A crise do jornalismo

Portugal perdeu quase dois mil jornalistas nas duas últimas duas décadas e dois terços dos actuais titulares de carteira profissional já pensaram, pelo menos uma vez, na possibilidade de abandonar a profissão. Estas são duas conclusões do estudo feito sobre o sector que foi divulgado no Congresso dos Jornalistas que decorreu durante quatro dias (12 a 15 de Janeiro) no Cinema São Jorge, em Lisboa.

Abalados por uma crise de identidade, que deslocou a ênfase na produção das notícias para a distribuição na Internet, os jornalistas sentem cada vez mais as portas a fecharem-se.

Os resultados do maior inquérito feito aos jornalistas portugueses mostram o descontentamento: 64,2% já pensaram, pelo menos uma vez, em virar as costas à profissão. Porquê? Pelo baixo rendimento (21%), a degradação da profissão (20,4%) e a precariedade (14,3%).

Os jornalistas têm escolaridade superior à média (79,6% com licenciatura), mas um terço não possui um vínculo laboral sólido, três quartos não vêem progressão de carreira há mais de quatro anos e, no final de cada mês, mais de metade (57,3%) leva para casa menos de mil euros. Trabalham longas horas. A maioria mais de 40 por semana. Muitos afligem-se para conciliar a vida profissional com a vida pessoal: 46% considera difícil, muito difícil ou extremamente difícil fazê-lo. Quase metade não tem relação conjugal (47,8%). Mais de metade não tem filhos.

O estudo – conduzido por uma equipa do CIES/ISCTE-IUL e intitulado “Os jornalistas portugueses são bem pagos?” – parte de um inquérito às condições laborais composto por 78 perguntas. Entre 1 de Maio e 13 de Junho de 2016, responderam perto de 1600 jornalistas (1494 inquéritos válidos).

Maria Flôr Pedro, presidente da comissão do Congresso dos Jornalistas, fez uma intervenção forte sobre o sector, focando os problemas e desafios da profissão, alertando que já desapareceram mais duas publicações: “Diário Digital” e “Setúbal na Rede”.

“Uma das coisas interessantes que noto, do anterior congresso de 1998 para cá, é a quantidade de freelancers que temos na comissão organizadora”, disse, acrescentando que “freelancers muitas vezes é um eufemismo para dizer que se está desempregado, que se faz um trabalho aqui, outro ali”.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, presente na abertura deste encontro fez um apelo: “Nunca esquecer que o jornalismo só tem poder se nunca se vergar aos poderes políticos, económicos, financeiros, sociais, formais ou informais vigentes, antes deles se mantendo distanciado e perante eles permanentemente crítico, se quiserem, sendo um anti-poder, nesse sentido”, sendo bastante aplaudido.

“Acreditar sempre, porque se há experiência que o trabalhar em jornalismo tem em comum com o ensino é o apelo diário a não desanimar, a não desistir, a não renunciar, a pensar nos outros, no dever de testemunhar, no dever de servir, no dever cumprir uma missão comunitária. Nunca cedam, nunca desesperem, nunca abdiquem dessa vossa missão”, acrescentou.

Marcelo Rebelo de Sousa falou do desaparecimento de rádios e jornais locais e regionais, da queda de vendas da imprensa escrita e da publicidade e da precariedade no jornalismo, referindo que “quase um terço dos cerca de 7750 profissionais é constituído por estagiários”, manifestando “muita preocupação” com o estado da comunicação social.

O sector da comunicação social, sobretudo a de suporte em papel, está em crise há muitos anos. É preciso não baixar os braços perante tantas adversidades. Por cada jornal que encerra, morre um bocadinho da democracia deste país.