrar as Comissões de Honra que assinalam os 50 anos do 25 de Abril. Nasci em Setúbal mas a minha vida familiar está há 40 anos em Palmela. Não fazia sentido desenvolver este projeto apenas onde nasci ou apenas onde moro. A data que este ano assinalamos tem muito significado para mim. Não que eu (como a maioria dos portugueses), tivesse muita consciência do país ditatorial e opressivo em que vivíamos, mas porque sofri com a partida dos meus dois irmãos e do meu namorado (hoje meu marido) para uma guerra que ceifou tanta juventude, As lágrimas da minha mãe, como de tantas outras mães, ficaram em mim e nunca as esqueci, e também porque vivi o silêncio da minha mãe, trabalhadora rural, que começava a trabalhar antes do sol nascer e terminava quando o sol se escondia. Isto era escravatura. É em homenagem à minha mãe “silenciada e triste” que os dois livros contêm apenas depoimentos no feminino. No dia 25 de Abril nasceu este novo país que, embora com alguns erros cometidos, (a democracia é assim), continua livre e é em defesa dessa Liberdade que estou neste projeto que apresentei em ambas as autarquias e que aceitaram sem reservas a minha proposta. É um desafio enorme porque eu tive que contactar 50 mulheres da região de Setúbal e outras 50 de Palmela. Não foi difícil obter 100 testemunhos, mas… era necessária uma primeira abordagem para explicar o que eu pretendia e encorajá-las a partilharem memórias de um tempo que para muitas foi de grandes privações e sofrimento. Felizmente todas aceitaram partilhar as suas histórias relacionadas com o que viveram ou lhes foi transmitido (algumas nasceram após 25 de Abril) sobre como era viver em Portugal antes da mudança e em que país vivemos agora num misto de esperanças e desilusões. Tudo descrito livremente. Sem “lápis azul”.

Setúbal Mais – Que tipo de personalidades convidou para escrever sobre esta temática?

Alexandrina Pereira – Fiz o possível, e penso que consegui, para obter uma diversidade bastante abrangente no que se refere a uma maior amplitude de classes sociais, económicas e de idades variadas entre o antes e o depois de 1974. Nas classes sociais, os livros reúnem testemunhos de mulheres que têm formação superior a outras que nem a 4.ª classe conseguiram tirar. Testemunhos de advogadas, autarcas, administrativas, professoras, atrizes, cantoras, gestoras, domésticas, auxiliares de limpeza. Testemunhos diferentes, marcantes da diferença social que marcou o Portugal do antes do 25 de Abril. Quanto às idades, os testemunhos vêm de mulheres entre os 40 e os 82 anos.  Muito interessantes os depoimentos de quem nasceu já em liberdade! Que sorte a minha ter lido em primeira mão palavras tão conscientes, que me levam a acreditar e a dizer: Não voltaremos atrás!

Setúbal Mais – Que tipo de testemunho fizeram?

Alexandrina Pereira – Muitos dos testemunhos são memórias de quem as viveu, portanto, é a sua própria história que é partilhada no livro. O que lhes foi pedido foi que essas memórias recuassem ao antes de Abril e pedia-lhes depois que descrevessem o que no entender da cada uma encontraram neste Portugal em que vivemos atualmente.

Setúbal Mais – Dos testemunhos, quais os que mais a marcaram?

Alexandrina Pereira – Não é fácil responder. Cada um que me chegava era um turbilhão de emoções. Cheguei a chorar ao ler muitos deles. Principalmente os que recuam no tempo e descrevem um passado sem tempo para serem crianças porque fazia falta o dinheiro pago por qualquer trabalho nos campos, mesmo quando apenas tinham 8 ou 9 anos. Destaco dois testemunhos que “ilustram” a diversidade vivida nesse tempo. O primeiro de uma mulher que descreve a vida miserável que a levava a matar a fome (dela e dos irmãos) numa cantina de apoio social. O pai era pescador e a mãe conserveira. Vida dolorosa que ela ultrapassou com o passar dos anos e que a levou a ser uma ativista sindical que incomodava os “patrões” para proteger os trabalhadores. O outro é de uma mulher que nasceu em família de muitos recursos e que partilhou no seu testemunho o facto de nunca se ter apercebido do país de proibições em que viveu. Despertou após o 25 de Abril e hoje é uma das grandes defensoras da Liberdade.

Setúbal Mais – Para quando está previsto o lançamento e como pretende que seja essa cerimónia?

Alexandrina Pereira – As apresentações estão previstas, já com dia marcado em Palmela a 13 de julho. Em Setúbal será em junho mas ainda sem dia marcado. Deixo ao critério das duas autarquias o local e a forma de o apresentar.

Setúbal Mais – Estes livros contaram o apoio das autarquias locais?

Alexandrina Pereira – Quando apresentei os projetos coloquei a seguinte sugestão: o meu trabalho é gratuito em homenagem ao 25 de Abril e às mulheres em particular, mas as edições seriam sustentadas pelas autarquias, e ambas aceitaram sem reservas.

Setúbal Mais – O livro conta com prefácios?

Alexandrina Pereira – O livro de Setúbal, cujo título é “Liberdade no Feminino”, tem o prefácio escrito por Mónica Duarte, do Departamento da Cultura da Câmara Municipal de Setúbal. Na contracapa ficam inscritas algumas palavras do presidente do município, André Martins. No livro de Palmela, cujo título é “ABRIL- nome de Mulher”, o prefácio é escrito por Maria João Camolas, vereadora da Cultura e tem o posfácio do presidente do município, Álvaro Balseiro Amaro.

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