Fidélio Guerreiro, presidente do “Movimento Pensar Setúbal” adverte: “Península de Setúbal é o parente pobre da AML”

Fidélio Guerreiro, líder do “Movimento Pensar Setúbal”, fundado há cerca de cinco anos, defende uma estratégia de desenvolvimento sustentável para a península de Setúbal que passa pela conjugação de esforços de empresários, autarcas e governo.

O antigo presidente da AERSET (Associação Empresarial da Região de Setúbal) defende o reforço dos fundos comunitários para a península, já que desde 2001 esta foi prejudicada em 5 mil milhões de euros por estar integrada na Área Metropolitana de Lisboa (AML), a zona mais rica do país.

Fidélio Guerreiro defende também para Setúbal uma economia ligada ao mar e ambiente, com projectos como a criação de um grande parque temático na Arrábida dedicado aos Descobrimentos, um aquaparque em Coina, investimentos nos terrenos da Baía do Tejo em Almada, Seixal e Barreiro, uma marina e a recuperação do centro histórico de Setúbal.

Florindo Cardoso

 

Setúbal Mais – Qual a estratégia do “Movimento Pensar Setúbal”?

Fidélio Guerreiro – O “Movimento Pensar Setúbal” nasceu há cerca de cinco anos e presido esta organização desde Fevereiro de 2016. O movimento tem realizado acções discretas mas desenvolve um trabalho imenso para reflectir sobre os problemas existentes e respectivas soluções. Já promovemos vários encontros regionais em Setúbal, Moita e Montijo, e verificámos que os principais problemas na península são o desemprego e casos sociais com situações anómalas, como é o de 5 mil pessoas apanharem ilegalmente amêijoa no estuário do Tejo, com água poluída, sem condições adequadas e que vendem para Espanha. A sobrevivência das pessoas obriga a ter este tipo de actividade ilegal, mas que é desenvolvida de forma clara e, na prática, pouco se faz para resolver este problema. É importante assentar o futuro na despoluição dos rios Tejo e Sado e na melhoria da qualidade ambiental para que estes possam ser referência nacional e internacional.

S.M. – Perante estes problemas o que deve ser feito?

F.G. – Temos de reclamar para península de Setúbal apoios comunitários. Estou perfeitamente de acordo que Setúbal pertença à AML, porque e só assim tem condições para ser um centro de competência a nível internacional no quadro das regiões da União Europeia. Aliás, fiz parte do acto administrativo da sua criação, era então presidente da Assembleia Municipal de Setúbal e António Costa, presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, e na altura concluímos que só neste todo é que Portugal tinha condições para apresentar uma região de grande competência a nível internacional para poder concorrer com outras regiões de países desenvolvidos como Alemanha, Inglaterra, França e Espanha. Infelizmente, Setúbal não tem nada disto e queremos criar condições que permitam que a península, o parente pobre da AML, não tendo quase apoios comunitários, acaba por estar ligada à zona rica de Lisboa, que tem um rendimento anual médio per capita de 27.500 euros, enquanto a península de Setúbal tem apenas 12.700 euros, e tornou-se numa das zonas mais pobres do país. Neste momento, existem cerca de 240 mil pessoas que vivem aqui e trabalham em Lisboa, com custos e problemas que enfrentam diariamente. Penso que é possível deslocalizar para Setúbal empresas que tenham trabalhadores destas zonas, desde que se criem incentivos que possam estimular as empresas a abrir delegações fora da capital, sobretudo uma compensação a nível do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC). Isto criaria menores fluxos pendulares diários através das pontes 25 de Abril e Vasco da Gama, facilitando a vida das pessoas, dando tempo para as suas famílias, sendo importante na criação dos filhos e no relacionamento do casal.

S.M. – Qual a solução?

F.G. – A nossa estratégia confronta-se com os problemas de investimento e do emprego que têm impacto social. Chegámos à conclusão que a península de Setúbal não tendo quase apoios comunitários desde 2001, ou seja, desde o 3.º Quadro Comunitário de Apoio (QCA), foi prejudicada em 5 mil milhões de euros. As grandes empresas da região canalizaram os investimentos para outras regiões do país, já que em Setúbal os apoios comunitários são mínimos. Temos de travar esta situação rapidamente. Tentámos junto do governo uma alteração na atribuição dos fundos comunitários no quadro actual. Sei que está a ser preparado neste primeiro semestre de 2018 o futuro QCA. Ora, existe uma percentagem de compromissos do actual quadro comunitário que não será gasta até 2020. É sobretudo esse dinheiro que a península de Setúbal tem o direito de exigir ao governo. Se o dinheiro não é usado por outras regiões, então que venha para Setúbal porque não estamos a tirar nada a ninguém. Acredito que, se houver vontade política é possível alterar já esta situação até ao fim deste QCA e apresentar projectos específicos de desenvolvimento para a península. Se não for possível, então vamos trabalhar já para o próximo QCA.

 

S.M. – E o futuro aeroporto no Montijo?

F.G. – Vamos ter o futuro aeroporto no Montijo com um movimento mensal de um milhão pessoas que nos visitará por razões diversas. A região, não tem neste momento, uma estratégia para tirar proveito deste fluxo de turistas, mas esta estratégia é necessária. Temos consciência que será muito importante em termos culturais e turísticos ter pólos de atracção. Temos alguns projectos que gostaríamos de enquadrar nesta estratégia já que são vitais.

S.M. – Que projectos são esses?

F.G. – É fundamental a construção de um parque temático em Setúbal, junto ao estuário do Sado, dedicado aos Descobrimentos portugueses, onde será mostrado o que país fez no mundo e particularmente o que ainda hoje tem como história a nível do património em várias partes do globo. Temos de evidenciar a nossa história. Estão identificados já dois ou três locais que permitem a sua instalação. Infelizmente, na Arrábida existe o impacto ambiental da Secil, pelo que temos de encontrar uma solução para este problema. Até porque a Arrábida e o Sado constituem uma das baías mais belas do mundo. Temos de chamar a atenção das pessoas para esta paisagem esplêndida e fabulosa. Falta a articulação da cidade de Setúbal com o mar e, por isso, defendemos um cais no Sado para veleiros de competição, e a concretização da marina, para os quais temos de atrair um conjunto de investidores. Alerto que a marina em Setúbal não pode funcionar sozinha. Há condições únicas para que a marina tenha em terra um prolongamento natural. Os espaços do Clube Naval Setubalense e envolventes terão de ser articulados com a marina, transformando o local num projecto fabuloso, de atracção única, que ligará Setúbal ao rio. A Câmara Municipal de Setúbal está a elaborar um plano de pormenor, que deverá estar concluído em Fevereiro. É preciso juntar interesses que são vitais para a região. Será também importante requalificar a zona marítima poente, junto à praia da Saúde e Albarquel. Defendemos que deverá haver uma articulação com a serra da Arrábida, onde deverá ser construído um hotel de luxo na antiga bataria do Outão, com uma ligação, por teleférico, até ao Forte de São Filipe. Temos ideias e orçamentos sobre isto e queremos muito que este projecto se venha a concretizar. Defendemos também a recuperação de mais de mil casas do centro histórico de Setúbal. A nossa estratégia é atrair para as casas mais típicas, onde seriam instaladas lojas de artesanato, uma das artes mais nobres que o país. Aliás, defendemos a criação do Instituto Nacional do Artesanato, com sede em Setúbal, para a certificação de artefactos da etnografia portuguesa. O Centro de Emprego e Formação Profissional teria um papel determinante na formação das pessoas e a Câmara Municipal de Setúbal criaria condições para atrair artesãos, onde trabalhariam no rés-do-chão e residiriam nos pisos superiores. A baixa de Setúbal precisa da concretização deste projecto, que tem todas as condições para ter sucesso e criar emprego.

S.M. – Na restante península, o que defende o movimento?

F.G. – Considerámos também determinante o projecto Lisbon South Bay, da Baía do Tejo, que envolve os concelhos de Almada, Seixal e Barreiro, com a construção da “Cidade da Água”, nos antigos estaleiros da Lisnave, a potencialização máxima da baía do Seixal, através de novas unidades hoteleiras. Defendemos também a construção de uma ligação, por ponte ou caminho-de-ferro, entre Almada e o Montijo, até por causa do futuro aeroporto. Consideramos importante ainda a ligação do Montijo a Setúbal, através do Pinhal Novo, de tal maneira que a mobilidade atraísse turistas para a península de Setúbal, oferecendo-lhes equipamentos de alta qualidade. Só assim conseguimos que os visitantes que vão agora para Lisboa venham para Setúbal. Aliás, já temos turistas porque algumas empresas de viagens começaram a perceber o filé mignon que aqui está. Gostaríamos que a Herdade do Rio Frio recuperasse, uma vez que está viver problemas de insolvência. Esta poderá ser um centro de atracção natural, com um hipódromo para receber competições. Defendemos também a criação de um aquaparque na zona de Coina, infraestrutura de lazer que actualmente não se encontra disponível na região de Lisboa nem em Setúbal.

S.M. – Como seriam realizados estes projectos?

F.G. – É muito importante uma parceria entre o “Movimento Pensar Setúbal”, que estuda e reflecte sobre aquilo que deve ser feito, e as autarquias, o Estado e as associações empresariais. Juntos a defender os interesses da península de Setúbal, não tenho dúvida que tudo é isto possível. Ninguém sozinho vai a lado algum. O movimento espera que esta ideia se concretize e tenha sucesso para bem da região. Queremos que as pessoas residam aqui com qualidade de vida.

S.M- Defende ainda um projecto para os idosos?

F.G. – Há uma experiência única em França, em que os mais velhos são tratados com outro cuidado e dignidade, e penso que a península de Setúbal e o país têm condições para tratar destas pessoas de maneira qualificada. A estratégia é criar aldeias séniores de excelência, com dimensões médias e grandes, com mil a duas mil pessoas, em função das necessidades. Seria um espaço, onde as pessoas na terceira idade podem viver em rede, com assistência de saúde, com acompanhado regular, em harmonia, com equipamentos de lazer, fisioterapia, desporto e unidade hoteleira.

S.M. – O movimento vai organizar um congresso regional. O que pode avançar sobre esse evento?

F.G. – Pretendemos realizar um congresso regional em Setúbal até Maio, dando particular relevância aos empresários e suas associações, autarquias, universidades e escolas de formação profissional. O futuro passa pelo turismo e, para isso, temos de ter gente qualificada. Queremos fazer da península de Setúbal um pólo importante como a região norte de Lisboa, porque só assim podemos concorrer como centro de excelência no quadro da União Europeia.