A Poesia é para dançar…

Integrando o programa da Semana da Dança que o Município está a promover, a Academia de Dança Contemporânea de Setúbal, com a Pequena Companhia/Little Company celebrou Sexta-feira, 29 de Abril, no Fórum Municipal Luísa Todi, o Dia Mundial da Dança, com a estreia de “Sonetos”, uma nova produção especialmente encomendada pela Comissão para as Comemorações de Bocage nos 250 do Nascimento.

“Sonetos”, verdadeira polifonia para os sentidos são Música, Poesia, Canto, arrojada coreografia e concepção cénica (de Iolanda Rodrigues), Luz (de Miguel Ramos), Figurinos (de Marina Sacramento) e, claro, Dança.

Enfim, um feliz “encontro inesperado do diverso” (segundo poema de Gabriela Llansol) ou conjunto harmonioso de multimeios narrativos que, em dialogal corpo a corpo (esse persuasivo e incontornável território de Eros e reiterada habitação de Bocage), nos deixam autêntica impressão, indício, vislumbre mesmo da perfeição.

A apresentação de “Sonetos” revelou-se assim, pela concepção inabitual a que assistimos, um espetáculo de Arte quase total (escrevemos quase, apenas porque não recusamos ainda à Ópera o atributo que Wagner concedeu a este género musical).

Uma assinatura artística de excepção, definitivamente de referência no panorama da Dança que se produz em Setúbal, íamos a dizer, até por todo o País.

Importará agora que este magnífico trabalho não transite, simplesmente, para o já imenso arquivo da digna Comemoração dos 250 Anos do Nascimento de Bocage que a Câmara Municipal de Setúbal vem promovendo e patrocinando desde 15 de Setembro último.

“Sonetos” merece ser reapresentado e completar uma itinerância que revele esta brilhante obra de Dança realmente contemporânea, também a outros e novos públicos da Região e para além dela.

Os temas musicais, de excelência, inspirados em sublimes poemas de Bocage são interpretados com as presenças do compositor e músico António Lopes Gonçalves e da cantora Dora Fidalgo, de preciosa voz. A dupla acompanha as movimentações das jovens bailarinas, num misto que ainda mais enriquece todo o trabalho e no-las revelam, inequivocamente, como promissoras profissionais do Ballet (ou da Dança, já que nós, confundidos e fora do meio, não sabemos sempre distinguir o que os especialistas do género pretendem que designe uma ou outra ou a mesma arte).

Como quer que seja, as bailarinas como que reescrevem ou sublinham aqui, numa crescente graciosidade dialogal de movimento, a breve mas interessante selecção da substancial e sonora matéria poética de Bocage que dá título a este novo trabalho da Pequena Companhia da Academia de Dança Contemporânea de Setúbal.

Entendemos mesmo que todo o espectáculo mereceria mais: ser definitivamente registado em suportes audiovisuais para que não se torne efémero o esforço e se perca a memória de uma tão conseguida obra programática que evoca, prestigia e honra o grande Poeta nacional que foi Bocage, aliás, de obrigatória projecção internacional como é, justamente, o propósito das Comissões Científica e Executiva que vêm conduzindo a grande evocação e a homenagem em curso.

Em “Defesa do poeta”, Natália Correia, outra notável escritora, postulou certa vez para os “subalimentados do sonho” que “a Poesia é para comer!“.

Exaltados com a belíssima peça que presenciámos arriscamos ampliar a vital função da Poesia, igualmente como complemento nutricional do espírito.

Porque a Poesia é para dançar!…

Horácio Manuel Pena