A importância de uma palavra

O Homem distingue-se dos restantes animais principalmente por ser dotado de raciocínio. Os sentimentos que recheiam a nossa vida, com emoções de toda a espécie que se reflectem em cada gesto, são derivados desse mesmo raciocínio. A par desse maravilhoso sentimento cantado em todo o mundo que é o amor, a amizade é o sentimento mais bonito e mais nobre que o ser humano conseguiu desenvolver. Quando é sincera, quando é puramente sentida, e do mesmo modo transmitida, creio que se torna mais sublime que o próprio amor. Tão sublime que ninguém dispensa uma boa amizade.

Os tempos que passam são difíceis. Há cada vez mais famílias atingidas por algum desses males modernos, frutos de novas épocas, que é como quem diz, da nova degradação moral, e consequentemente social.

Quase todos nós conhecemos alguém que viveu de perto o drama do alcoolismo ou da droga. Quase todos nós temos um amigo que ficou desempregado e que, só porque tem 40 anos, já é considerado incapaz para trabalhar. É aqui que deve entrar em acção a amizade, esse nobre sentimento que consegue renovar esperanças e até fazer renascer a alegria de viver. Uma palavra, um abraço, um esforço duplamente conjugado na resolução de problemas, um serão disponível para visitar um amigo em desespero, na tentativa de aliviar aquela amargura que lhe emana do olhar, isso é amizade! É bom sentir a mão amiga que suaviza um pouco o desencanto sucedido a quem nada mais tem que o seu trabalho para sustentar a família, quando até isso lhe é negado.

Não estou a dramatizar! Todos temos conhecimento de casos de desespero que levam ao suicídio, ou de outros em que a mente fica tão perturbada que dificilmente voltará a dar um sentido à vida, sendo aqui a palavra tão importante quanto necessário aquele abraço para que a fé no futuro seja restaurada. Devo no entanto reconhecer que, talvez porque a vida está difícil, como se diz, também o coração dos Homens está a endurecer. Há demasiado isolamento para os que se vêem confrontados com os problemas reais atrás citados. É com mágoa que vejo poucos sorrisos no rosto das pessoas. Todos andamos demasiado sérios, cada um fechado no seu próprio mundo, nos seus próprios problemas. A indiferença que se vê estampada no rosto de quem passa é a montra do que lhes vai na alma.

As grandes agruras da vida actual são consequência directa duma evolução que, de tão avançada em tecnologia, quase nos transforma em robôs. Para que se mantenham vivos os princípios que definem a amizade (tais como: saber ouvir um amigo, dar um abraço na hora certa ou sorrir para quem chora) devemos tentar manter acesa a chama que a alimenta, isto é, devemos ser desinteressadamente solidários.

Embora poeta e sonhadora, não é no sentido da utopia que estou fazendo a apologia desse nobre sentimento que é a amizade. Direi antes que a efectiva intenção deste chamamento à realidade é um apelo para que os bons sentimentos de todos nós ressurjam em cada dia e em cada hora, tornando-nos cada vez mais fortes e unidos. Tal como dizia (e diz) o meu amigo Frei Miguel, “não tenhais medo de sorrir ou dar uma palavra a um desconhecido. A solidariedade e a fraternidade são flores geradas pela semente da amizade”. Neste pensamento de Simone Weil, está englobado tudo o que atrás referi: “ A amizade não se busca, não se sonha, nem se deseja. A amizade pratica-se! A Amizade cultiva-se! É uma virtude!”

(este texto foi escrito sem aplicação do novo acordo ortográfico por opção da autora)

Alexandrina Pereira