Um lugar com história: Convento e Igreja de Jesus (actualização)

O Convento de Jesus expõe mais de 30 peças do acervo do Museu da Cidade, numa espécie de roteiro cronológico, entre o final do século XIV e o século XX.

O Convento e a Igreja de Jesus, localizados na praça Miguel Bombarda em Setúbal, constituem marcos do estilo manuelino, por vezes também chamado de gótico português tardio, que se desenvolveu no reinado de D. Manuel I (14º Rei de Portugal).

A construção destes edifícios ocorreu no século XV, na sequência da intenção de Justa Rodrigues Pereira, ama de leite do futuro rei D. Manuel I, tendo sido iniciada em 1490 e, ao que tudo indica, finalizada em 1496. Para o efeito contou com o apoio e a adesão dos soberanos, primeiro de D. João II (13º rei de Portugal), que era também governador da Ordem de Santiago, e de D. Leonor, e depois do próprio D. Manuel I, tendo Justa Rodrigues Pereira conseguido obter as licenças necessárias e introduzir no Convento monjas seguindo os princípios legados por S. Francisco de Assis e por Santa Clara.

O local escolhido para a construção era na altura extramuros do burgo, conforme usual para os conventos, e a mesma foi conduzida pelo mestre Diogo Boitaca, nome que acabaria por ser uma referência do estilo manuelino, assinando trabalhos em monumentos como o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém ou o Mosteiro da Batalha.

O início da construção da Igreja revestiu-se de um aspecto curioso, já que D. João II, ao deslocar-se a Setúbal, para fazer uma novena e assistir à primeira missa no local da futura Igreja, considerou diminutas as dimensões previstas para a mesma. Posteriormente, na cerimónia de lançamento da primeira pedra, D. João II e Justa Rodrigues Pereira mediram, eles próprios, o comprimento e largura do claustro do convento com os ajustes incluídos.

A fundadora do Convento teve dois filhos do bispo da Guarda, D. Fr. João Manuel, tendo reservado a capela-mor da igreja de Jesus para sepultura do primogénito (D. João Manuel), e dos filhos e netos que este viesse a ter, e um carneiro sepulcral junto ao coro para o secundogénito (D. Nuno Manuel), tendo Justa Rodrigues Pereira sido sepultada no meio da casa do capítulo.

O “sapal”, em que os edifícios foram construídos era amplo e no qual se passou a realizar a feira de S. Tiago. Atraíam-se, desta forma, àquele local contribuintes em esmolas para as obras da ordem religiosa. Os edifícios receberam considerável destaque com a doação, feita por D. Jorge de Lencastre filho bastardo de D. João II e Mestre da Ordem de Santiago, do extenso terreno fronteiro, no qual mandou erguer um cruzeiro (originalmente situado em frente da cabeceira da igreja).

De referir que a pressão urbanística em torno do Convento e da Igreja de Jesus foi sempre significativa, tendo D. Manuel I, por carta de 10 de Dezembro de 1500, confirmada por D. João III, a 23 de Março de 1526, considerando tal inconveniente, proibindo qualquer edificação diante dele.

Em 1888, com a extinção das ordens religiosas, o Convento foi convertido no Hospital da Misericórdia, que ali funcionou até 1959. A Igreja de Jesus, assim como o claustro e a Casa do Capítulo do Convento, foram classificados como monumentos nacionais desde 1910 e 1933, respectivamente.

Posteriormente, em 1961 passou a albergar o Museu de Setúbal, o qual ficou encerrado ao público durante mais de duas décadas, tendo sido devolvido à cidade em Junho de 2015, após obras de estabilização e reconstrução. Actualmente estão expostas no Convento mais de 30 peças do acervo do Museu, numa espécie de roteiro cronológico, entre o final do século XIV e o século XX, incluindo a obra “Calvário – Cristo Crucificado, Nossa Senhora, São João e Santa Madalena”, doada pela Fundação Büehler-Brockaus, e a pintura “Bocage e as Musas”, de Fernando Santos.

De referir que, parte do acervo do Museu encontra-se exposta na Galeria Municipal (localizado em plena Avenida Luísa Todi), com especial destaque para o retábulo de pintura da Igreja do Convento de Jesus da primeira metade do século XVI, “obra-prima” de um dos maiores pintores portugueses do século XVI, Jorge Afonso, que já foi apresentada em várias cidades europeias, como Sevilha, na Expo 92.


A Igreja do Convento de Jesus de Setúbal na evolução da arquitectura Manuelina 

Geralmente a autoria da construção do Convento de Jesus é atribuída, sem reservas, ao arquitecto Boutaca. No entanto, de acordo com Pedro Dias, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, na área de História da Arte aposentado em Setembro de 2011,  no âmbito do estudo global da arquitectura manuelina que desenvolveu e do contacto directo com obras de indubitável autoria do arquitecto Boutaca (Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra), fez com que duvidasse da comum atribuição.

“O que hoje se vê na Igreja do Convento de Jesus de Setúbal  não é obra de Boutaca, excepto talvez as paredes laterais do corpo do templo, mas sim de um arquitecto estranho à tradição nacional, que destruiu o que estava levantado da fábrica quatrocentista, e que edificou o que hoje se vê, pelos anos próximos aos do fim da primeira década de quinhentos”, refere Pedro Reis. Este não nega “com isto a hipótese de ter sido Boutaca o construtor do edifício levantado durante o tempo de D. João II, mas esse desapareceu quase que totalmente, devido à sua modéstia”.

Acrescenta ainda Pedro Reis que a Boutaca “só se pode atribuir seguramente a obra de Santa Cruz de Coimbra, e para qualquer atribuição de autoria é essa que tem que de ser tomada como padrão e não qualquer outra, seja por aproximação estilística seja por aproximação estrutural”.