Entrevista com Piedade Fernandes, cantora: “Tenho uma carreira sólida e constante”

Piedade Fernandes vai celebrar 25 anos de carreira com um espectáculo no Fórum Municipal Luísa Todi, no próximo dia 25 de Setembro, intitulado “Origens”. Dividida entre o fado e a canção ligeira, a música e o ensino, é uma apaixonada pelo que faz, prometendo um grande concerto nesta cidade, onde tudo começou.

Florindo Cardoso

Setúbal Mais – Como surgiu a ideia deste espectáculo de celebração de 25 anos de carreira no Fórum Municipal?

Piedade Fernandes – A ideia surgiu porque há muito tempo que as pessoas em Setúbal questionavam  a minha ausência em espectáculos na cidade. Perguntavam-me inclusivamente se ainda cantava, pois nunca mais me tinham visto por cá. Também porque realmente, este ano, completo 25 anos de carreira, que, embora não seja mediática, é sólida, constante e permanente. Aliás, não existe uma única semana na qual não tenha trabalho, graças a Deus! Basta dizer que não consigo tirar uma semana inteira de férias, pois tenho sempre de cantar pelo meio.

S.M. – Porquê o nome “Origens”?

P.F. – O nome “Origens” deve-se ao facto de este espectáculo ser um regresso ao local onde tudo começou e me conheceram, ou seja, no Fórum Luísa Todi. Para mim, só faria sentido naquele palco.

S.M. – Como vai ser este espectáculo?

P.F. – Pretendo mostrar a minha faceta actual e aquilo a que me dediquei, ou seja, ao fado. No entanto, farei uma retrospectiva de toda a minha carreira, passando pela música ligeira e o teatro. A minha intenção é homenagear e agradecer a todos aqueles que contribuíram para que chegasse até aqui, autores, compositores, produtores, etc… pois considero que a minha carreira é o somatório de intenções e afectos genuínos, por parte de muita gente com quem muito aprendi e tive o privilégio de trabalhar. Terá a duração de hora e meia e a sua formação musical que me acompanhará será: viola de fado (Vítor Pereira); guitarra portuguesa (Pedro Marques); contra-baixo (Miguel Gelpi); acordeon (Helena Mendes); saxofone e flauta (Lino Guerreiro); e percussão (Fernando Molina). Irá ter também a intervenção de um bailarino/acrobata vertical (tecidos), Celso Jumpé, nalguns temas.

S.M. – Qual o balanço destes 25 anos de carreira?

P.F. – O balanço é muito positivo, na minha opinião. Tal como referi anteriormente, embora não tenha sido uma carreira mediática é sólida e constante. Conquistei  a consideração e o respeito de muitos colegas e grandes profissionais da música, o que me gratifica e orgulha imenso. Tenho tido um trabalho regular em Portugal e  já actuei muitas vezes no estrangeiro. Que mais um artista poderia desejar? É certo que nunca consegui viver só da música, tal como a maior parte dos artistas no nosso país, mas no meu caso, também nunca me dediquei por inteiro só à música. Dividi-me sempre entre a música e o ensino, como toda a gente sabe.

S.M. -Quais os momentos que a marcaram mais?

P.F. – Sem dúvida foram muitos. O primeiro dia em que pisei o palco do Fórum Luísa Todi, na revista à portuguesa “À Coca”, pela mãos do Teatro Animação de Setúbal; o Festival da Canção em 1993, no Teatro S. Luís; trabalhar com Filipe Lá Féria no Teatro Politeama e com Luís Aleluia;  gravar com Fernando Correia Martins, José Manuel Coelho e Nuno Nazareth Fernandes; trabalhar com Valter Rôlo e com todos os músicos com quem me cruzei. Para mim é difícil nomear momentos que me marquem, pois são muitos. Foram tantos e tão especiais, não só pelo prazer que me deram, bem como, pelo que me permitiram aprender e crescer como artista.

S.M. – 5 – Tem participado em revistas como cantora e actriz. Gosta desta forma de teatro?

P.F. – Gosto muito. Também já entrei noutros géneros de teatro, como “O Grito no Outono” de Romeu Correia, “A Casa Assombrada”, “Teatro, Poesia e Conversa”, entre outras, pelo TAS. E também gostei muito.  Na revista à Portuguesa, o que acontece, apesar de todo o preconceito que ainda existe acerca deste género teatral, é que, para além do enorme prazer que proporciona a quem a faz e a quem a assiste, é-nos permitido e imposto brincar com a realidade, por mais cruel que ela seja. Utilizamos os nossos dramas e a sua intemporal idade, duma forma inteligentemente saudável ao ponto de nos rirmos, divertirmos e, quase sem darmos por isso, reflectirmos sobre eles.

S.M. – A Piedade tem dividido a sua carreira entre a canção ligeira e o fado. Identifica-se com estes estilos ou gostaria de arriscar noutras áreas?

P.F. – Identifico-me inteiramente com eles. Sempre me identifiquei. Tanto que, apesar de me ter dedicado quase a cem por cento ao fado, nunca deixei de cantar música ligeira. E mesmo na minha carreira de fadista, uma grande parte do meu repertório contempla o fado-canção. Aquilo que sempre me moveu na música nunca foram propriamente os estilos, mas sim as melodias, as palavras que punham nelas e o seu casamento. Sempre me considerei uma intérprete acima de tudo, independentemente do estilo em questão. E isto vem muito do teatro e de tudo aquilo que eu aprendi nele. O facto de me ter dedicado mais ao fado, foi por ter encontrado nele uma maior intensidade emocional e interpretativa, uma maior agilização em termos imediatos de musicalidade e liberdade em relação às palavras utilizadas. As possibilidades musicais no fado são infinitas e depois este género musical, tem uma magia muito própria, singular e eu diria única, de atingir qualquer ouvido, qualquer coração, rompendo todas as barreiras, inclusive a da língua.  Quanto a outros géneros musicais, a única coisa que interpreto é um bolero de Augustin Lara “Piensa en mi”, mas essa é uma experiência que muito embora me dê o maior prazer é pouco relevante, pois é apenas um tema e, por si só, não dá para fazer uma avaliação plausível.

S.M. -É difícil viver da música em Portugal? Ainda concilia com o ensino?

P.F. – Viver só da música no nosso país é praticamente improvável. Senão impossível, mesmo. Até se poderá alcançar uma posição confortável, durante algum tempo mas nunca será uma situação duradoura, infelizmente. Não há sustentabilidade. E isso seria tema para mais uma, ou várias outras entrevistas. Felizmente no meu caso, eu tenho outra paixão, o ensino, sobretudo as artes plásticas. Gosto de estar com os meus alunos. Daí, nunca ter deixado de dar continuidade a nenhuma destas minhas carreiras, a música e a docência. E não foi só por necessidade, foi também por paixão, mesmo. Gosto muito de tudo aquilo que faço!

S.M. – Quais os projectos que quer concretizar nos próximos tempos?

P.F. – Gostava de levar este espectáculo com a mesma formação para a estrada. Não só em Portugal como também no estrangeiro. Gostava de voltar a gravar, com alguns temas escritos por mim. Vamos ver!

Retrato:

Nome: Piedade Fernandes

Idade: 51

Natural: Lisboa (…e Barreiro)

Residência: Setúbal

O que mais gosta em Setúbal: A baía, a gastronomia, as praias, a serra, tudo!

Qual o local favorito: Tenho dois, a minha casa, com a minha família. Ao fim do dia, depois de cada viagem. Sempre! E a nossa Serra da Arrábida, com a sua vista sobre o mar, é única!

A imagem que guarda de Setúbal: A Baía, vista do Castelo de S. Filipe e de toda a marginal desde Albarquel até depois das Fontaínhas, quando o Ferry se afasta em direção a Tróia… é lindo!

Prato favorito: Dourada escalada, salmonetes grelhados, besugos, arroz de marisco, choco-frito.

Côr: Branco, Turquesa, e Beringela.

Música favorita: Fado, morna, blues, bossa nova, clássica, depende do momento.

Artista favorito: Muitos… São tantos que prefiro nem mencionar para não me esquecer de nenhum. Mas se tiver que eleger um só, talvez, Amália, pois de todos, penso ser a mais abrangente, só por isso.