Maria Barroso: Morreu uma mulher notável

 

Maria Barroso morreu na passada segunda-feira aos 90 anos vítima de uma hemorragia intracraniana causada por uma queda em casa no dia 26 de Junho. Entrou em coma profunda acabando por falecer dez dias depois. Nas cerimónias fúnebres que decorreram na terça-feira e ontem centenas de pessoas e dirigentes sociais, económicos e políticos de todos os quadrantes prestaram-lhe a última homenagem.

Era conhecida por ser uma mulher de consenso e serenidade e conseguiu isso ao longo da vida e agora que faleceu. Todos são unânimes na opinião sobre esta mulher que marcou a democracia portuguesa e mesmo casada com o político Mário Soares, apresentou-se sempre com o seu nome de solteira, como pedagoga e defensora dos valores democráticos e dos direitos dos homens e mulheres.

Dificilmente encontra-se uma mulher com esta dimensão na sociedade portuguesa.

Baixa, franzina, elegante, Maria Barroso nunca foi a mulher por trás do homem, mas antes ao lado. Foi actriz na companhia de teatro Rey Colaço-Robles Monteiro, que funcionava no Teatro Nacional D. Maria II, mas a ditadura de Salazar proibiu a sua contratação. Mais tarde foi também proibida de dar aulas no Colégio Moderno, pertencente ao seu sogro, o pedagogo João Soares.

Dedicou-se aos dois filhos (Isabel e João) e à luta política, sendo fundadora do Partido Socialista e a única mulher. Com o marido exilado em Paris, foi o suporte da família, vivendo grandes dificuldades. Nunca foi presa, mas interrogada pela polícia política várias vezes.

Licenciada em Histórico-Filosóficas, com o curso de arte dramática do Conservatório Nacional, Maria Barroso foi presidente da Pro Dignitate – Fundação de Direitos Humanos e da Fundação Aristides de Sousa Mendes, agraciada com 28 condecorações e outras distinções académicas e honoríficas entre as quais a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.

Curiosamente, Maria Barroso que nasceu no Algarve passou parte da sua infância em Setúbal uma vez que o seu pai, militar de carreira foi colocado ao serviço na região, enquanto a sua mãe era professora primária.

A pequena Maria de Jesus e a família numerosa de sete irmãos vivia na principal avenida de Setúbal. Em casa com mulher, sogra e sete filhos para alimentar, Alfredo Barroso angustiava-se por permanecer em Quadro de Arma, situação que configurava um corte no seu ordenado e, em contraciclo com o reequilíbrio orçamental do país, enfraquecia ainda mais as magras finanças da família. Ia valendo aos Barroso o ordenado de Maria da Encarnação, que a 1 de Outubro começou a dar aulas numa escola primária feminina fora de Setúbal. Três dias depois, Alfredo fez um requerimento ao Ministro da Guerra, pedindo para transferir a sua residência para a vila de Palmela, e, duas semanas mais tarde, era autorizado a juntar-se à mulher e aos filhos.

Alfredo, num requerimento redigido em Lisboa, pediu a permissão de se deslocar de Palmela para Setúbal (para junto dos seus) durante o número de dias que for julgado necessário para restabelecimento da saúde dos seus doentes e necessário equilíbrio da sua vida económica. Sensível aos argumentos de Barroso, o ministro fez mais: autorizou a transferência de residência obrigatória de Palmela para Setúbal. A família estava novamente reunida debaixo do mesmo tecto, na rua Ladislau Parreira. Pouco depois do nascimento do último filho, Alfredo e a família trocaram mais uma vez de casa. Foram para a quinta de S. Jerónimo que havia diante do quartel de Brancanes, já à saída de Setúbal.

Mais tarde foram residir para Lisboa, onde adolescente Maria Barroso começou a dar os primeiros passos no teatro.

O país ficou mais pobre com o desaparecimento da antiga primeira dama. Paz à sua alma.