Entrevista com Henrique Soares, presidente da Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal: “Ultrapassámos a fasquia de certificar, em média, mais 70% do que a região produz”

 A Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal (CVRPS) foi criada há 25 anos por necessidade de um novo enquadramento legal com a entrada do país na União Europeia. Para Henrique Soares, presidente da CVRPS, o balanço é “muito positivo” e destaca o facto de se ter alcançado a certificação de mais de 70 por cento da produção vitivinícola nos últimos dois anos.

 

Florindo Cardoso

Setúbal Mais – Qual o balanço que faz dos 25 anos de existência da CVRPS?

Henrique Soares – São 25 anos da CVRPS que surgiu devido ao enquadramento legal e regulamentar que a União Europeia impôs, enquanto mais um Estado-membro com grande tradição vitivinícola. A região em si, a demarcada do Moscatel de Setúbal, tem 109 anos, mas com a entrada na União Europeia sofreu a sua adaptação ao novo enquadramento comunitário e, na consequência disso, foi criada a “Dominação de Origem de Palmela” e, poucos anos mais tarde, a indicação geográfica que inicialmente se designou “Terras do Sado”, mas desde há 7 anos, passou a ser “Península de Setúbal”.

O balanço é muito positivo e profundamente alicerçado em factos. Foi muito importante a criação da região porque ao longo destes 25 anos não tem parado de aumentar a produção apta aos vinhos com Denominação de Origem – Moscatel de Setúbal, Moscatel Roxo de Setúbal e Vinhos de Palmela e da Península de Setúbal -, bem como a produção certificada. Isto é o melhor sinal da vitalidade e do interesse que as empresas colocam na região e na aposta na certificação dos seus vinhos porque entendem que desta forma estão a associar-se a uma região que vai tendo cada vez mais notoriedade e sucesso e, com isso, conseguindo também vender os seus vinhos no mercado nacional e internacional. Nos últimos dois anos, ultrapassámos a fasquia de certificar, em média, mais 70% do que a região produz. É um patamar muito relevante, do ponto de vista económico, que só outras duas regiões vitivinícolas portuguesas alcançam.

S.M. – Há um grande dinamismo do sector na região. A CVRPS é também um pouco responsável por isso?

H.S. – O dinamismo sempre existiu mas cresceu à medida que os vinhos, nos últimos anos, têm vindo a constituir um produto que se exporta com valor acrescentado para a economia do país e da nossa região, do despertar do interesse das pessoas no mercado nacional e de haver cada vez mais produtores a quererem certificar os seus vinhos. Isto tem muito a ver com a realidade do sector vitivinícola e com a situação que o país atravessa. A crise fez com que tivéssemos de olhar, cada vez mais, para aquilo que é transaccionável e para exportação. Os vinhos têm estado nesta primeira linha de prioridades da economia e isso faz com que o enfoque sobre nós seja cada vez maior, e haja maior interesse e curiosidade. O vinho é um produto que valoriza qualquer território e os da península de Setúbal têm ajudado a valorizar a região no mercado nacional e um pouco pelo mundo fora, tendo em conta que exporta uma quantidade significativa da sua produção.

S.M. – Também há uma nova geração de produtores que procuram profissionalizar-se e valorizar-se tecnicamente…

H.S. – Sim, isso é um facto importante. Os produtores de vinho desta região, embora sejam empresas que produzem há mais de meio século e algumas até mesmo há mais cem anos, que já vão na quarta ou sétima geração, têm vindo a desenvolver-se de forma dinâmica e harmoniosa. Estas novas gerações que chegam às empresas produtoras de vinho têm contribuído para este dinamismo e mediatização do sector, pelo conhecimento das novas tecnologias de comunicação e o estar à vontade em comunicar através das redes sociais e de tudo o que a internet permite.

S.M. – Estamos também a assistir ao dinamismo do sector do enoturismo na região com a abertura de vários espaços que têm também promovido o próprio vinho…

H.S. – O enoturismo é muito importante nesta região. Estamos na Região de Turismo de Lisboa e temos beneficiado, nos últimos anos, do enorme afluxo turístico, tendo batido um número recorde em 2015, do ponto de vista do valor económico. Isso é muito importante para nós porque isso chega aqui, sentimos isso na península de Setúbal, mais em particular em Setúbal, Palmela e Sesimbra, que são territórios com enorme potencial turístico. O enoturismo tem sido a linha da frente do contacto do sector vitivinícola com este grande afluxo turístico. Tal situação, tem vindo a permitir aumentar o número de garrafas de vinho vendidas nas próprias lojas dos produtores. O potencial multiplicador destas vendas é muito superior face às vendas numa superfície comercial, já que a pessoa que compra o vinho directamente ao produtor na adega ficou a conhecer muito mais da sua história, ao tomar contacto com o processo produtivo, o enólogo ou alguém da família. O potencial disso, se o vinho lhe agrada, de dizer bem e a vontade de contar a história, é muito importante. O enoturismo tem potenciado o aumento das vendas e a promoção dos nossos vinhos com base no turismo nacional e nos muitos estrangeiros que visitam as adegas.

 

S.M. – Outro facto importante é o número de prémios nacionais e internacionais que os produtores da região ganham. A que se deve esse sucesso?

H.S. – Quem faz a região são os produtores, é o esforço privado de cada um, porque a inscrição em concursos tem um custo significativo. Daí, terem todo o mérito em arriscar em concorrer e não desistir. Poderiam não ganhar mas, se os vinhos têm tanta qualidade, essa aposta continuada tem vindo a render frutos e isso acarreta uma notoriedade no mercado nacional e estrangeiro, nomeadamente em países que potenciam a exportação de vinhos. O sucesso dos vinhos é o produto de um acumular de factores. Obviamente que o factor humano é o mais decisivo mas o solo, o clima e as castas, explicam o sucesso de uma região vitivinícola. Aqui, temos tudo, um clima extremamente adequado à cultura da vinha e um solo fantástico porque é muito pobre e ajuda a afinar o vinho e faz com que as videiras produzam com melhor qualidade. Depois temos as grandes castas muito adaptadas a esta região – Castelão, Moscatel de Setúbal e Fernão Pires – que nos últimos 15 anos foram complementadas pela diversificação de outras que ajudam a compor lotes de vinho, com características ainda superiores. O Castelão, Moscatel de Setúbal e Fernão Pires, individualmente já produziam excelentes vinhos mas quando têm a companhia, no caso dos brancos, do Arinto, do Verdelho e do Antão Vaz, e nos tintos, da Touriga Nacional, da Trincadeira, Aragonez, Syrah e Alicante-Bouschet, a qualidade aumenta ainda mais. Isso faz com que as essas castas que já existiam na região, mas cuja área tem vindo a aumentar, tenham um potencial ainda maior na adaptabilidade da produção de vinhos a leque de gostos, incluindo internacionais, sobretudo nos países não produtores que se vêm afirmando como os grandes mercados de destino: Inglaterra, países escandinavos, o Canadá e os Estados Unidos da América, e na Ásia, começando na China e terminando no Japão.

S.M- Considera que o sector pode crescer mais?

H.S. – O sector pode crescer mais. Do ponto de vista da capacidade produtiva há potencial para crescer porque ainda existe muita terra apta à cultura da vinha. Focando no potencial que existe e na relação entre o que se produz e se certifica, nas duas últimas campanhas, ultrapassámos os 70%, como já disse, com a colocação de vinhos no mercado com denominação de origem e localização geográfica. O nosso desafio, com o estado de maturidade que a nossa região já atingiu, é conseguir vender melhor os vinhos, que as pessoas nos reconheçam, não só pela óptima relação qualidade-preço, mas sobretudo pela boa qualidade e estejam dispostas a pagar mais por isso. Tal fará com que na fileira, essa disponibilidade no rendimento e a melhoria do lucro das empresas levem à continuação do investimento na vinha, ao aumento da área, ao rejuvenescimento das vinhas e a um melhor pagamento das uvas. Todo o acréscimo de rendimento na venda das garrafas traduz-se forçosamente num refluxo no rendimento na fileira. Isso é fundamental para que a região se mantenha sã em termos económicos, e com capacidade para continuar a investir na vinha, no seu rejuvenescimento, na promoção e no marketing dos vinhos.