Culsete fechou após 43 anos de história

A livraria Culsete, situada na avenida 22 de Dezembro, junto ao Parque do Bonfim em Setúbal, encerra neste mês de Outubro, após uma semana de liquidação total do stock. Com o fecho das portas de uma das mais antigas e relevantes livrarias independentes, chega ao fim um ciclo de vida que trouxe a Setúbal muita cultura, com venda personalizada de livros, encontros de escritores e lançamento de obras. Quem não se lembra das célebres arruadas de livros feitas uma vez por ano, que atraíam imensa gente a este espaço carismático da cidade de Setúbal.

O anúncio, cru e doloroso, foi efectuado pela própria proprietária, Fátima Ribeiro de Medeiros, alegando razões de saúde. “Por razões que se prendem com a salvaguarda da minha saúde, vou dar por terminada, durante o próximo mês de outubro, a actividade livreira da Culsete, cessando assim a intervenção de uma casa de leitura e para a leitura, cuja ação cultural teve uma dimensão local e nacional”, disse num comunicado dirigido aos setubalenses.

Fátima Ribeiro de Medeiros lamenta que, “apesar das inúmeras diligências por mim efectuadas, não foi possível encontrar até ao momento ninguém que queira prosseguir com este projecto”, advertindo que “a cidade de Setúbal vai mais cedo ou mais tarde ressentir-se da falta de um centro de animação cultural tão importante como tem sido esta livraria. Chegam, assim, ao fim quarenta e seis anos de mediação livreira, primeiro em nome da Culdex e, desde 1973, em nome da Culsete”.

É verdade, somos assim, enquanto as instituições estão vivas não ligamos. Muita gente que passava por ali preferia o conforto de um centro comercial, onde proliferam livrarias, para fazer as suas compras ou escolher os seus presentes. Depois do anúncio, muita gente ocorreu ao local para comprar os livros a baixo preço e, sobretudo, para manifestar o seu desgosto. Chamo a isso a hipocrisia da nossa sociedade. Todos sabemos que o comércio tradicional está a morrer, com excepção das mercearias que viraram negócio da moda. O resto está numa lenta agonia, porque somos comodistas e preferimos fazer compras numa grande superfície comercial. A verdade é esta e não vale a pena estar com remorsos ou falsos moralismos.

Já lá vão três anos que Manuel Medeiros faleceu, o homem que em 1973 estabeleceu a Culsete em Setúbal. Ele, açoriano de nascimento mas setubalense de coração, decidiu deixar a vocação de padre, casando-se com Fátima, e estabeleceu-se na cidade, primeiro com a Culdex, que três anos depois daria origem à Culsete. Manuel Medeiros era um homem de cultura. Nascido a 14 de janeiro de 1936, em Água Retorta, freguesia do concelho de Povoação, na ilha de S. Miguel (Açores), frequentou o seminário de Angra do Heroísmo, tendo vindo para Lisboa em 1968. Em Ponta Delgada foi professor e em Lisboa jornalista, nomeadamente para uma revista entre 1968 e 1969, tendo abandonado o jornalismo por não suportar a censura. Em 1969 fundou a sua primeira livraria em Lisboa, “Nosso Tempo”, juntamente com outros sócios. Em 1971 foi viver para Setúbal e em 1973 fundou a livraria Culsete.

“Sou apenas um homem/ Nada mais que um homem” é um dos versos de Resendes Ventura, que integra o último livro que escreveu – “Papel a Mais” – lançado em Novembro de 2009, na Casa dos Açores.

A viúva, Fátima Ribeiro Medeiros, ela também uma figura da cultura, sempre presente em acontecimentos importantes da cidade, padece há vários anos de doença oncológica, pelo que não tem saúde para continuar com o negócio.

É o adeus à livraria Culsete.