Lembrar Zeca Afonso

Este ano decorrem as celebrações do trigésimo aniversário da morte de José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, que ficou popularmente conhecido entre os amigos, e posteriormente enquanto artista, como Zeca Afonso. O cantor nascido em Aveiro, a 2 de Agosto de 1929, está ligado a Setúbal, onde residiu, leccionou e faleceu a 23 de Fevereiro de 1987, no Hospital de São Bernardo, vítima de esclerose lateral amiotrófica, diagnosticada em 1982, tendo o seu funeral reunido, no dia seguinte, uma imensa multidão, cerca de 30 mil pessoas, naquela que terá sido a maior cerimónia fúnebre que a cidade sadina alguma vez registou e que comoveu o país inteiro.

As letras das canções de Zeca Afonso continuam com uma actualidade impressionante. Talvez a mais emblemática seja “Vampiros”, onde a mensagem se mantém na sociedade em que vivemos, com profundas desigualdades entre ricos e pobres, escândalos financeiros e fugas aos impostos dos poderosos. “Eles comem tudo E não deixam nada”, refere o refrão da canção. “No céu cinzento sob o astro mudo/Batendo as asas Pela noite calada/Vêm em bandos Com pés veludo/Chupar o sangue Fresco da manada”.

Zeca Afonso chegou a Setúbal em 1967, onde viria a fixar-se, para leccionar no Liceu Nacional de Setúbal, mas o regime de Salazar interditou-o de exercer a função de professor, motivo que o fez passar a dedicar-se à sua grande paixão, a música. Mais tarde, em 1983 José Afonso é reintegrado no ensino oficial, tendo sido destacado para dar aulas de História e de Português na Escola Preparatória de Azeitão. No entanto, a doença agrava-se. Nessa altura, Zeca e a família foram viver para Azeitão, onde era presença habitual na Perpétua Azeitonense e no Café São Lourenço.

A proximidade a alguns movimentos políticos locais durante o período revolucionário levou ainda Zeca Afonso a ter uma breve experiência político-partidária, tendo sido eleito à Assembleia Municipal de Setúbal em 1976 pelos, já extintos, Grupos Dinamizadores de Unidade Popular, aquando das primeiras eleições autárquicas.

Da discografia variada do cantor, a mais icónica talvez seja o álbum “Cantigas do Maio”, editado em 1971, do qual faz parte “Grândola, Vila Morena”, que viria a constituir-se como senha da Revolução dos Cravos, e ainda hoje é utilizada como motivo de protesto. Lembre-se que, quando o governo de Passos Coelho avançou com forte cortes nos salários e pensões, um grupo de cidadãos cantou esta canção, nas galerias do hemiciclo, quando o então primeiro-ministro do governo PSD-CDS discursava. Foi também o “hino” das manifestações que ocorreram nessa altura, de forma espontânea, um pouco por todo o país.

“Marcou muitas gerações e, por isso, trinta anos após a sua morte, a memória e a voz de Zeca Afonso continuam bem vivas e a sua figura continua a ser recordada como a eterna voz da liberdade”, sublinha uma moção apresentada na última reunião pública do executivo da Câmara Municipal de Setúbal, pela bancada do Partido Socialista, e que mereceu a unanimidade de todas as forças políticas. Os vereadores da bancada socialista consideram que se deve a Zeca Afonso “o encontro do sonho revolucionário com a música e a poesia portuguesas e lusófonas”, graças a “um dos mais relevantes e brilhantes músicos portugueses da segunda metade do século XX”.