Ministério Público investiga contas da Misericórdia de Setúbal: Irregularidades de meio milhão de euros

O Ministério Público está a investigar as contas da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal (SCMS). Em causa estão alegadas irregularidades nas despesas não orçamentadas entre 2008 e 2012, nomeadamente deslocações, prémios e outras remunerações que podem atingir o meio milhão de euros. O provedor, Cardoso Ferreira, garante que desconhece qualquer inquérito em curso e diz-se disponível para prestar todos os esclarecimentos.

 O Ministério Público (MP) está a investigar alegadas irregularidades nas contas da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal. Está em causa uma suspeita de utilização indevida de centenas de milhares de euros da instituição.

A polémica na Misericórdia de Setúbal surge a poucos dias das eleições marcadas para 26 de Novembro, em que o actual provedor se recandidata a um quinto mandato consecutivo, tendo como adversário o antigo vice-provedor, Nuno Carvalho, eleito em 2012 (na lista de Cardoso Ferreira), mas que se demitiu em Fevereiro de 2014.

O empresário Nuno Carvalho, actual presidente da Comissão Política Concelhia do PSD de Setúbal, afirma que, enquanto vice-provedor, procurou tornar a gestão da misericórdia mais transparente e eficiente, acrescentando que se demitiu quando percebeu que não conseguia alterar a situação.

O candidato disse ainda que, durante muito tempo, nem ele nem os outros membros da mesa administrativa tiveram acesso a elementos contabilísticos fundamentais, incluindo os balancetes, acrescentando que, quando finalmente lhe foram disponibilizados esses documentos, constatou a existência de uma grande desequilíbrio financeiro nas contas da misericórdia, que tinha, na altura, “uma dívida superior a dois milhões de euros”.  “Procurei tornar a gestão da Misericórdia mais transparente e eficiente. Quando esses desígnios fundamentais, que assumi por inteiro, se tornaram inviáveis por acção e omissão do provedor, apresentei-lhe a minha demissão”, sublinhou Nuno Carvalho, acrescentando, no entanto, que desconhecia a existência de eventuais “desvios” de dinheiro.

As críticas à gestão de Cardoso Ferreira começaram há mais de três anos, quando o então secretário, Sousa Pinto, denunciou a alegada falta de transparência das contas.  “Se eu tivesse provas na mão, teria feito a denúncia ao Ministério Público, como, provavelmente, agora alguém, que não eu, terá feito. Como não tinha essas provas, limitei-me a alertar que havia algumas despesas que deviam estar orçamentadas, mas que, durante alguns anos, estiveram sempre disfarçadas”, disse Susa Pinto, lembrando que saiu da misericórdia em Setembro de 2012.

Segundo uma fonte dos órgãos sociais da Misericórdia de Setúbal, o definitório (conselho fiscal) está a tentar investigar eventuais irregularidades que pudessem ter sido dissimuladas nas contas de gestão dos últimos anos. “O definitório quer apurar o que se passou, mas, na passada quinta-feira, foi impedido de aceder às contas da misericórdia”, disse a fonte à agência Lusa, estranhando o facto de terem sido negados elementos contabilísticos ao órgão que têm a função de fiscalizar as contas da misericórdia.

Confrontado com as acusações

Provedor nega irregularidades

O provedor da Misericórdia de Setúbal, Cardoso Ferreira que, para além das suspeitas de alegado desvio de verbas, também é acusado de ter feito adiantamentos de valores avultados a duas directoras da instituição – directora financeira e directora de recursos humanos -, garante que estes adiantamentos são legais e que, em determinadas circunstâncias, as misericórdias têm a possibilidade legal de adiantar dinheiro a funcionários, que depois vão repondo o montante em dívida.  “Neste momento temos mais de 30 funcionários que beneficiam do apoio da misericórdia”, admitiu Cardoso Ferreira, negando qualquer favorecimento das duas directoras.

Confrontado com o valor da rubrica “deslocações e estadas do balancete” da Misericórdia de Setúbal relativo a 2009, que ascendia a mais de 54 mil euros, valor que alguns elementos dos órgãos sociais consideram excessivo e que não estaria devidamente orçamentado, Cardoso Ferreira disse que a referida rubrica incluía pagamentos a diversos profissionais liberais, que “recebiam parte dos honorários em quilómetros e estadias”.  “A partir de janeiro de 2014, as Finanças mudaram as regras e deixou de ser possível pagar parte dos vencimentos através desta rubrica”, justificou Cardoso Ferreira, adiantando que “alguns desses elementos foram integrados no quadro de pessoal e outros passaram a receber os honorários, integralmente, através de recibos verdes”.

O provedor da Misericórdia de Setúbal afirmou ainda que, nos últimos anos, de 2008 a 2015, terá gasto 50 mil euros (valor médio de 595 euros/mês) em deslocações e despesas de representação.

Quanto ao alegado desequilíbrio financeiro e à existência de um passivo de 2,5 milhões de euros na instituição que dirige, Cardoso Ferreira disse tratar-se de uma acusação que não corresponde à realidade, adiantando que o passivo da misericórdia tem vindo a ser progressivamente reduzido.  Cardoso Ferreira assegurou ainda que, se for reeleito, vai eliminar, na totalidade, o passivo da Misericórdia de Setúbal, no prazo ano e meio, até Junho de 2017, como tem vindo a anunciar desde o início deste ano.

Para o provedor da Misericórdia de Setúbal as acusações que lhe são imputadas resultam, apenas, da “proximidade das eleições” para os órgãos sociais daquela instituição de solidariedade social.