Poeta João Paixão vai a enterrar amanhã

O funeral de João Manuel Faleiro Paixão realiza-se amanhã, 4 de Setembro, pelas 14h30 no cemitério da Paz (Algeruz), onde será cremado.

O corpo do poeta setubalense estará na capela da Nossa Sra da Conceição (av. Bento Jesus Caraça), em Setúbal a partir das 17:30 do dia de hoje, 3 de Setembro e até às 14h00 de amanhã, 4 de Setúbal.

Nascido no bairro do Troino, João Paixão, tal como o nome era um homen de paixões, sobretudo pela defesa dos mais pobres, e do Vitória Futebol Clube. Desabafava nos seus poemas, faleceu a 1 de Setembro, aos 62 anos de idade.

Conhecido pela sua frontalidade, controverso, um homem assumidamente de esquerda, não tinha medo das palavras e defendeu sempre um mundo melhor para os mais desprotegidos.

Para Manuel Véstias, presidente da Junta de Freguesia do Sado, e amigo pessoal do poeta, firma ter ficado “completamente triste” com a “perda um camarada de trabalho, da luta , um puro ser humano é ficar desventrado”.

“Para o meu camarada João vou recordá-lo para sempre os momentos da luta na Renault Setubal, os primeiros de Maio, as palavras de satisfação pelo trabalho autárquico que venho desenvolvido pelo grande colectivo”, frisa o autarca.

“Será sempre o camarada joão poeta que através da escrita nos indicava os caminhos do respeito da pessoa humana.
Quero endereçar as minhas condolências á sua famila, ao grande colectivo sindical e a todos os seus amigos e poetas pela perda deste grande ser humano da poesia”, conclui.

 

João Paixão escreveu o seu auto retrato:

 

Auto retrato

Nasci entre povo do mar
que no mar cavava o pão
para a fome mitigar
na falta dum deus irmão

sempre a fugir à sina
que nos mandava pró mar
bem cedo na oficina
à “canga” me fui ajeitar

sem viver ao abandono
fui amigo e fui irmão
trabalhei sempre sem dono
labutei sempre pelo pão

trabalhei de forma séria
e hoje já reformado
com a pensão de miséria
lá vou cumprindo meu fado

tenho pão e agasalho
sem esquecer os afectos
e se não tenho trabalho
tenho mil beijos pra netos

e amanhã, mais velhinho
quando chegar o Sol pôr
revejam-me com carinho
para mitigar minha dor

absolvam pecados meus
lembrem as rimas que rimei
fui só poeta, não fui deus
e alguns versos vos deixei

2018-05-25
João Paixão

Numa emotiva carta de despedida intitulada “Silêncio que morreu um Poeta”, o filho, João Paixão, escreve:

“Hoje, 1 de Setembro de 2018 morreu o “Pobre Poeta”, que enriquecia o mundo daqueles que o rodeavam com as suas estrofes, que enriquecia o meu mundo e o mundo dos meus.

Controverso mas frontal, não rimava para agradar a ninguém. Sempre tomou as lutas dos outros as suas próprias lutas, na luta por um mundo mais justo, um mundo melhor.

Não olhava a nomes (que o diga o Mário Soares coitado quando foi fazer política para o pé de ti, logo de ti Pai…vá paga-lhe uma cerveja se o encontrares), não se amedrontava nem nunca se rebaixou perante ninguém nas suas lutas, nas lutas pelos seus ideais de justiça social.

Nunca se vendeu e preferiu uma vida honesta e digna a uma vida melhor mas igual à de tantos outros.

Incansável na defesa dos seus e do seu/nosso Vitória. Estou certo Pai que a partir de hoje a polícia no estádio vai ter mais descanso junto à “vedação”, àquela risca que tu teimavas em não ver para gritares pelo nosso Vitória!

E por falar em Vitória, Pai, hoje empatámos no Jamor, naquele Jamor onde ganhámos a taça, naquele Jamor onde festejámos com o “nosso menino”, lembras-te Pai?
Fomos todos equipados a rigor, naquele que foi um dos dias mais felizes da nossa vida! Eu nunca me esquecerei Pai….

Logo eu que tantas vezes removi os vírus do teu computador, desta vez não consegui, desta vez foi mais forte que eu e do que nós Pai.

Mas ele só te conseguiu bater nos instantes finais, no prolongamento. E foste tu quem ditou o final do jogo.
Sim, porque só partiste quando quiseste…nunca antes de eu poder chegar a casa e ter os meus 10 min, para me despedir de ti pela última vez Pai.

Mas sabes que mais Pai? Ele também não se ficou a rir.
A ganância que teve em consumir-te, em ser cada vez maior, em reproduzir-se e em ser mais poderoso às tuas custas, levou-o a morrer contigo Pai.

Faz-me lembrar as lições de vida e os valores que me passaste, valores esses que transmito aos meus, aos nossos, Pai.
Lutar para sermos mais e melhor, mas sempre sem pedinchar e sem nos encavalitar-nos em ninguém para conseguir lá chegar – sigo isto à risca Pai.

Hoje ficam as histórias, as memórias, as peripécias mas essencialmente o teu sorriso e o teu sentido de humor Pai.
Ah, e fica também aquele parafuso misterioso que vivia no teu dedo e que ninguém sabe como lá foi parar…

Espera…ficam também dezenas de homenagens, dezenas Pai, dos teus amigos reais e virtuais que espalham encanto hoje no Facebook com os teus poemas e com homenagens à tua pessoa. Ficam também as centenas de mensagens que terei de responder de pessoas que eu nem conheço mas que te conheciam Pai.

Por fim, deixo por esta via e apenas porque me pediste (sabes bem que não sou destas coisas de escrever coisas para ti que nunca não vais ler, irra que teimo em fazê-lo…é só hoje Pai), o poema que escreveste para o momento em que partisses. Testamento como o apelidaste.

Testamento

Quando meu olhar se apagar
Nem pensar sequer queria
Que houvesse alguém chorando
Por quem parte e vai chegar
Onde todos chegam um dia
Ao pó terra enfim voltando

Carpideiras não quero, nem velas
Ao meu redor, só gente amiga
Que não lembrem pecados meus
Talvez no céu hajam janelas
E abrindo-as então consiga
Finalmente falar com Deus

E quando o meu pó ao pó tornar
E eu embora indiferente
Na terra fixar minha meta
Peço, não deixem ninguém chorar
Não riam, mas avisem toda a gente
Silêncio, morreu um Poeta

João Manuel Faleiro Paixão, o Pobre Poeta

Até sempre Pai e dá um abraço muito apertado ao Mano!”